Pesquisadores brasileiros descobrem bicho-pau mais antigo do mundoAnimal datado de cerca de 115 milhões de anos foi encontrado na região do Crato, no nordeste do Brasil. Paleoarte (ilustração científica) do bicho-pau mais antigo do mundo
Qual o bicho-pau (da forma como conhecemos hoje) mais antigo do mundo? Pesquisadores brasileiros analisaram um fóssil encontrado no nordeste do País que comprova que eles existem há pelos menos 115 milhões de anos.
O artigo científico escrito pelos biólogos Victor Ghirotto, Edgar Crispino, Pedro Machado, Pedro Neves, Phillip Engelking e Guilherme Ribeiro foi publicado essa semana na Papers in Paleontology, que reúne importantes estudos internacionais relacionados a paleontologia.
O biólogo Edgar Crispino explica que até então o fóssil mais antigo de bicho-pau moderno datava de 100 milhões de anos, 15 milhões de anos a menos que o novo descoberto. No entanto há ainda fósseis mais velhos e anteriores aos bichos-paus que conhecemos hoje: “São animais com características diferentes, como se fossem antepassados a esses que estamos mais familiarizados, além de estarem todos extintos” diz. Por compartilhar características com as espécies de hoje, o fóssil recém analisado é considerado como o mais antigo de bicho-pau moderno, isso é, pertence ao mesmo grupo das espécies encontradas atualmente.
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Região do Crato, no Ceará, onde o fóssil foi encontrado
Guilherme Ribeiro
A hipótese apresentada agora é que os bichos-pau podem ter se diversificado há 115 milhões de anos pelo planeta junto com as angiospermas, plantas com flores e frutos
“Existe uma divisão principal dos bichos-pau entre os Timemas, um grupo pequeno e muito mais antigo que hoje são encontrados apenas na Califórnia, e os Euphasmatodea, que são todos os outros bichos-pau mais abundantes e conhecidos. O fóssil analisado é o mais antigo desse grupo mais comum e prova que esses animais já estavam andando por aí no Cretáceo, ao lado de grandes dinossauros e pterossauros”, acrescenta o pesquisador Victor Ghirotto.
Descoberta
Em 2019 o raríssimo fóssil de bicho-pau foi encontrado em uma faixa de solo de uma pedreira na cidade de Nova Olinda, no Ceará. Apesar de muita gente pensar em ossos quando falamos em fóssil, nesse caso o que existia era o contorno do inseto preservado na rocha. A região é famosa por fósseis de todos os tipos e a idade das camadas foram datadas por diferentes pesquisadores, sendo o fóssil encontrado em um estrato com idade aproximada de 115 milhões de anos.
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“Assim que vi o espécime entendi se tratar de algo importante e inédito. Foi durante o Congresso Brasileiro de Zoologia que fui apresentado ao grupo de jovens estudantes que já eram especialistas na taxonomia de Phasmatodea (bichos-pau) e daí que se estabeleceu a parceria e o início das pesquisas com esse fóssil”, relembra Guilherme Ribeiro, pesquisador da UFABC e coordenador desse e de outros inúmeros projetos com fósseis de insetos, financiados pela FAPESP.
Foram quase dois anos de trabalho para terminar toda análise do fóssil e enviar o artigo científico, o que inclui inúmeros processos como tratamento do material, revisão bibliográfica de todos os trabalhos já realizados com fósseis de bicho-pau, redigir os dados, entre outros. O fóssil, por ser extremamente sensível e delicado, precisou ser cuidadosamente preparado, resultando em duas metades que foram analisadas com a ajuda de um scanner.
A caracterização complementar do fóssil ficou por parte do biólogo Phillip “Até então não haviam fósseis completos de bichos-paus descritos no Brasil, por isso cada detalhe minucioso que encontrávamos era muito legal e também discutido com o grupo para entrarmos em consenso, o que demorava um tempão. Para mim que sou apaixonado por bichos-pau foi incrível ter trabalhado com os fósseis”, conta.
Os fósseis e não o fóssil, já que durante as análises o grupo fez outra descoberta. “Descobrimos no meio do trabalho que havia a descrição de um fóssil de mais ou menos 115 milhões de anos de um gafanhoto conhecido como mané-magro, da família Proscopiidae. Ele não estava completamente preservado, por isso foi difícil de notar que na realidade se tratava também de um bicho-pau. Ou seja, durante as análises do novo fóssil encontrado conseguimos identificar que outro exemplar já descrito se trata do mesmo bicho-pau, também provindo do mesmo local e idade”, explica Ghirotto.
Por conta dessa descoberta, um novo gênero (que está dentro do Euphasmatodea) foi criado para a inclusão dos fósseis e nomeado como Araripephasma, homenageando a Chapada do Araripe. O nome reliquum, usado na descrição errônea do gafanhoto, foi mantido, resultando no novo nome Araripephasma reliquum
Outra etapa importante do processo foi comprovar que o bicho-pau encontrado era muito parecido com as espécies modernas, o que inclui um trabalho minucioso de comparação de diversas características morfológicas. “Eu vi isso como um desafio e fiquei muito feliz em poder contribuir com os desenhos dos fósseis, que revelaram as características necessárias para comprovarmos que seriam espécies do grupo Euphasmatodea. A paleoarte foi especialmente desafiadora e me fez buscar inspiração nas espécies atuais. Nunca vamos saber exatamente como era a espécie do fóssil encontrado, mas a paleoarte é uma oportunidade para imaginarmos como poderia ter sido”, fiz Pedro Álvaro.
Toda revisão bibliográfica necessária para a estruturação do artigo e para dados que ajudariam na pesquisa foi realizada por Edgar Crispino. “Foram trabalhos em tantas línguas diferentes que tive de pesquisar e traduzir materiais em latim, francês, inglês, alemão, russo e chinês, alguns datados de 1860 - o que fica compreensível entender porque até agora não tínhamos ideia de quantos fósseis haviam sido descritos/descobertos. Levou quase um ano para traduzir tudo e só consegui fazer isso porque tive ajuda de colegas e de um amigo que estava trabalhando no Cazaquistão, região onde parte considerável dos fósseis de bicho-pau foi descrita”.
Importância do trabalho
Todo o trabalho realizado em cima do fóssil recém descoberto no Nordeste comprovou uma série de equívocos na então literatura de descrição de espécies antigas de bichos-pau. “Percebemos que a base de dados online das espécies (usada para diversas pesquisas) está desatualizada há pelo menos três anos e parte dos mais de 90 fósseis de bichos-paus já descritos no mundo todo estão no meio de uma grande confusão: alguns estão erroneamente identificados como gafanhotos, enquanto outros são, na verdade, de um grupo diferente e pouco estudado de insetos extintos chamados Chresmoda”, diz Edgar.
Segundo ele, além da pesquisa ajudar a comprovar esses equívocos, também esclarece toda questão evolutiva dos bichos-pau. “Fora isso é uma pesquisa de brasileiros que mostra como ainda temos muito material para produzir ciência, o Brasil é rico e muito diverso quando o assunto é paleontologia”.
Outra contribuição da pesquisa é que o fóssil de bicho-pau encontrado e descrito pelo grupo possui inúmeras ligações com o meio ambiente que estava inserido na época. “Isso abre uma janela para entendermos melhor como era o ambiente há 115 milhões de anos, o que abre brecha para outros estudos analisarem, consequentemente, as mudanças de lá para cá. Essa ponte entre passado e futuro pode trazer inúmeras respostas até para as mudanças climáticas que enfrentamos hoje, por exemplo”, finaliza Victor.