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Pesquisadores acreditam que hormônios femininos podem ter papel protetor contra o coronavírus (61 notícias)

Publicado em 19 de maio de 2020

Por Vanessa Moura | Jornal do Commercio

Hipótese é endossada por pesquisas que avaliam a atividade inibidora do estrogênio; levantamento de dados mostram que a taxa de mortalidade dos homens pela doença pode superar a das mulheres

No mundo, mais de 318 mil pessoas já morreram vítimas do novo coronavírus. De acordo com a observação destes casos, foi detectado que homens, quando infectados pela Covid-19, tendem a morrer mais do que mulheres na mesma condição. Essa tendência pôde ser observada em diversos países, como China, França, Alemanha, Itália e até mesmo no Brasil. Baseados nessa constatação epidemiológica, pesquisadores do Estado de São Paulo começaram a analisar a possibilidade de hormônios femininos exercerem papel protetor contra o coronavírus.

O projeto “Avaliação de compostos com potencial terapêutico para SARS-CoV-2: enfoque em compostos com atividade estrogênica, moduladores da autofagia e ECA2”, coordenado pelo professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Rodrigo Portes Ureshino, têm investigado a possível atividade inibidora dos estrogênios na evolução da Covid-19 dentro do organismo, e caso chegue em resultado conclusivo, o próximo passo do estudo será desenvolver fármacos com potencial terapêutico para o tratamento da doença.

De acordo com Ureshino, trabalhos realizados há um tempo foram capazes de comprovar que o vírus causador da síndrome respiratória aguda grave teve maior eficiência em progredir no organismo dos homens infectados. Agora, seu estudo tem o objetivo de descobrir se o mesmo se aplica em relação ao novo coronavírus, causador da pandemia atual. “Baseado em dados da literatura científica, acreditamos que os estrógenos podem participar da proteção fisiológica contra o coronavírus. Como exemplo, estudos anteriores realizados com coronavírus SARS-CoV (o coronavírus anterior), apontaram diferenças de gênero na infecção e progressão da doença, com maior suscetibilidade de indivíduos do sexo masculino, e estudos em modelo animal indicaram que os estrogênios podiam estar associados à maior proteção fisiológica no sexo feminino. Assim, queremos testar se o mesmo ocorre na COVID-19, visando selecionar compostos com potencial para estudos clínicos”, contou o professor à reportagem do Jornal do Commercio.

O estudo em modelo animal que indicou a associação do estrógeno com a proteção fisiológica, do qual Ureshino se refere, é o experimento feito em ratas ovarectomizadas (que tiveram a remoção cirúrgica dos ovários, e consequentemente diminuição dos níveis de estrógeno), onde as mesmas apresentaram maior taxa de mortalidade em animais infectados pelo SAR-CoV.

A pesquisa comandada por Ureshino já foi aprovada na fase de revisão literária, e agora entrou na fase experimental, onde linhagens de células “com cepas [grupo de descendentes com um ancestral comum que compartilham semelhanças morfológicas ou fisiológica] selvagens de coronavírus” foram infectadas. “Vamos testar nesse modelo mais de 40 compostos com atividade estrogênica para observar os resultados”, revelou o pesquisador.

Dentre os compostos que serão testados nesta fase do projeto, Ureshino destacou três: o 17-estradiol (o estrógeno mais abundante no organismo), o tamoxifeno (um modulador seletivo dos receptores estrogênicos) e a agenisteína (um fitoestrógeno). Tais hormônios já apresentaram triunfo ao serem usados em modelos de outras doenças virais. "O 17ß-estradiol, estrógeno mais abundante em nosso organismo, que está presente tanto em homens como em mulheres, e o Tamoxifeno foram testados em infecção pelo vírus da hepatite C, gerando bons resultados. Já a genisteína, foi utilizada em modelo de infecção pelo vírus da Herpes B", disse o professor.

Questionado sobre os possíveis frutos de sua pesquisa, Ureshino afirmou que após os devidos testes, "poderá focar no reaproveitamento de fármacos já em uso para outras terapias". Para ele, "este método tem grande potencial de ser utilizado como alternativa terapêutica para pacientes infectados com o novo coronavírus."

Todos esses procedimentos têm sido realizados em um laboratório de nível de biossegurança 3 (NB3) da Unifesp e acompanhado pelo professor Mário Janini, que também é um colaborador da pesquisa.

* O projeto dispõe de uma equipe de trabalho multidisciplinar formada pelos pesquisadores Rodrigo Portes Ureshino, Luiz Mário Ramos Janini, Juliana Terzi Maricato e Carla Torres Braconi, Nancy Cristina Junqueira Bellei e Ricardo Sobhie Diaz, Soraya Soubhi Smaili e Gustavo José da Silva Pereira, Carla Máximo Prado e Roberta Sessa Stilhano.