Em meio à crise do novo coronavírus, pesquisadoras da USP foram notavelmente velozes. Em 48 horas, analisaram o patógeno que afligia um brasileiro que havia viajado para a Itália e disponibilizaram a sequência genética do vírus para todos os cientistas do mundo.
A equipe, comandada pela professora Ester Sabino e pela pós-doutoranda Jaqueline de Jesus, ambas do Instituto de Medicina Tropical da USP, é composta por 10 mulheres e um homem. O trabalho foi feito em parceria com o Instituto Adolfo Lutz, responsável pelas contraprovas das infecções no estado de São Paulo.
Sabino se formou em medicina na USP em 1984 e foi treinada durante epidemia de HIV/Aids. O vírus também foi tema de pesquisas de Jesus em sua iniciação científica, em 2008, no curso de Biomedicina.
Antes de se tornar docente, a médica atuou na Fundação Pró-Sangue, na área de epidemiologia molecular, que busca decifrar como o patógeno evolui e quais aspectos genéticos e estruturais tornam o vírus mais ou menos perigoso. Mais recentemente, começou a estudar as arboviroses (viroses transmitidas por artrópodes), como a dengue.
Jaqueline de Jesus, que fez o doutorado na Ufba, acompanhou de perto surtos dessas doenças no Nordeste com o que chamou de "vigilância genômica em tempo real" (saiba mais aqui). Caiu, portanto, como uma luva na equipe de Ester Sabino.
Em 2019, foi lançado o Cadde (Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus), uma parceria da USP com a Universidade de Oxford.
Um dos grandes objetivos é justamente mapear o desenrolar de epidemias. É importante estudar os vírus para entender quais são as mudanças sofridas ao longo da trajetória que eles percorrem, de pessoa em pessoa e de país em país. O custo de processamento por amostra caiu de até US$ 1.000 para cerca de US$ 20 graças ao trabalho do grupo de Sabino.
Mas o que isso tem a ver com o coronavírus, que se espalha pelo ar e não depende de mosquito? "A técnica para sequenciar o vírus é a mesma", diz ela. "Sequenciar" equivale a soletrar as quase 30 mil letrinhas (bases) do material genético viral, feito de RNA.
"Estamos preparadas para uma resposta rápida para qualquer vírus de importância médica", diz Jesus.
Com a notícia de uma possível pandemia a caminho, o grupo se armou. Os parceiros do Reino Unido enviaram reagentes necessários para pescar o RNA do Sars-CoV-2 (nome do novo coronavírus) e permitir o sequenciamento.
"Quando começou o surto na China, sabíamos que o país exportaria o vírus para o resto do mundo graças ao enorme fluxo de pessoas para diversos países", conta Jesus.
"É bom a gente se acostumar e se preparar. Podem vir outras epidemias. Temos que aprender a trabalhar juntos e compartilhar dados", diz Sabino.
A partir das análises feitas pela equipe, foi possível descobrir que os vírus no Brasil tinham semelhanças com outros encontrados na Inglaterra e na Alemanha, por exemplo, embora fossem de viajantes que passaram pela Itália.
Isso sugere que a epidemia de coronavírus está ficando madura na Europa, ou seja, já está ocorrendo transmissão interna nos países europeus.
"A ciência é feita para ser publicada [em revistas científicas], mas não é só isso. Se por um lado é importante publicar as análises feitas com calma, o melhor nesse caso é disponibilizar o dado para mais gente analisar", diz Sabino.
Quanto ao futuro da epidemia, tudo é incerto, mas, para Jesus, os sinais não são bons. "Não sou otimista. A gente tinha só dois casos importados, causados por vírus que circulavam na Itália. Agora temos casos autóctones [transmitidos no país]." "A sensação é de que isso vai aumentar. Vai haver um aumento de casos e depois virá o decrescimento, o que é normal para a epidemia".
E o que dá para fazer a respeito? Lavar as mãos, usar lenço, ter cuidado com secreções, espirrar na dobra do braço, usar álcool e não compartilhar objetos, diz a biomédica. "A população vai ser a grande protagonista nas ações para conter a transmissão".
Segundo Claudio Sacchi, responsável pelo Laboratório Estratégico do Instituto Adolfo Lutz (Lelial), enquanto forem confirmados apenas casos esporádicos de covid-19 (a doença causada pelo novo coronavírus) em São Paulo, todos os genomas serão sequenciados.
Caso os testes positivos comecem a ganhar escala, o trabalho passará a ser orientado pelo Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde, que também integra o Projeto Cadde.
"Nesse caso o sequenciamento passará a ser feito por amostragem e com base em métodos estatísticos para garantir que as amostras sejam representativas do total."
O Cadde é financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e por parceiros do Reino Unido.