A fotografia passou por diversas transformações tecnológicas desde sua criação, em 1839, até se tornar uma das tecnologias mais difundidas, acessível em smartphones e outros dispositivos amplamente utilizados. Publicado com apoio da FAPESP, o livroFoto 0 / Foto 1, de Wagner Souza e Silva, resgata essa trajetória para propor reflexões sobre como tais transformações influenciaram as práticas artísticas e sociais da fotografia.
De acordo com o autor, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), o livro aborda a transição da fotografia química para a digital buscando compreender quais as implicações do processo para o valor atribuído à imagem.
“A ideia é explorar a ontologia dessa transição e suas influências na identidade do que é entendido como fotografia. Quando o digital surgiu, a fotografia se tornou mais fácil de ser produzida, mas houve resistência por parte de muitos fotógrafos que cresceram na tradição da película e atribuíam grande valor à necessidade de um conhecimento técnico mais complexo para a prática, sobre como manipular filme ou qual objetiva escolher. Essa compreensão, de certa forma, agia como fator de valorização da imagem. Hoje, a simplicidade de operação da fotografia digital acabou minando esse discurso tecnológico”, diz Souza e Silva.
Para ele, tal reação em defesa da película evidencia a ideia de que a “boa fotografia” sempre esteve associada ao domínio tecnológico e que o valor da prática fotográfica depende não só da imagem, mas da tecnologia e dos esforços empregados. Dessa forma, “antes de ser a prática da imagem, a fotografia é a prática de uma tecnologia”, diz.
A obra é dividida em duas partes: “Fotografia do 0 ao 1”, em que são propostas reflexões sobre a prática fotográfica com película, e “Fotografia do 1 ao 0”, focada nas características do registro digital das imagens.
“Entretanto, essa proposta não pode ser interpretada somente como duas fases distintas da fotografia. Trata-se de uma tentativa de se criar uma ordem cronológica para sua trajetória, mas muito do que define a fotografia digital está na fotografia com película e o contrário também ocorre”, explica o autor.
Também são discutidos aspectos sociais da fotografia, analisando-se suas bases filosóficas. Para isso, Souza e Silva adota modelos interpretativos propostos pelo filósofo francês Roland Barthes (1915 – 1980), autor de A câmara clara, em que faz reflexões em torno do papel da imagem fotográfica no mundo contemporâneo, e pelo tcheco-brasileiro Vilém Flusser (1920 – 1991), que no seu livro Filosofia da caixa preta aborda o viés filosófico da fotografia.
É nesse contexto que o livro reflete sobre o status da fotografia contemporânea, observando o aprimoramento de suas bases tecnológicas e como elas parecem redefinir alguns paradigmas que estruturam sua prática.
Também os gêneros em que a fotografia costuma ser categorizada são abordados levando-se em consideração a tecnologia contemporânea, que possibilita a ampla circulação de imagens e, diz o autor, acaba dificultando sua categorização por retirá-las dos seus contextos originais.
“Os gêneros fotográficos correspondem a certos nichos da prática, conectando-se muito mais ao propósito com que a fotografia é utilizada do que com as características estéticas da imagem. O que determina seu gênero, portanto, é o contexto, mas hoje há uma mescla, uma confusão de contextos: uma imagem produzida para uma pesquisa científica, quando passa a circular não só em revistas especializadas, mas na grande mídia, ganha ares fotojornalísticos, trazendo um outro contexto para a imagem, que a realoca em outro gênero.”
Para ele, também é possível relativizar a figura do fotógrafo, que, “diante da difusão da tecnologia, precisa estar atento a uma realidade de ampla circulação de imagens e colocar sua obra à frente dela”.
“Não dá para se afirmar fotógrafo a partir do simples domínio de uma tecnologia que antes era restrita. O fotógrafo precisa reunir capacidades não só para produzir fotografias, mas para compreender como sua fotografia dialoga com um universo maior de circulação de imagens.”
O livro finaliza com um sugestivo “seja bem-vinda, fotografia”. Isso porque, segundo o autor, “apesar de ter sido inventada em 1839, a prática vem sendo redescoberta com o advento de novas tecnologias, que a tornam acessível como nunca”.
Foto 0 / Foto 1
Autor: Wagner Souza e Silva
Editora: Edusp
Lançamento: 2016
Preço: 38,00
Páginas: 200
Mais informações: www.edusp.com.br/detlivro.asp?ID=1936545552