Ao utilizar uma técnica de redes neurais artificiais, um pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe/MCT) desenvolveu uma ferramenta de modelagem estatística que permite aplicar os modelos climáticos globais do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) em escalas regionais.
A redução de escala torna possível a construção de um modelo empírico de diagnóstico voltado para o estudo de possíveis mudanças no regime climático sobre a América do Sul.
O estudo, que foi capa da seção de ciências atmosféricas do boletim da União Geofísica Norte-Americana, é resultado da pesquisa de pós-doutorado de David Mendes, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/Inpe).
O trabalho também gerou um artigo escrito em parceria com o orientador José Antonio Marengo, coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Mudanças Climáticas do Inpe e integrante do IPCC, publicado na revista Theoretical and Applied Climatology.
O novo método permite identificar relacionamentos não-lineares entre o clima local e a circulação em grande escala. A principal conclusão foi que o processo de redução de escala dos modelos climáticos por meio do uso de RNA se mostrou ótima ferramenta para aprimorar a precisão dos modelos - tanto em análise climática como para previsão do tempo, explica Mendes.
Usando o método, o pesquisador avaliou cinco modelos do IPCC que simulavam o clima global entre 1976 e 2000. Segundo ele, a redução de escala dos modelos por meio de redes neurais mostrou resultados realistas - isto é, muito semelhantes aos dados observados empiricamente.
Conseguimos criar uma ferramenta consistente de previsão climática e de diagnóstico das mudanças no clima sobre a América do Sul. Isso permitirá estudar possíveis alterações no regime climático sobre o continente, especialmente em relação ao regime de precipitação, apontou.
Mendes conta que modelos climáticos globais têm resoluções que variam de 300 quilômetros a 400 quilômetros e que, por isso, não são capazes de fazer uma boa representação do clima em uma região menor. Por isso, uma solução seria aplicar a rede neural artificial, que é uma técnica de inteligência artificial, para reduzir as escalas.
Podemos trazer um modelo global para uma escala regional - temos condições de fazer isso no Inpe -, mas esse procedimento requer recursos computacionais imensos. Ao utilizar as redes neurais artificiais, conseguimos fazer essa redução com base em uma análise estatística, o que requer uma carga computacional muito menor, explicou.
Os modelos globais podem indicar, por exemplo, que a temperatura da Amazônia aumentará 5º C em determinado cenário. Mas essa alteração climática não deverá ocorrer de forma homogênea em toda a imensa região amazônica.
O método proposto por Mendes possibilita refinar esses prognósticos. Os métodos estatísticos melhoram sensivelmente a validação do modelo e sua acurácia, trazendo informações mais próximas do real, disse.
A chuva convectiva, que dura de 40 a 50 minutos, também é efeito local que não pode ser captado pelos modelos globais. O tempo e a escala de ocorrência desses fenômenos são pequenos, por isso os modelos globais não conseguem captá-los. É aí que entra o papel dos modelos regionais, disse.
Modelos aprimorados
O trabalho publicado enfatiza a aplicação da ferramenta para a região amazônica. Mas o pesquisador do Inpe testou a aplicação do método para outras regiões também e o erro foi sempre menor que 5%.
Fizemos o trabalho com cinco modelos e agora estamos passando para dez. Verificamos que o erro é um pouco maior quando o método é aplicado ao Nordeste, em comparação às demais regiões da América do Sul. Achamos que isso pode ter relação com a maior variabilidade de chuva sobre essa região, disse.
Ao fim do trabalho, os 10 modelos serão submetidos à aplicação da análise estatística a partir de um cenário pessimista e um otimista do IPCC, projetando-os regionalmente sobre toda a América do Sul. A partir dos dois cenários, os pesquisadores do Inpe tentarão entender melhor o mecanismo climático regional e produzir uma linha de diagnóstico para o futuro.
As redes neurais artificiais são ferramentas indispensáveis para aprimorar os modelos. É possível adquirir pacotes com redes neurais já prontas. Não são caras e não demandam grande capacidade computacional. Esperamos que nos próximos anos a própria rotina dos modelos já contenha uma análise estatística que tente corrigir os erros, disse Mendes.
O artigo Temporal downscaling: a comparison between artificial neural network and autocorrelation techniques over the Amazon Basin in present and future climate change scenarios, de David Mendes e José Marengo, pode ser lido por assinantes da Theoretical and Applied Climatology em http://www.springerlink.com/content/p663n4576586350w.
Com informações da Agência Fapesp