Decodificação de genoma é primeiro passo para controle do mosquito da dengue
A decodificação do genoma do mosquito Aedes aegypti, transmissor de doenças como a dengue e febre amarela, por um grupo de cientistas, é o primeiro passo de uma longa jornada para o controle dessas doenças, responsáveis por cerca de 30 mil mortes por ano no mundo, conforme pesquisadores de Campinas. "Trata-se de uma grande descoberta, mas que é só o primeiro passo para novos estudos que nos levem a conhecer mais sobre o vírus que provoca cada doença", diz a infectologista da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC), Maria Patelli Juliani Lima. "Esses processos nunca são a curto prazo. Hoje se conhece os gens do mosquito, mas ainda não sabemos o que cada um deles faz. É preciso sequenciar os gens, saber o que cada um faz, suas combinações, para depois entender o que isso representa", diz o professor do Departamento de Parasitologia do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Arício Xavier Linhares.
"Por enquanto os pesquisadores descobriram as letras do alfabeto. Agora têm que entender o que cada uma representa e como se combinam, para então conseguir ler alguma coisa", diz Linhares, fazendo analogia com uma criança que descobre as primeiras letras, mas demora até conseguir entender um poema. Ele lembra que há alguns anos, um estudo financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) decodificou o genoma da bactéria que causa o amarelinho na laranja. "Apesar de uma bactéria ser bem mais simples que um mosquito, até agora a descoberta não trouxe nenhum resultado prático", diz.
Linhares avalia que, além de entender o mosquito, há que desvendar como ele funciona enquanto vetor das doenças. Segundo o especialista, para se chegar a uma vacina contra dengue, por exemplo, é preciso identificar o vírus da doença e depois o composto capaz de produzir o anticorpo. "Além de isolar o vírus é necessário descobrir um antígeno que produza imunidade permanente do organismo", diz, reiterando que essas conclusões não são a curto ou médio prazo.
"A descoberta abre a perspectiva de montar-se estratégias para combater o mosquito, talvez criar um inseticida específico, que não interfira com outros mosquitos. Mas, antes é preciso entender como ele funciona", avalia Maria Patelli, lembrando que "primeiro é preciso descobrir como o inimigo pensa para depois enfrentá-lo".
Os dois especialistas destacam que, independente de qualquer descoberta, a alternativa para prevenir doenças como a dengue, que aparece principalmente na área urbana, é impedindo o aparecimento do mosquito. "Nenhuma descoberta científica isenta o trabalho de prevenção da proliferação do mosquito", frisa Maria Patelli. "A única arma realmente eficaz contra a dengue é o combate ao vetor", reforça Linhares.
Ele destaca ainda que a nebulização com veneno, estratégia empregada pelas autoridades sanitárias em situações de surto, como ocorre em Campinas, é uma estratégia, mas que elimina o mosquito em sua fase adulta. 'O inseticida tem um resultado rápido", explica. "Mas para impedir a reprodução são necessárias medidas de controle de imaturos, que é a eliminação de criadouros", completa.
A decodificação do genoma do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue — um estudo publicado em maio na revista científica Science — é resultado de uma iniciativa que contou com pesquisadores de sete países, entre eles o Brasil, que participou com um grupo de cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Butantã. A participação dos brasileiros foi fruto de um convênio da Fapesp com o Instituto Pasteur, da França, que cultivou as larvas e extraiu o RNA, que foi analisado em São Paulo. "Agora estamos trabalhando para ampliar as análises específicas das larvas", disse na época da divulgação o bioquímico do Instituto de Química da USP, Sérgio Verjovski de Almeida.