Estudo publicado na Science analisou material genético de apenas 4 goianos entre 2.723 brasileiros. Nova etapa terá inclusão de mais 6 mil genomas
Primeiro sequenciamento genético de larga escala no país, o projeto DNA do Brasil terá mais goianos em uma próxima etapa. O estudo, que acaba de ser publicado pela revista Science , apresenta dados importantes, mas Goiás não está representado significativamente. A geneticista Lygia da Veiga Pereira, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), idealizadora da pesquisa, disse nesta sexta-feira (16) ao POPULAR que, das 2.723 pessoas do País que tiveram DNA analisado, apenas 4 são goianas. "Na segunda fase do projeto, estamos sequenciando mais 6 mil genomas e aí haverá uma representatividade maior da Região Centro-Oeste", disse ela.
A expectativa é de que a segunda etapa do projeto DNA do Brasil seja divulgada no próximo ano. O trabalho, que começou em 2019, visa sequenciar os genomas de milhares de brasileiros para sinalizar e identificar as características únicas da população considerada a mais miscigenada do mundo. "Impacto da miscigenação na evolução da população brasileira e na saúde" é o título do artigo publicado na Science , que revela que a "paisagem genética" do Brasil está enraizada na história evolutiva das comunidades indígenas e na interação demográfica decorrente de imigração histórica, forçada e voluntária, para o País.
Embora aparentemente não haja tanta novidade, para os pesquisadores o achado é uma riqueza ímpar. Foram detectadas 78 milhões de variantes e quase 9 milhões não tinham registro em nenhum banco de dados. "O DNA que compõe a população brasileira inclui uma amostragem de populações negligenciadas do ponto de vista genômico, especialmente africanas e indígenas", disse, à revista Pesquisa FAPESP, a geneticista Kelly Nunes, primeira autora do artigo assinado por mais de 20 pesquisadores. Colaboradores de várias partes do País, como Rondônia e Pará, se uniram ao estudo.
Segundo o artigo, a colonização do Brasil foi feita por cerca de 5 milhões de europeus e 5 milhões de africanos, que encontraram no território 10 milhões de indígenas. Os nativos foram praticamente dizimados, com declínio populacional de 83% no interior e 98% no litoral. O pico da miscigenação ocorreu nos séculos 18 e 19. Os quase 9 milhões de genomas sequenciados na primeira etapa trouxeram informações para a saúde, como genes associados a diversas doenças. Algumas delas são de origem europeia e se tornaram altamente prevalentes no Brasil.
Outro dado interessante é que a grande maioria (71%) das linhagens cromossômicas Y (exclusivamente masculino) é de origem europeia. A africana representa 42% e a indígena, 35%. "Esse padrão é provavelmente o resultado do acasalamento assimétrico histórico entre homens europeus e mulheres indígenas americanas e africanas, ilustrando como os dados genômicos podem ajudar a descobrir a história da colonização e suas consequências persistentes na diversidade genética das populações atuais", diz o artigo.
Os autores lembram que essa miscigenação com viés sexual, já observado em outros estudos, é previsível. "A maioria dos colonos europeus era de homens, especialmente na América Latina, e também deve ser considerada a história de violência durante a colonização, que provavelmente levou a maior número de mortes de homens indígenas americanos e africanos, juntamente com a violência sexual contra mulheres desses grupos."
Para Lygia da Veiga Pereira, o projeto DNA do Brasil possibilita conhecer melhor o mosaico de frações do genoma brasileiro e abrir caminhos para estudar melhor a saúde da população. O estudo mostra que grande parte dos brasileiros possui ancestralidade europeia (60%), seguida de africana (27%) e nativos/indígenas (13%). Quando são elencados os dados de Goiás, a linhagem prioritária é a europeia (82,49%). As linhagens africana e indígena aparecem praticamente com o mesmo porcentual -- 8,75% e 8,76%, respectivamente. A geneticista Lygia Pereira insiste que isso não quer dizer absolutamente nada, pelo fato de que apenas quatro sequenciamentos de indivíduos goianos foram feitos nesta etapa.
População brasileira é quase toda miscigenada, diz estudo
O mais completo estudo já feito sobre o DNA dos brasileiros indica que a população do País carrega uma herança indígena mais substancial do que se imaginava antes e abrange uma grande fatia da diversidade genética humana, incluindo um grande número de variantes que nunca tinham sido identificadas antes.
A massa de dados obtida pela equipe, liderada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), tem uma dimensão que seria quase impensável poucas décadas atrás. Os cientistas obtiveram "leituras" de alta qualidade do genoma completo de 2.723 pessoas de todas as regiões do
Brasil, englobando Estados que vão do Amazonas ao Rio Grande do Sul.
A análise mostra que os séculos de miscigenação desde 1500 deixaram marcas profundas no DNA da população atual. "O que me encanta nesse trabalho é vermos as consequências biológicas dos processos de formação da população brasileira que conhecemos dos livros de história", diz a geneticista Lygia da Veiga Pereira, uma das autoras principais do estudo, publicado nesta quinta-feira (15) na revista especializada Science
Além disso, as informações têm potencial para trazer impactos positivos para os brasileiros do presente e mesmo para outras populações mundo afora. Saber quais variantes de genes aparecem no País pode facilitar abordagens de "medicina de precisão", que envolvem, por exemplo, a escolha de medicamentos e dosagens de acordo com o metabolismo específico do paciente, algo que é influenciado pelo genoma. E, no caso brasileiro, a miscigenação também significa que o DNA de cada indivíduo também pode ser uma janela para muitos outros grupos espalhados pelo mundo.
"Se pensarmos que a população brasileira é um grande reservatório de variabilidade de diversas populações pouco representadas em estudos genômicos, como indígenas, africanos e europeus do sul, temos resultados que podem ser úteis para diversos grupos", explica Tábita Hünemeier, que também coordenou o trabalho junto com Pereira. Em outras palavras, o DNA de brasileiros poderia trazer pistas inéditas sobre a genômica das populações de seus ancestrais na África Central ou na Península Ibérica, por exemplo.
Confirmando o que diversos estudos anteriores já indicavam, a mistura complexa de populações que deu origem aos brasileiros modernos foi bastante desigual. Além de europeus, africanos e indígenas, houve também contribuições minoritárias, mas significativas, de grupos do leste da Ásia (especialmente japoneses) e do Oriente Próximo (sírio-libaneses, que tendem a ficar agrupados junto com os europeus).
Sexos
A assimetria entre os sexos, considerando as diferentes origens de cada população, também é marcante. A predominância europeia é ainda mais clara quando se usa o cromossomo Y, a marca genética da masculinidade, para estimar quais as linhagens paternas dos brasileiros (mais de 70% derivam da Europa), enquanto as linhagens maternas são majoritariamente africanas (42%) e indígenas (35%). Só 2% dos homens brasileiros de hoje têm um ancestral masculino que pertencia aos povos originários. Em suma, homens de origem europeia tinham chances muito maiores de conseguir parceiras de outras origens étnicas e gerar filhos com elas.
É muito difícil explicar esse padrão sem os efeitos da violência sexual durante a colonização, diz Hünemeier. "Qualquer outro fator é muito pouco provável, pois o cenário é muito discrepante", analisa ela. Argumentar que as mulheres de origem não europeia simplesmente preferiam ter filhos com homens europeus tampouco é crível. "Além disso, é algo que teria de acontecer em uma escala absurda, na qual praticamente todas as mulheres indígenas prefeririam um homem europeu, considerando que o cromossomo Y indígena praticamente desaparece na população mestiça." (Reinaldo José Lopes / Folhapress)