Há pouca percepção no Brasil sobre o valor dos estudantes que se dedicam integralmente à pesquisaVocê só estuda ou também trabalha?”. Todo pós-graduando stricto sensu já foi submetido a esse questionamento pelo menos uma vez na vida durante o período de estudos, mais ainda se for bolsista de uma das linhas de financiamento dos estados ou da União. Em geral, há um entendimento equivocado ou subestimado sobre o tempo, as tarefas e os objetivos de quem passa uma parte da vida após a graduação em volta de livros, laboratórios, análises e publicação de textos em revistas especializadas.
Alguns episódios factuais, porém, jogam luz sobre o cotidiano dos pesquisadores brasileiros que vivem de bolsa. No final do ano passado, o Ministério da Economia suspendeu o pagamento de 1.500 bolsas Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) por falta de recursos no orçamento federal, expondo um cenário até então desconhecido pela maioria dos brasileiros.
Para ser bolsista, tanto Capes como FAPESP (a agência de fomento do Governo de São Paulo), por exemplo, o pesquisador precisa abdic ar de quaisquer vínculos empregatícios: a dedicação é exclusiva, o que significa dizer que o jovem precisa viver com os valores e as condições impostas pelas agências.
No caso da Capes, os valores pagos em dezembro, quando da suspensão pela União, variavam de R$ 1.500,00 (mestrado) a R$ 4.100,00 (pós-doutorado), cifras congeladas há uma década, sem direito a qualquer outro benefício. Nesse mesmo período, o salário-mínimo quase dobrou de valor. Na última semana, o presidente Lula anunciou, já para março, o reajuste desses valores, que agora partem de R$ 2.100,00 e chegam a R$ 5.200,00.
O novo presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), Ricardo Galvão, defende que as bolsas de pós-graduação no Brasil sejam reajustadas anualmente para manter o poder aquisitivo dos pesquisadores e serem atrativas para os estudantes. Além disso, há um debate em torno de outros direitos que o pesquisador deveria ter, como férias e licenças, benefícios oferecidos na maior parte dos outros países que mantêm programas de estímulo à pesquisa.
A pandemia mostrou a toda sociedade o valor da pesquisa e da ciência, mas é preciso admitir que, diariamente, em laboratórios e centros tecnológicos, descobertas e inovações em todos os campos do conhecimento vêm sendo evidenciados e colocados a serviço da evolução humana, muitas vezes de forma anônima. Do medicamento comprado no balcão da farmácia ao aplicativo projetado para identificar o nível de dor dos pets, em tudo há o tempo, a energia e o esforço de um pesquisador ou conjunto de pesquisadores.
Valorizar esse papel passa por aportar verbas adequadas e perenes em centros de formação, previstas em orçamento como qualquer outra rubrica, mas também dar ao pesquisador recursos suficientes para sobreviverem com dignidade, um estímulo legítimo a qualquer trabalhador.
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