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Pesquisa mundial mostra efeito invisível da atividade humana na natureza (23 notícias)

Publicado em 09 de abril de 2025

Frequentemente, a vegetação natural apresenta lacunas de espécies que deveriam existir, mas não estão presentes. Esse fenômeno é especialmente observado em áreas que sofreram intenso impacto das atividades humanas. Uma pesquisa publicada na revista Nature no dia 2 de abril, analisou essa situação em 119 regiões ao redor do planeta. O estudo aborda o conceito conhecido em inglês como “dark diversity”, que pode ser traduzido como “diversidade ausente” em português.

Um esforço coletivo de mais de 200 cientistas, integrantes da rede internacional DarkDivNet, levou à realização dessa pesquisa, que examinou a presença ou ausência de espécies vegetais em 5.500 locais diferentes. O comando do estudo foi realizado pelo professor Meelis Pärtel, da Universidade de Tartu, na Estônia, e contou com a colaboração de pesquisadores brasileiros, incluindo Alessandra Fidelis e Mariana Dairel.

“Os pesquisadores locais registraram todas as plantas existentes em cada local e identificaram as espécies ausentes, que são nativas e poderiam colonizar a área, mas não estão lá. Isso nos possibilitou entender o potencial ecológico de cada local e avaliar o impacto das intervenções humanas na vegetação local,” descreve Fidelis, docente do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp) em Rio Claro.

O estudo revelou que em áreas menos afetadas por humanos, os ecossistemas frequentemente possuem mais de um terço das espécies potencialmente adequadas. A falta das outras duas partes, segundo os cientistas, se deve a fatores naturais como a limitação na dispersão. No entanto, em regiões marcadamente alteradas por ações humanas, a diversidade disponível de plantas pode ser reduzida a apenas uma em cada cinco espécies adequadas. “Métricas tradicionais de biodiversidade, que se limitam a contar o número de espécies, não conseguem capturar essa realidade, uma vez que a variação natural da biodiversidade entre diferentes locais pode mascarar a verdadeira magnitude da influência humana,” afirmam os líderes do estudo.

Pärtel destaca que a rede DarkDivNet foi lançada há aproximadamente sete anos, em 2018. “Introduzimos a teoria da diversidade ausente e desenvolvemos métodos para sua investigação. Contudo, para gerar comparações globais, era necessário uma amostra consistente em diversas regiões, o que parecia quase impossível. No entanto, acadêmicos de continentes diferentes se uniram a nós,” afirma. Apesar das dificuldades trazidas pela pandemia e das crises econômicas e políticas globais, os dados foram coletados ao longo dos anos, mesmo sem um financiamento central.”

A professora Fidelis se envolveu no projeto logo no início, durante uma reunião sobre DarkDivNet realizada em um congresso da International Association for Vegetation Science (IAVS) em Bozeman, nos EUA, em 2018. “Muitos pesquisadores se integraram ao projeto e aplicaram a mesma abordagem em várias partes do mundo. Mariana Dairel, que era minha aluna de doutorado, ficou entusiasmada com a proposta e colaborou na coleta de dados na área de Itirapina, onde existem tanto vegetação nativa do Cerrado quanto áreas modificadas.”

Ela também ressalta: “É evidente que as ações humanas têm causado múltiplas consequências nos ecossistemas, alterando a biodiversidade. Porém, nosso estudo vai além ao demonstrar a perda não apenas das espécies que estavam em determinados locais, mas também daquelas que poderiam potencialmente habitar a área, o que pode impactar negativamente a regeneração natural.”

O estudo também envolveu a medição da perturbacão humana em cada área utilizando o Índice de Pegada Ecológica (Human Footprint Index), que leva em consideração aspectos como a densidade populacional, alterações no uso do solo (como urbanização e cultivo) e infraestrutura (caso de estradas e ferrovias). O levantamento revelou que a diversidade de plantas é negativamente afetada quanto maior for a pegada ecológica. Esse impacto pode se espalhar por distâncias que atingem centenas de quilômetros ao redor dos locais impactados.

“Os dados adquiridos são alarmantes e revelam que as alterações provocadas pelas atividades humanas têm um alcance mais amplo do que era imaginado, afetando até mesmo áreas protegidas. Poluição, desmatamento, descarte inadequado de resíduos, pisoteio e incêndios provocados por humanos são causas que podem eliminar plantas de seus habitats e bloquearem sua recolonização. Também evidenciamos que a influência negativa da ação humana era menos intensa quando pelo menos um terço da área circundante se mantinha preservado, reforçando assim a necessidade de proteger 30% do espaço terrestre até 2030,” assinala o professor Pärtel. Ele ressalta a importância da manutenção e do aprimoramento da saúde dos ecossistemas fora das reservas naturais, utilizando-se do conceito de “diversidade ausente” como um recurso prático nas estratégias de conservação e recuperação ambiental.

O empobrecimento da vegetação foi atribuído pelos pesquisadores à fragmentação do habitat, perda de interconectividade, defaunação (desaparecimento de espécies animais, particularmente aquelas responsáveis pela dispersão de sementes), e outras perturbações como queimadas e extração de madeira, além da eutrofização, que é um processo de poluição devido ao aumento de nutrientes em corpos d’água. Identificou-se que a preservação de pelo menos 30% da paisagem em estado natural pode atenuar esses efeitos adversos.

O apoio às pesquisas de professores envolvidos foi proporcionado pela FAPESP. Alessandra Fidelis participou do projeto “ Como a época do fogo afeta a vegetação do cerrado? ”, enquanto Mariana Dairel obteve uma Bolsa de Doutorado da FAPESP.