Mesmo grupo de pesquisadores já havia descoberto que o vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, também pode combater tumores no cérebro
Uma pesquisa de cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), liderado pelo professor Rodrigo Ramos Catharino, descobriu que o vírus zika pode ser uma arma contra o câncer de próstata. O mesmo grupo já havia descoberto que o vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, também tem o poder de combater tumores no cérebro. Os resultados do estudo, que teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) da Universidade de São Paulo (USP), foram apresentados na revista acadêmica Scientific Reports.
Os experimentos foram feitos com uma linhagem de adenocarcinoma de próstata humano (PC-3). A turma de pesquisadores observou que o zika, mesmo sendo inativado por alta temperatura, é capaz de dificultar a multiplicação de células que formam tumores. “O próximo passo da investigação envolve os testes em animais e, caso os resultados sejam positivos, pretendemos buscar parcerias com empresas para viabilizar os ensaios clínicos”, explicou Catharino à Agência Fapesp.
Origem dos estudos
A pesquisa teve início em 2015, quando foi detectada a relação entre a epidemia de zika e o aumento nos casos de microcefalia nos estados do Nordeste brasileiro. Depois dos estudos confirmaram a capacidade do vírus zika infectar e destruir as células-mãe neurais (que dão origem aos diversos tipos de células cerebrais nos fetos), os pesquisadores passaram a testar o vírus em glioblastoma, tipo mais comum e agressivo de câncer do sistema nervoso central em adultos.
O grupo liderado por Catharino descobriu que referências de inflamação neurológica podiam ser encontradas na saliva de bebês nascidos com microcefalia, cujas mães foram reconhecidas com o vírus zika durante a gestação até pelo menos dois anos após o parto. “Isso mostrou que esse patógeno induz uma inflamação que perdura por muito tempo, mesmo após sua eliminação completa do organismo. Sem passar pelo processo de inativação, portanto, o vírus poderia trazer efeitos indesejáveis e não poderia ser usado como terapia”, acrescenta o professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp e coordenador do Laboratório Innovare de Biomarcadores.
A partir destas evidências, foi iniciado o teste após a inativação do agente para saber se o zika manteria a capacidade de destruir células tumorais. As experiências foram feitas com vírus obtidos a partir de amostras isoladas de um paciente infectado no Ceará no ano de 2015. Após desenvolvimento em laboratório, o vírus foi misturado a uma nanopartícula e aquecido a uma temperatura de 56º C durante uma hora. O procedimento visava impedir o seu potencial de provocar infecção.
A próxima etapa foi juntar células PC-3 (adenocarcinoma de próstata) em contato com o vírus inativo e, após 24 e 48 horas, fazer a comparação com outra comunidade de células tumorais não expostas ao zika. “Observamos um efeito citostático, de inibição da reprodução celular, seletivo para as células PC-3”, explica a pesquisadora Jeany Delafiori. “Na análise feita após 48 horas, a linhagem que ficou em contato com o vírus inativado apresentou um crescimento 50% menor que a linhagem controle”, destaca.
Alteração do metabolismo das células tumorais
Um espectrômetro de massas, equipamento que age como uma balança molecular permitindo separar e identificar elementos presentes em amostras biológicas de acordo com a massa, foi utilizado para descobrir como o vírus zika alterou o metabolismo das células tumorais. Na sequência, uma análise estatística multivariada conhecida como PLS-DA (análise discriminante por mínimos quadrados parciais, na sigla em inglês) revelou 21 fatores capazes de descrever de que forma o agente afeta o metabolismo da célula tumoral impedindo sua proliferação.
De acordo com os pesquisadores, além dos 21 marcadores ajudarem no entendimento das alterações bioquímicas comandadas pelo vírus, também pode ser peça-chave na busca de alvos para novos estudos.
O artigo assinado por Jeany Delafiori, Estela de Oliveira Lima, Mohamed Ziad Dabaja, Flávia Luísa Dias-Audibert, Diogo Noin de Oliveira, Carlos Fernando Odir Rodrigues Melo, Karen Noda Morishita, Geovana Manzan Sales, Ana Lucia Tasca Gois Ruiz, Gisele Goulart da Silva, Marcelo Lancellotti e Rodrigo Ramos Catharino está em inglês e pode ser acessado por meio do site da revista Scientific Reports.