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Pesquisa identifica que as rações têm mais frango (2 notícias)

Publicado em 09 de maio de 2019

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As rações para cães e gatos facilitam a vida dos tutores que procuram escolher o melhor alimento para os pets, na maioria das vezes, com base nas informações das embalagens dos produtos, como um belo filé de carne ou de salmão. Pesquisa do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena/USP) identificou que, a maioria dos produtos pode ter apenas o aromatizante dessas proteínas e ser feita de vísceras de frango e ter ainda milho e soja. A medida não é ilegal.

A legislação prevê o uso de aromatizantes pela Indústria de Ração, mas para o coordenador do estudo, o engenheiro agrônomo, Luiz Antonio Martinelli, essa prática leva o consumidor a erro na hora de escolher a ração ideal para o seu animal.

Em entrevista por e-mail, à Gazeta, um dos pesquisadores, Leonardo de Aro Galera, contou detalhes dos estudos que analisaram 61 amostras secas de 17 marcas e 21 amostras úmidas de oito marcas de rações para cães e 23 amostras secas de 18 marcas e 29 amostras úmidas de 10 marcas de rações para gatos. Os nomes das marcas não foram divulgados. Segundo ele, não há nenhum problema em se utilizar subprodutos de frigoríficos na composição de rações animais.

“Estes subprodutos podem sim fornecer as quantidades necessárias de nutrientes. Além disso, o uso deles evita a competição por alimento entre animais e humanos e é ambientalmente sustentável devido ao reaproveitamento. Os problemas são os relacionados à propaganda e às informações contidas nas embalagens das rações, onde se tem a indicação da utilização de ingredientes que, de fato, não estão presentes na sua composição, enquanto que a utilização de outros, menos nobres, é omitida, além da utilização de ingredientes de má qualidade, com baixa quantidade de nutrientes e baixa digestibilidade”.

A pesquisa sobre rações de cães teve início no final de 2016 e a sobre rações de gato no final de 2017, durante a disciplina sobre isótopos estáveis ministrada pelo professor Martinelli.

Acompanhe a entrevista.

Gazeta - Quais os métodos utilizados na pesquisa?

Leonardo Galera - “Nós conseguimos determinar a composição das amostras através da análise isotópica e posterior utilização de um modelo estatístico chamado MixSIAR. De forma geral, cada grupo de plantas e tipo de proteína animal apresenta uma composição característica de variantes leves e pesadas dos elementos carbono e nitrogênio. Nossa análise define a razão entre cada variante dos elementos de cada ração e seus ingredientes. Posteriormente os dados são incluídos no modelo que calcula a proporção de cada ingrediente em cada amostra. Todas as análises foram feitas no Laboratório de Ecologia Isotópica do Cena (LEI-CENA/USP)”.

Quais os produtos encontrados nas rações?

“Majoritariamente subprodutos de frango e milho. Ainda encontramos quantidades de grãos (soja, arroz, trigo) e de subprodutos bovinos (pequenas quantidades). As rações de gato possuem maiores quantidade de componentes de origem animal do que as de cães. Além disso, nas rações de gato são encontrados subprodutos de porco e de peixe (pequenas quantidades)”.

Os componentes identificados na pesquisa estão em acordo com o que está indicado nas embalagens?

Nem sempre, pois há uma recomendação de que os ingredientes sejam listados em ordem de quantidade nos rótulos, porém encontramos rações que listavam ingredientes nas primeiras colocações, mas na realidade continham quantidades insignificantes deles.

Além disso, a lei permite que rações sejam identificadas como sendo de carne, por exemplo, mesmo que contenham apenas um aromatizante. No artigo que estamos desenvolvendo no momento, encontramos rações que são identificadas como de cordeiro, mas não contêm cordeiro em quantidades significativas em sua composição.

Na pesquisa que atualmente estamos desenvolve ndo e resultará em um próximo artigo a ser publicado, encontramos rações identificadas como de salmão, porém que não possuem salmão. Também podemos citar rações que são anunciadas como sendo de carne e arroz, mas que não possuem nem carne, nem arroz, e sim frango e milho. Das sete rações úmidas de gato que listam salmão como primeiro ingrediente, apenas uma apresentou quantidades significativas deste constituinte na ração”.

Pelo que foi identificado nas pesquisas, as rações podem representar riscos à saúde dos pets? Quais?

“O cão é um carnívoro que, durante sua evolução, desenvolveu a habilidade de digerir carboidratos, apesar de haver uma discussão em aberto sobre isso na ciência. Na nova pesquisa que estamos desenvolvendo, iremos analisar além da composição, a digestibilidade de cada ração, ou seja, o quanto daquele alimento é aproveitado pelo animal. Então poderemos discutir com maior liberdade acerca da qualidade nutricional e absorção dos nutrientes provenientes destes ingredientes utilizados nas rações. Além disto, poderemos discutir sobre potenciais efeitos prejudiciais à saúde dos animais causadas pela má digestão e absorção dos nutrientes.

Em relação aos gatos, sabe-se que suas dietas devem conter menos de 10% de carboidratos (Hewson-hughes et al., 2011). Gatos não apresentam as quantidades necessárias de amilase (enzima que digere amido) na saliva e possuem o intestino delgado mais curto, o que limita a absorção de monossacarídeos. Desta forma, podemos sugerir que as rações que contém mais de 10% de carboidratos podem trazer dificuldades de digestão e possíveis problemas aos felinos. Este foi o caso de dois terços das rações de gato analisadas”.

A lei deixa a desejar?

Avaliamos que sim, principalmente na questão das embalagens, que dão muito espaço para propaganda e pouco espaço para a informação. Deveria ser mais clara a informação sobre a quantidade de cada ingrediente utilizado, para que o consumidor soubesse exatamente o que está oferecendo para seu animal. A lei permite que a embalagem mostre imagens de carne grelhada e vegetais nobres, mesmo que a ração contenha apenas um aromatizante de carne e milho moído. Acreditamos que isso induz o consumidor ao erro no momento da decisão de compra”.

Quais os estudos que terão continuidade referentes a essa pesquisa? Quando serão divulgados?

Conforme concluímos as análises e a escrita dos primeiros artigos, percebemos essas discrepâncias do que é comunicado ao consumidor e o que realmente é encontrado na composição das rações. Assim, tivemos a ideia de escrever um novo artigo, dessa vez focando nas marcas que dizem conter ingredientes nobres, como cordeiro, carne bovina, vegetais (abóbora, ervilha, etc), salmão, etc.

Neste estudo iremos relacionar e comparar o que é anunciado no rótulo, com seu preço e composição. Além disso, iremos realizar ensaios de digestibilidade. Este será o primeiro passo para a discussão quanto a qualidade nutricional. Também pretendemos avaliar o perfil de ácidos graxos, e assim por diante. Brasil tem a quarta maior população de animais de estimação do mundo

Dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação informam que o Brasil é o quarto maior país do mundo em população de cães e gatos e que a indústria de ração movimentou R$ 58 bilhões em 2017. Há 132,4 milhões de animais domésticos no país, sendo 52,2 milhões de cães e 22,1 milhões de gatos. Os demais são aves, peixes e outros.

À revista Pesquisa Fapesp, em reportagem sobre a pesquisa do Cena, a entidade ressaltou que “todas as marcas sob sua representação seguem a legislação brasileira à risca e atendem às normas da comunidade veterinária. A mistura de insumos usados na fabricação das rações segue diretrizes de estudos internacionais”.