A técnica possibilita avaliar a eficiência de novas moléculas em tempo real na bactéria
Uma ferramenta baseada na transferência de energia luminescente (BRET da sigla em inglês) foi testada pela primeira vez em bactérias, com sucesso. A vantagem do BRET é rastrear onde, como e com que eficiência potenciais novos medicamentos se ligam em proteínas-alvo em tempo real na bactéria viva. Este processo abrevia as etapas mais convencionais de descoberta de fármacos e acelera a busca por novos compostos de ação antibiótica. A pesquisa publicada ontem (11) na revista ACS Infectious Disease foi liderada pelos pesquisadores do Centro de Química Medicinal (CQMED) em parceria com pesquisadores do Canadá. O CQMED é apoiado pela FAPESP.
Para ser efetivo, um antibiótico precisa vencer inúmeros obstáculos na bactéria. A começar pelas membranas externas que funcionam como barreiras. Além disso, há bombas de efluxo que forçam a saída de agentes antimicrobianos e enzimas modificadoras de antibióticos, atuando como mecanismos de defesa das bactérias. “Por estas razões, encontrar compostos que driblem todas essas barreiras e que também sejam seguros para o hospedeiro humano está longe de ser trivial”, explica Rafael Couñago, pesquisador principal do CQMED e autor do estudo.
As duas principais estratégias para identificar e desenvolver novos antimicrobianos são basicamente o ensaio bioquímico e o ensaio celular. No primeiro, o composto antimicrobiano é testado apenas com a proteína-alvo purificada da bactéria para verificar se há interação. A segunda estratégia é aplicar o composto na bactéria e checar se ele é capaz de matá-la.
Ambas as abordagens têm pontos fracos. O ensaio bioquímico não garante que o composto terá o mesmo comportamento na célula “A potência in vitro do composto nem sempre se relaciona com a atividade celular”, explica Rebeka Fanti, autora do estudo e que desenvolveu a pesquisa no CQMED durante sua dissertação de mestrado no Programa de Genética e Biologia Molecular da Unicamp.
Já o ensaio celular não deixa claro qual foi o mecanismo de ação na bactéria, o que prejudica os aprimoramentos do composto. “É muito difícil você saber que alvo o composto está atingindo”, explica Couñago.
Técnica
A técnica BRET (bioluminescence resonance energy transfer) é baseada na troca de energia em forma de bioluminescência. Esta tecnologia foi criada em 1999 e, desde então, tem sido utilizada para diversas aplicações. “O interessante deste método é que conseguimos avaliar a interação de uma proteína-alvo com um candidato a fármaco na célula bacteriana viva”, explica Fanti. A novidade abriu um novo horizonte de estudos em química medicinal, permitindo o estudo sobretudo no chamado ensaio de engajamento, que avalia o comportamento de pequenas moléculas na célula.
Entretanto, até então, o método só havia sido testado em células de mamíferos cultivadas em laboratório. Neste estudo, os pesquisadores testaram em dois patógenos humanos Escherichia coli, que pode causar infecções urinárias graves, e Mycobacterium abscessus, responsável por infecções em diversos tecidos, incluindo pulmões e pele.
Este estudo é particularmente importante para impulsionar o desenvolvimento de novos antibióticos e lidar com a crescente ameaça de resistência aos antibióticos dentre bactérias patogênicas. “O surgimento de resistência antimicrobiana supera em muito a nossa capacidade atual de descobrir, desenvolver e aprovar novos antimicrobianos, especialmente aqueles direcionados a patógenos Gram-negativos e às micobactérias”, explica Couñago.
O Relatório anual da Organização Mundial da Saúde (OMS) que analisa o estágio de desenvolvimento de novos agentes antibacterianos aponta que o tempo médio de progressão de um novo fármaco candidato a antibiótico do estágio pré-clínico para o clínico é de 10 a 15 anos. Apenas um em cada 15 candidatos a medicamentos chegará aos pacientes. No caso de antibióticos totalmente novos, este número é de um para 30. As barreiras ao desenvolvimento de novos produtos incluem o longo caminho para aprovação, alto custo e baixas taxas de sucesso.