Um grupo de pesquisa do Institut Pasteur de São Paulo (IPSP) vai investigar os grupos virais presentes em morcegos da Mata Atlântica. O objetivo é conhecer a diversidade de vírus existentes nesses animais e, depois, buscar responder qual o potencial desses agentes de contaminar outros mamíferos ou mesmo seres humanos.
Liderado pelo pesquisador do IPSP Luiz Gustavo Góes, o projeto tem previsão de durar quatro anos e está sediado na Cidade Universitária da Universidade de São Paulo (USP), em São Paulo. O projeto conta com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do Institut Pasteur de Paris. O IPSP é uma instituição formada pela fundação francesa e pela USP.
A escolha do animal está relacionada com o histórico dele no surgimento de vírus com contaminação em seres humanos. Na comunidade científica, as pesquisas sobre essa interação começaram a render frutos a partir da década de 1990.
Em 2002, houve o primeiro surto de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), que começou na China. Mais tarde, pesquisadores descobriram que o vírus Sars-Cov, parente do Sars-Cov-2, tinha origem em morcegos. No caso do Sars-Cov-2, vírus que deu origem à pandemia de 2020, essa relação com os morcegos não foi comprovada, destaca Góes.
Ele destaca, entretanto, a necessidade de não estigmatizar esses mamíferos voadores. Os morcegos têm grande importância ecológica e atuam no controle de insetos, o que diminuiu a exposição de seres humanos a vetores de doenças. Também se alimentam de animais considerados praga para a agricultura, o que diminui a necessidade de pesticidas.
As espécies que se alimentam de néctar ou de frutas têm papel fundamental como polinizadores e dispersores de sementes.
O pesquisador já trabalhou em estudos anteriores que tratavam da relação entre esses animais e vírus com potencial de infectar humanos, como em seu pós-doutorado. No trabalho, ele e outros colegas sugeriram que morcegos são um reservatório subestimado de arenavírus. Esses agentes podem causar uma grave síndrome febril hemorrágica em humanos.
Algumas características podem aumentar a predisposição de determinada região de se tornar origem de doenças emergentes. Algumas delas são presença de floresta úmida, desflorestamento, urbanização e aumento de contato entre humanos e animais silvestres.
“Quando a gente olha todos esses fatores, o Brasil é classificado como uma região potencial para o surgimento de doenças emergentes”, conta Góes.
A Mata Atlântica, por sua vez, estão localizados alguns dos Estados mais urbanizados do País, São Paulo e Rio de Janeiro. Além disso, há agricultura e pecuária intensiva nas proximidades.
O bioma conta com grande diversidade. São 117 espécies de morcegos apenas na Mata Atlântica. “Cada espécie de morcego é um potencial reservatório de um vírus que a gente conhece ou não”, explica o pesquisador. “Então, é muito importante conhecer essa diversidade”, conclui.
A pesquisa irá focar em quatro grupos diferentes de vírus:
Coronavírus: dada a relevância de seu representante Sars-Cov-2, o coronavírus não poderia ficar de fora.
Hantavírus: costuma ser transmitido para seres humanos de roedores, mas há indícios de que morcegos podem abrigar o grupo. Nesse caso, o objeto da pesquisa é responder se os morcegos brasileiros são hospedeiros de hantavírus e, se sim, em qual profundidade e com qual diversidade.
Arenavírus: no Brasil, o grupo tem relevância por conta do vírus Sabiá que provoca hemorragia.
Paramixovírus: um dos representantes é responsável por provocar encefalite grave da Austrália e da Ásia. A ideia é verificar se existe algo parecido com isso na Mata Atlântica.
Captura de morcegos
A pesquisa irá coletar os morcegos de duas formas diferentes. Uma delas será em diferentes áreas florestais no município de São Paulo, além das proximidades de fazendas com gado e plantações e locais de interface entre área urbana e florestal.
A própria equipe irá fazer a captura e, no mesmo momento, coletar amostras da saliva e das fezes do morcego com swab (espécie de cotonete grande). Logo em seguida, o animal é liberado.
A segunda forma de coletar os animais é a partir de parcerias com centros de controle de zoonoses da cidade de São Paulo, que recebem morcegos de diferentes municípios para o diagnóstico da raiva.
Com isso, os pesquisadores poderão levar sua análise um passo adiante por terem acesso a diferentes órgãos, como intestino, pulmão, rins, baço, fígado. Para realizar o diagnóstico de raiva é necessário matar o animal para extrair o conteúdo do cérebro. A ideia é que o não utilizado pelos centros centros de zoonose seja enviado para o laboratório na Cidade Universitária.
Segundo Góes, vírus diferentes têm propensão de infectar órgãos diferentes. Obter acesso a diversos tecidos de morcegos irá viabilizar a busca por vírus emergentes.
O grupo irá analisar o material genético coletado e comparar com o que já existe na literatura e no banco mundial de dados genéticos para verificar se é um vírus novo. Se necessário, os pesquisadores irão fazer as primeiras análises para observar se o vírus tem potencial de infectar outros animais, como seres humanos.
“É um passo inicial para se conhecer o potencial zoonótico desses agentes e tentar traçar se existe um risco de emergência”, diz o pesquisador.
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