Considerada uma das 17 doenças tropicais negligenciadas (DTNs) no mundo, a esquistossomose ainda é um importante problema de saúde pública no Brasil. No entanto, o único medicamento usado no tratamento foi descoberto há mais de 40 anos. Uma pesquisa publicada na revista Nature Communications no dia 26/10 mostra um caminho para o desenvolvimento de novas terapias e até mesmo de uma vacina contra essa parasitose.
A doença:
Estima-se que essa doença parasitária afete cerca de 200 milhões de pessoas no mundo, sendo quase metade crianças. Por ano, são aproximadamente 200 mil mortes.
No Brasil, a esquistossomose está presente em 18 Estados e no Distrito Federal — oito têm transmissão endêmica. Entre 2009 e 2019, o país registrou 423.117 casos da doença, segundo o último boletim do Ministério da Saúde divulgado em março deste ano.
Popularmente conhecida como “barriga-d’água” ou “mal do caramujo”, a doença está diretamente relacionada ao saneamento precário — a pessoa é infectada quando entra em contato com água doce em que existam caramujos contaminados pelo Schistosoma.
O ciclo da transmissão da esquistossomose começa quando um indivíduo já doente elimina ovos do parasita por meio das fezes e da urina, que vão parar em um ambiente de água não tratada. Os ovos eclodem e liberam larvas, contaminando assim caramujos de água doce, chamados de hospedeiros intermediários.
Neles, as larvas maturam e se multiplicam. Após quatro semanas, são eliminadas novamente na água na forma de cercárias, podendo sobreviver por até 48 horas. Se algum ser humano andar descalço ou nadar nessa água, as cercárias penetram ativamente na pele por meio de enzimas que há em sua cabeça.
Após penetrar no ser humano, elas se desenvolvem e passam ao estágio de esquistossômulo, quando são capazes de migrar pela corrente sanguínea e linfática e chegar aos pulmões e coração. Depois, como vermes adultos, se instalam dentro das veias dos intestinos, onde as fêmeas depositam cerca de 300 ovos por dia. Esses ovos são levados pela corrente sanguínea para o fígado, causando lesões. Alguns passam para as fezes.
O diagnóstico é feito por meio de exames laboratoriais das fezes. Já o tratamento para os casos simples é em dose única supervisionada e feito por meio de um medicamento chamado praziquantel, descoberto no início dos anos 1980 e distribuído pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A pesquisa:
Um grupo que envolve cientistas do Instituto Butantan, da Universidade de São Paulo (USP) e de instituições internacionais descobriu o mecanismo pelo qual o macaco rhesus (Macaca mulatta) desenvolve naturalmente uma resposta imune duradoura contra a esquistossomose. Essa resposta leva à autocura da doença após um primeiro contato com o parasita Schistosoma mansoni e, além disso, possibilita que o organismo do animal reaja com mais rapidez a uma segunda infecção.
O trabalho, que recebeu apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), identificou nove genes da via de autofagia do parasita (processo que dá origem à degradação de componentes da própria célula) inibidos pela defesa imune do primata, impedindo que o Schistosoma se multiplique e contamine o hospedeiro.
Segundo Murilo Sena, pesquisador do Laboratório Butantan e autor do artigo, “a via de autofagia, executada por meio dos lisossomos, que fazem a ‘limpeza’ das células, é afetada no parasita pelos anticorpos do macaco. Essa via é importante para a fisiologia basal do Schistosoma mansoni, e não havia sido demonstrado seu envolvimento na autocura. Pelo contrário, foi pouco estudada até agora”, conta.
O professor da USP e cientista do Butantan Sergio Verjovski-Almeida, coordenador do estudo, destaca que a autofagia é uma importante via de remodelamento dos tecidos do parasita durante seu ciclo de vida, principalmente quando este passa do estágio de cercárias para a fase adulta.
Outro ponto destacado por Verjovski-Almeida no trabalho foi o acompanhamento dos macacos entre a cura e o chamado segundo desafio, realizado 42 semanas após a primeira infecção, que mostrou a resistência dos primatas à reinfecção, eliminando de forma mais rápida o Schistosoma mansoni.
Em humanos, a esquistossomose tem cura quando o diagnóstico é feito na fase inicial da doença, eliminando o parasita do organismo e evitando o surgimento de complicações, como o aumento do fígado e do baço, além de anemia. No entanto, a pessoa não adquire imunidade como o macaco rhesus, podendo ser infectada novamente.
Passos futuros:
Segundo o professor Verjovski-Almeida, o grupo está agora trabalhando na identificação dos alvos dos anticorpos. “Olhamos o fenótipo, ou seja, a consequência dos anticorpos que alteraram a expressão de genes da via. Agora, o próximo passo é verificar se esses e outros genes são alvos específicos”, conta.
A partir da identificação desses alvos, a ideia é testá-los como candidatos à vacina.
Fonte: https://noticias.r7.com/saude/pesquisa-em-macaco-abre-caminho-de-vacina-contra-esquistossomose-26102021
Por: Maria Eduarda Tavares de Lima