Uma perspectiva para o futuro – e um futuro relativamente próximo é que, com um único dispositivo, como o telefone celular, por exemplo, possamos controlar as múltiplas funções do dia a dia: acender e apagar as luzes, ligar e desligar televisores, pagar compras no supermercado, passar na catraca do metrô etc. Ocenário, que pouco tem de ficção e muito de ciência, foi esboçado informalmentepelo físico José Arana Varela, professor titular da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara, e diretor-presidente da FAPESP, durante um dos intervalos da 6th International Conference on Electroceramics (6a Conferência Internacional em Eletrocerâmica), realizada de 9 a 13 de novembro em João Pessoa, na Paraíba. “A memória será o fator central. Conectada a diferentes circuitos, uma única memória poderá realizar múltiplas funções. E essa memória será composta de material eletrocerâmico”, disse Varela.
As apresentações feitas durante o evento autorizam o prognóstico, pois mostram que as pesquisas estão bastante avançadas na área.
A International Conference on Electroceramics foi criada pelo professor Harry Tuller, do Mas. sachusetts Institute ofTechnology (MIT),dos Estados Unidos, em 2003. A primeira reunião foi no próprio MIT e, a partir de então, passou a ocorrer todos os anos ímpares. Depois dos Estados Unidos, já foi realizada na Coreia do Sul, na Tanzânia, na índia, na Austrália e, agora, no Brasil. A instituição promotora do encontro de João Pessoa foi a Sociedade Brasileira de Pesquisa de Materiais, com o apoio da FAPESP, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A coordenação do evento ficou a cargo de Reginaldo Muccillo, pesquisador do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), de José Arana Varela e de José Antonio Eiras, professor associado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). ”Trouxemos a João Pessoa cerca de 60 pesquisadores de altíssimo nível dos Estados Unidos, da Europa, da China, do Canadá, da Austrália, da índia e de outras procedências, criando uma ótima oportunidade de interação para os pesquisadores e estudantes brasileiros”, afirmou Muccillo.
Além de Harry Tuller, outros destaques do evento foram as presenças de Sossina Haile, do California Institute of Technology (Caltech), dos Estados Unidos; Ramamoorthy Ramesh, da University of California-Berkeley, também dos EUA; Augusti Sin Xicola, da Pirelli&C Eco Technology, da Itália; e Enrico Traversa, da King Abdullah University of Science and Technology, da Arábia Saudita. Os temas tratados são novos e o próprio conceito de eletrocerâmica é algo muito recente. “As cerâmicas vêm sendo utilizadas pela humanidade há milhares de anos. São materiais extremamente estáveis e resistentes ao calor e há muitas funções que são capazes de cumprir por causa de suas características químicas, mecânicas e térmicas”, afirmou Tuller à Agência FAPESP.
“Mas, até os últimos 50 anos, ninguém se importava com suas características elétricas. Esse interesse foi despertado pelo desenvolvimento das indústrias eletrônica e microeletrônica.” “As pessoas envolvidas nessas indústrias perceberam que necessitavam de certas características que não podiam ser atendidas pelas cerâmicas convencionais. Foi a partir daí que ocorreu o desenvolvimento das eletrocerâmicas não apenas para a fabricação de equipamentos eletrônicos standards, mas também, e cada vez mais, para cumprir muitas outras funções”, acrescentou o pesquisador do MIT.
“A peculiaridade das eletrocerâmicas é que elas respondem, de alguma maneira, à presença de um campo eletromagnético, apresentando variações na resistividade elétrica, na permeabilidade magnética ou em outros parâmetros elétricos ou magnéticos”, explicou Muccillo. Essa classificação engloba principalmente óxidos semicondutores de elementos metálicos, como o zircônio, o estanho, o cério e outros. “Por suas características, eles podem ser utilizados como sensores (pois, dependendo’ das variações de concentração de um determinado gás na superfície do óxido, este tem sua resistividade elétrica proporcionalmente modificada, de modo que, pelo valor da resistividade, se torna possível determinar a concentração do gás, mesmo quando extremamente pequena), na produção alternativa de energia (em células fotovoltaicas, que convertem a luz em eletricidade, ou em células a combustível), na fabricação de memórias Ierroelétricas (já utilizadas, atualmente, em smartcards)”, prosseguiu o pesquisador do Ipen. “A evolução no setor tem sido aceleradíssima.
A eletrocerâmica que conhecemos hoje é muito diferente daquela de 10 anos atrás, quando foi realizada a primeira Intemational Conference on Electroceramics. Falamos agoraemtecnologias embarcadas – embarcadas em cima do chip de silício, agregando-lhe novas funcionalidades”, comentou Varela.