Notícia

Gazeta Mercantil

Pesquisa e o crescimento econômico

Publicado em 20 outubro 2006

É preciso que investimento em conhecimento seja uma política de Estado. A idéia de que a inovação é um elemento fundamental do desenvolvimento econômico e de que a empresa é o lugar privilegiado de sua materialização não é nova nos países industrializados. No Brasil, em que pese a importância de seu parque de produção de bens e serviços, esta é uma concepção ainda incipiente, mesmo que já tenhamos alguns ótimos e impactantes resultados atestados pela nossa indústria aeronáutica, pelo sucesso do agronegócio e indústria do petróleo, para citar alguns.

A política nacional para a ciência e tecnologia esteve, até há pouco (digamos, até 1998), baseada no fundamento equivocado de que o lugar da inovação era a universidade, não a indústria - ou de que a universidade poderia substituir a atividade de pesquisa e desenvolvimento na empresa.

Já na segunda metade do século XIX a nascente indústria química alemã compreendeu que para o desenvolvimento de seus negócios e a manutenção de sua competitividade era necessário que a empresa tivesse capacidade de invenção própria. O Estado alemão percebeu também que precisava garantir o direito de propriedade intelectual àqueles capazes de terem idéias, e unificou e fortaleceu sua lei de patentes em 1877. O respeito à propriedade intelectual e a percepção da empresa da importância do conhecimento levou ao nascimento dos primeiros grandes laboratórios industriais.

Na mesma época, na América, Thomas Edison e Alexander Graham Bell começavam a criar, com suas invenções, o que viria a ser a moderna indústria eletrônica. No final do século XIX, com muitas das importantes patentes de Edison expirando, a General Electric, criada por Edison, percebeu que precisava profissionalizar e intensificar seu esforço de criação de idéias e conhecimento: em 1900, inaugurou o General Electric Research Laboratory em Schenectady, Estado de Nova York, nos EUA. Hoje a equipe de cientistas e engenheiros do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da GE tem 1.130 pessoas. O "filhote" de Bell demorou um pouco mais a florescer - no dia de ano novo de 1925 foram inaugurados em Manhattan os Laboratórios Bell, outra usina de idéias e invenções que mudou o mundo: ali foi inventado o transistor em 1948. Matéria recente da Bussiness Week destacou que em 2004 a humanidade produziu mais transistores do que grãos de arroz - "se non é vero, é bene trovato".

Pode-se perguntar o que fazia a universidade desses países, de tão larga tradição na investigação científica e tecnológica, para que a primazia desses inventos - ou seja, a capacidade de inovar - estivesse na indústria. A resposta vale tanto para o século XIX quanto para o XXI: a universidade continuava (e continua) sendo responsável pela formação das pessoas que, na indústria ou fora dela, vão gerar as tecnologias que resultarão em desenvolvimento, inovação, abundância e bem-estar para as sociedades. Para consolidar a qualidade dessa boa formação, a universidade pesquisa, gera conhecimento novo e, na teia de suas relações sociais, interage com a indústria e com a sociedade.

À universidade cabe certamente desenvolver ciência e tecnologia, não raro em parceria com a indústria, mas seu papel principal é o de formar pessoas qualificadas que mais adiante vão gerar o conhecimento necessário para que a inovação se produza. Finalmente, o fato relevante dessa mudança foi a entrada em cena de um terceiro ator - indispensável em todos os países de capacidade inovativa - que é o governo com uma política facilitadora que vá dos incentivos fiscais ao uso do poder de compra do Estado para viabilizar projetos de pesquisa e desenvolvimento no interior das empresas. O apoio estatal tem-se revelado, nesses países, um círculo virtuoso em que cada dólar investido pelo estado em P&D empresarial corresponde, em geral, a outros US$ 9 aplicados pela empresa. No Brasil não deverá ser diferente.

No momento, há expectativa positiva no País em torno de iniciativas para se estimular a P&D em empresas. A criação dos Fundos Setoriais, no segundo governo FHC, a Lei de Inovação enviada ao Congresso por aquele governo em 2002 e aprovada já no governo Lula, as regulamentações que vieram em conseqüência, e o recente envolvimento do BNDES no apoio à P&D em empresas, indicam motivos para algum otimismo. Em São Paulo temos visto enorme interesse do setor industrial por condições favoráveis para intensificarem suas atividades de P&D. A Fapesp tem aprovado semanalmente uma proposta de apoio à pesquisa em pequenas empresas, ao mesmo tempo em que tem organizado com empresas grandes e médias chamadas de propostas conjuntas, para co-financiarem projetos de pesquisa inovadora. Mesmo assim, cabe certa cautela, visto que outras nações tem se movido neste campo com agilidade bem superior à nossa, além de enfrentarmos as dificuldades causadas pelo ambiente macroeconômico hostil a investimentos de retorno em prazo longo.

O consenso que aos poucos se consolida é capaz de levar a empresa a investir no conhecimento para aumentar sua competitividade. Isso dará ainda maior sentido ao papel formador e criador da universidade. Também tende a instar o estado a cumprir sua função de criar um ambiente propício à geração e à disseminação do conhecimento, bem como a sua aplicação na produção e no desenvolvimento.

É preciso, entretanto, que essa entre a empresa, a universidade e o Estado leve a políticas de Estado, e não de governos que se sucedem.

(Carlos Henrique de Brito Cruz - Diretor Científico da Fapesp. Próximo artigo do autor será publicado em 3 de novembro)