Um material vitrocerâmico capaz de devolver o volume perdido do globo ocular de pessoas portadoras de doenças como tumor, trauma ou glaucoma. Trata-se de uma tecnologia desenvolvida por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) no Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV) da UFSCar.
Segundo a UFSCar, a tecnologia foi patenteada e possibilitará a realização de cirurgias preservando maior quantidade de tecido ocular necessário para o ser humano.
O material foi desenvolvido pelos pesquisadores Oscar Peitl Filho e Edgar Dutra Zanotto, do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, e Silvana Artioli Schellini e Simone Milani Brandão, da Unesp. Zanotto é o coordenador do Centro de Pesquisa, Educação e Inovação em Materiais Vítreos (CeRTEV), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.
Quando, por algum motivo de saúde, o conteúdo ocular é retirado de uma pessoa, sua visão é completamente perdida. Não é possível realizar intervenções para que o paciente volte a enxergar, mas é necessário substituir o volume do globo ocular afetado por um implante, preservando o convívio social do paciente sem o constrangimento de outras pessoas perceberem a cirurgia ou o uso da prótese.
No caso da nova tecnologia, uma das principais características é ser um material integrável, ou seja, capaz de criar adesão ao tecido macio do paciente e, com isso, oferecer menos risco de perda e deslocamento do implante intraocular. A adesão de uma cerâmica cristalina sintética aos tecidos moles (cartilaginosos) ainda não era possível até o surgimento desse material, denominado biosilicato.
A patente começou a ser pensada há cerca de oito anos, quando o grupo de pesquisa do Laboratório de Materiais Vítreos da UFSCar foi procurado por Brandão. Na ocasião, os pesquisadores desenvolveram geometria cônica para prótese ocular com dimensão proporcional ao globo ocular de um coelho, diferente do que existe atualmente, aplicando testes em 60 animais.
Os coelhos foram acompanhados por cerca de 180 dias para a verificação de adesão, estudo morfológico e celular da face com o implante e estudo sistêmico com a coleta de sangue durante os ensaios, além dos riscos de infecção, inflamação e análises patológicas. A pesquisa comprovou que o biomaterial adere aos tecidos macios, sem a ocorrência de extrusões ou problemas sistêmicos.
A partir dos resultados, foi desenvolvida uma prótese ocular para reposição do volume do globo ocular em face da retirada de tumores. A proposta de associar em uma prótese melhor adaptação cirúrgica, geometria compatível com o globo ocular humano (cônica em vez de esférica) e adesão singular aos tecidos oculares – em uma tecnologia nacional – resultou em um design inovador, sugerindo nova abordagem na área da oftalmologia.
Entre o tempo de confecção da prótese e a realização do procedimento cirúrgico – com coleta de pacientes, submissão em conselho de ética e aplicação dos testes – foram cerca de dois anos de pesquisa, além dos seis meses iniciais para a definição dos moldes, e mais um ano para a confecção e produção da primeira prótese com dimensões adequadas ao olho humano.
Os testes foram feitos nos hospitais universitários da Unesp, em Botucatu, e da Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, em 40 pacientes cegos, com o implante de prótese sólida e cônica, de geometria e peso proporcionais, e canais que servem de melhor ancoragem e adesão de tecidos, comprovando sua eficácia.
Segundo Peitl, pesquisador responsável pela tecnologia, atualmente a prótese mais utilizada para a substituição de olhos humanos é esférica, confeccionada com material plástico poroso (importado), cuja adesão permite que parte do tecido cresça dentro dos “poros”, fixando-a no corpo. As próteses oculares inertes e plásticas que não têm resposta bioativa se mantêm na posição, criando uma cápsula fibrosa.
Peitl explica que o organismo tem duas maneiras de responder a esse procedimento: “Necrosando o tecido daquela região, quando entende que o material é uma ameaça ao corpo humano, ou simplesmente encapsulando-o, quando entende que o material não faz mal e pode ser absorvido”.
Para a nova tecnologia, os pesquisadores desenvolveram canais ao longo da prótese cônica, com o objetivo de diminuir o peso, para obter melhor resposta biológica e aumentar a área de contato do implante com o hospedeiro e, assim, a adesividade entre eles.
Os pesquisadores tinham grande expectativa com relação ao desenvolvimento da prótese, mas os resultados superaram a viabilidade porque a aplicação não apresentou nenhum problema técnico. Além disso, Peitl ressalta que o design da prótese, com canais e geometria que contribuem para que o organismo não a recuse, foi o principal diferencial da tecnologia.
“Não tínhamos ideia do que íamos desenvolver quando começamos a falar em olhos humanos, mas havia a necessidade de um design diferenciado e essa foi a nossa proposta. Buscar soluções com equipe multidisciplinar tornou o nosso resultado fantástico, pois um profissional isolado não resolve problemas sozinho”, disse em comunicado da UFSCar.
O grupo aguarda o interesse de empresas que possam produzir a tecnologia em escala industrial, principalmente para pacientes do SUS, sendo também uma opção para o sistema de saúde privada com diferencial inovador e sem concorrentes no mercado.