Comportamento é considerado raro em peixes; vídeos e fotos mostram a ação.
Uma pesquisa realizada em parceria com instituições brasileiras e americanas comprovou que uma das espécies de peixes-elétricos amazônicos, famosa por dar as maiores descargas elétricas já registradas no mundo animal, também é capaz de se reunir em grupos para caçar. A descoberta, publicada recentemente na revista Ecology and Evolution, retrata de um comportamento raro para peixes e reforça a ideia de que essa espécie possa ser tão sociável quanto mamíferos, como golfinhos e lobos.
A primeira observação desse comportamento ocorreu em 2012, na Estação Ecológica da Terra do Meio, na Amazônia. Na situação, o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Douglas Bastos, se deparou com uma grande concentração desses peixes-elétricos (chamados popularmente de poraquês) na entrada de um lago. Segundo ele, grupos de cinco a dez indivíduos da espécie cercavam pequenos cardumes de piabas ou lambaris na parte rasa, com menos de um metro de profundidade, e emitiam as descargas elétricas.
“As presas saltavam e, ao caírem na água novamente ou em cima dos poraquês, eram atingidas e ficavam atordoadas/paralisadas pelas fortes descargas elétricas (de até 860 volts), sendo engolidas facilmente pelos poraquês que estavam neste pequeno grupo”, explica o pesquisador. O comportamento inédito para a espécie, estimulou Douglas a desenvolver o doutorado na área e, em 2014, repetiu a observação do fenômeno, fato que lhe rendeu o estudo recentemente publicado.
A pesquisa, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Smithsonian’s Global Genome Initiative, National Geographic Society e FAPESP, sugere que o agrupamento de poraquês seja uma estratégia para capturar presas abundantes que formam grandes cardumes para se defender do ataque de predadores. O estudo também reforça a necessidade da proteção a esses peixes, constantemente ameaçados pela perda e degradação ambiental, e cujo comportamento tão raro só pôde ser avistado dentro de uma Unidade de Conservação.
Um peixe de descobertas chocantes
Não é a primeira vez que o poraquê se torna símbolo de um achado surpreendente. Ele, inclusive foi o precursor da ideia da criação da pilha (bateria elétrica), em 1800, por conta da constituição de suas células elétricas. Mas, desde então permaneceu propagando o legado. “Atualmente, ele continua sendo um animal modelo para diversos estudos: criação de novas fontes de energia (células de hidrogel), criação de robôs autônomos (eletrolocalização) e desenvolvimento de fármacos para doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, utilizando o neurotransmissor (acetilcolina) que é abundante em suas células”, destaca Douglas Bastos.
No campo das descobertas, Bastos inclusive, fez parte do grupo liderado por Carlos David de Santana, pesquisador associado do National Museum of Natural History, da Smithsonian Institution, em Washington que descreveu em 2019 duas novas espécies de poraquê. Uma delas foi justamente a identificada realizando a predação em grupo e o time de pesquisadores acredita que outras mais possam ter o mesmo comportamento. A busca por esse potencial de atuação dos poraquês agora depende também da participação de pessoas que já viram ou registraram comportamentos como esses em campo e que possam contribuir através do projeto de ciência cidadã.
Além do auxílio da população, o pesquisador ainda sinaliza futuras etapas do estudo: “testaremos, por exemplo, a hipótese de família. Através de análises moleculares é possível determinar o grau de parentesco dos indivíduos do grupo. Os exemplares capturados serão marcados e rastreados para entender com que frequência eles participam do evento. Além disso, as gravações do sinal elétrico durante o evento comportamental podem elucidar questões sobre o papel da eletrocomunicação na organização da caça em grupo”.