Pesquisadores brasileiros e norte-americanos realizaram um estudo que estabelece uma conexão entre o aumento do tamanho do cérebro (macrocefalia) e a gravidade dos sintomas sociais e de comunicação em crianças diagnosticadas com autismo. Os achados foram divulgados na revista Molecular Autism.
A pesquisa analisou imagens cerebrais de mais de 900 crianças com transtorno do espectro autista (TEA) e se baseou em um trabalho anterior de 2017, além de novos experimentos com minicérebros – organoides gerados em laboratório a partir de células sanguíneas transformadas em neurônios das crianças participantes do estudo inicial. Tanto no estudo prévio quanto nas novas investigações, uma correlação entre macrocefalia e a gravidade dos sintomas foi constatada.
Conforme o artigo publicado, os minicérebros obtidos de crianças com sintomas mais graves apresentaram um aumento de até 41% em comparação com os do grupo controle.
“ Não é toda criança com TEA e sintomas severos [graves] que vai apresentar alteração no tamanho do cérebro. Porém, quando há macrocefalia, há maior severidade dos sintomas “, declara Mirian Hayashi, professora do departamento de farmacologia na Escola Paulista de Medicina da Unifesp e uma das autoras principais do estudo.
A diferença no tamanho cerebral observada nas crianças envolvidas no estudo parece estar associada a alterações na atividade da enzima Ndel1. O grupo da Unifesp já havia identificado fenômenos semelhantes em crianças com microcefalia causadas pelo vírus zika.
Essa proteína está relacionada a diversos transtornos neurológicos, como esquizofrenia e transtorno bipolar, e desempenha um papel crucial no processo de migração dos neurônios durante o desenvolvimento cerebral nas fases embrionárias.
Os pesquisadores ressaltam que, embora os sintomas sociais e de comunicação sejam típicos entre os indivíduos no espectro autista, a intensidade deles varia. Apesar de o mecanismo biológico para a gravidade dos sintomas ainda ser uma incógnita, os resultados desta pesquisa oferecem novas perspectivas para o entendimento do TEA.
Os investigadores conduziram o trabalho em duas etapas. A primeira envolveu uma análise de imagens cerebrais e informações diagnósticas de mais de 900 crianças com TEA, parte de um estudo coordenado por Eric Courchesne, médico do Centro de Excelência em Autismo da Universidade da Califórnia em San Diego, EUA.
Na segunda etapa, estudos com minicérebros desenvolvidos no laboratório de Alysson Muotri, também da Universidade da Califórnia, possibilitaram a identificação de questões relacionadas à migração celular e à formação de neurônios, que já se manifestam durante o desenvolvimento cerebral e podem afetar o tamanho do cérebro.
Os pesquisadores identificaram que a proteína Ndel1 é significativa em casos de macrocefalia em crianças com TEA.
“Já se sabia que os neurônios de pessoas com autismo apresentavam alterações. As análises nos minicérebros confirmaram que, sobretudo nos casos de macrocefalia, ocorre um aumento no número de progenitores neurais [células que dão origem aos neurônios]. Nossa análise mostrou que possivelmente o cérebro é maior devido a esse número elevado de progenitores celulares que não conseguem se diferenciar durante a embriogênese”, explica João Nani, que participou das análises no Departamento de Medicina Molecular e Celular da Universidade da Califórnia com o apoio de instituições de fomento.
Os especialistas observaram que muitas células neurais não desempenhavam suas funções adequadamente e não formavam sinapses como o esperado. “Importa mais o número de conexões que a quantidade de neurônios. Por isso, tanto ter mais neurônios [no caso da macrocefalia] quanto menos [na microcefalia] são prejudiciais”, aponta Nani.
Além disso, os pesquisadores avaliaram a atividade e a expressão da enzima Ndel1 nos minicérebros, encontrando um desequilíbrio em casos de macrocefalia.
“A Ndel1 é uma enzima associada ao processo de divisão celular e de diferenciação dos neurônios. É claro que são processos que envolvem várias outras proteínas, mas muito provavelmente, nos casos de macrocefalia, esse sistema todo está desequilibrado e a Ndel1 pode ser um biomarcador de uma alteração. Verificamos que esse desequilíbrio pode levar tanto ao aumento como à diminuição do cérebro. Porém, nos casos que avaliamos, os minicérebros oriundos de células mononucleares do sangue periférico de crianças com autismo e severidade de sintomas de comunicação e sociais estavam aumentados”, conclui Nani.
O grupo de pesquisa pretende realizar investigações adicionais para identificar biomarcadores que estejam relacionados à gravidade do transtorno no sangue dos pacientes.