Experimentos feitos com camundongos acabam de dar novo peso à ideia de que o estresse é capaz de produzir cabelos brancos antes mesmo do envelhecimento natural.
Segundo o estudo, em situações muito estressantes, neurônios que ficam na vizinhança dos fios liberam uma substância que acaba esgotando as fábricas celulares da “tinta” natural dos cabelos. Assim, quando novos fios nascem, já não têm a cor de antes.
O trabalho, que acaba de sair na revista científica Nature, foi feito por pesquisadores dos EUA e do Brasil. “Embora só um dos experimentos tenha sido feito com células humanas, é bem provável que o mecanismo que vimos nos camundongos seja compartilhado conosco. A fisiologia é muito parecida”, diz Thiago Mattar Cunha, professor da FMRP-USP (Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto) e um dos autores brasileiros da pesquisa.
Não faltam relatos, inclusive históricos, acerca dos efeitos de altos níveis de estresse sobre os cabelos. Conta-se, por exemplo, que Maria Antonieta (1755-1793), última rainha da França antes da Revolução Francesa, teria ficado com todos os fios brancos na noite anterior à sua execução na guilhotina.
Cunha conta ter testemunhado o mesmo embranquecimento na pelagem de camundongos que estudava durante pesquisas sobre os mecanismos bioquímicos da dor, área que é a sua especialidade na USP. Ao injetarem nos roedores uma substância capaz de provocar dor intensa, ele e seus colegas observaram, quatro semanas depois, que os pelos dos bichos tinham se tornado brancos. “Ficamos intrigados e começamos a tentar entender aquilo”, diz ele.
Durante um período sabático na Universidade Harvard (EUA), o brasileiro entrou em contato com colegas que tinham observado exatamente os mesmos resultados e passou a colaborar com o grupo de Ya-Chieh Hsu, pesquisadora do Departamento de Células-Tronco e Biologia Regenerativa da instituição americana. Após novas ideias e mais experimentos, a equipe conseguiu montar o quebra-cabeças do que estava acontecendo.
Uma das chaves são as CTMes (células-tronco de melanócitos). Como quaisquer outras células-tronco, o papel delas é servir como fonte para certos tipos de células maduras. No caso, são os melanócitos do nome, responsáveis pela produção dos pigmentos que colorem os pelos e cabelos.
Em situações normais, quando um fio de cabelo está se formando, algumas CTMes se dividem e se transformam em melanócitos maduros, enquanto outras ficam “na reserva”. Depois que aquele fio cair e um novo começar sua fase de desenvolvimento, mais CTMes se multiplicam e amadurecem, e assim sucessivamente.
A hipótese dos pesquisadores era que moléculas associadas ao estresse podiam bagunçar esse ciclo. Para testar a ideia, além dos experimentos com dor, usaram ainda outros métodos para deixar os camundongos estressados, como restrição dos movimentos.
Em todos os casos, houve o embranquecimento dos pelos (embora o efeito da dor tenha sido o mais pronunciado). Veio a parte mais difícil, depois disso: entender qual o mecanismo por trás disso.
Aparentemente, não eram os hormônios associados ao estresse, nem problemas associados ao funcionamento do sistema de defesa do organismo -mesmo bloqueando essas causas, o embranquecimento ainda acontecia.
O grupo, então, descobriu que as células-tronco dos melanócitos eram capazes de interagir com o mensageiro químico noradrenalina, molécula do sistema nervoso importante para a reação do organismo ao estresse. Só que, mesmo removendo as glândulas que são as principais responsáveis pela produção da noradrenalina, o estresse continuou provocando o aparecimento de cabelos brancos nos animais.
Por meio desse processo complicado de exclusão, a equipe finalmente chegou à raiz do problema: neurônios que ficam próximos aos folículos capilares. São células que fazem parte do chamado sistema nervoso simpático, o qual, apesar do nome, tem entre suas principais funções ajudar o organismo a reagir rapidamente diante de situações estressantes.
Tais neurônios liberam noradrenalina, a qual, por sua vez, faz com que o reservatório de células-tronco de melanócitos se esgote rapidamente -tão rapidamente que, quando o cabelo se põe a crescer de novo, já não há como lhe conferir cor. Quanto maior a presença de neurônios no sistema nervoso simpático num trecho da pele, maior a chance de ela apresentar cabelos/pelos brancos.
É claro que compreender os mecanismos biológicos por trás do processo podem levar a ideias de fármacos que o bloqueiem, talvez até com ação tópica (local, como cremes e pomadas). Mas Cunha destaca que o trabalho pode abrir uma área relativamente ampla de pesquisa, relacionada aos efeitos do sistema nervoso sobre diferentes tipos de células-tronco, como as da medula óssea (importante em diversas doenças do sangue) ou mesmo as que acabam gerando câncer. “A importância pode ir além do lado estético”, diz ele.
Do lado brasileiro, a pesquisa teve apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), órgão federal.