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Pesquisa com célula-tronco é esperança para enfartados (1 notícias)

Publicado em 25 de julho de 2009

A esperança de recuperação para boa parte dos 196 mil brasileiros enfartados a cada ano pode estar guardada no peito dos ratos de laboratório de um centro de pesquisas de São José do Rio Preto, a 440 quilômetros de São Paulo. É ali, por meio de um programa público-privado de investigação científica, que sucessivos lotes de cobaias estão recebendo terapia de células-tronco, destinada a induzir a reconstrução do coração lesado, restaurando as funções normais.

O modelo básico é conhecido e em alguns centros especializados do País já é aplicado em pacientes humanos. As células, extraídas da medula óssea do quadril do doente, são transplantadas diretamente para a área enfartada. O Ministério da Saúde acompanha os primeiros casos, atendidos em 2006 no Hospital Costantini, de Curitiba. O diferencial empregado em Rio Preto é o uso de um suporte biológico, pericárdio ou tendão bovinos. Sobre essa matriz são aplicadas as células-tronco. O conjunto é então colocado sobre o coração enfartado do animal de teste.

"Pensamos que deve funcionar como um canteiro, uma espécie de viveiro celular", explica o cardiologista Domingo Braile, da Braile Biomédica, o braço privado do estudo. Participam ainda a USP, a Unesp e a Faculdade Estadual de Medicina de Rio Preto. "Um problema crucial nesse tipo de abordagem das doenças cardíacas em que falta oxigenação, as isquemias, é a fixação do lote de células-tronco no ponto determinado", diz Braile. "Estamos verificando o benefício da concentração", conclui.

O formato final desse suporte é um colágeno desprovido de células fornecido pelo Instituto de Química da USP. De acordo com a bióloga Ana Paula Oliveira, da Braile, o uso dessas estruturas de apoio "decorre do fato de que, após o implante, elas podem ser preenchidas por célula-tronco do paciente e então diferenciar-se nas células que interessam, realizando a regeneração do tecido lesionado". A empresa detém larga experiência no uso do pericárdio retirado do coração de exemplares de gado - nelores brancos, de preferência. Até sexta-feira, o grupo havia produzido 102.083 próteses de válvulas cardíacas feitas com esse tipo de material - e exportadas para 25 países ao longo de 32 anos.

Rotina

Para Ana Paula e sua colega, a também bióloga Rosa Oyama, a rotina da pesquisa - trabalho de pós-doutorado das duas - é um ciclo de 30 dias que começa com a indução de ataques do coração em grupos de 20 ratos. Cada um deles é submetido a uma cirurgia para bloquear a artéria descendente anterior. Um mês depois, as células-tronco da medula óssea, agregadas à membrana biológica de boi, são levadas apenas à área enfartada. Duas semanas mais tarde, os corações são removidos e analisados. "Vamos determinar com clareza se as matrizes de colágeno são suficientes para causar a reconstituição da superfície danificada e se elas permitem fixação maior das células transplantadas", diz Paula.

As duas biólogas entram nessa história com o enfarte. O pesquisador do Instituto de Química da USP, Gilberto Goissis, entra com o suporte biológico. Cabe à Unesp cuidar do viés histológico, a análise da estrutura microscópica dos tecidos, com o especialista Sebastião Taboga. Os exames são feitos em conjunto. O pacote da pesquisa é apoiado pelo CNPq e pela Fapesp

"Tudo isso ainda está distante do emprego em pessoas que tenham sofrido enfarte", enfatiza Domingo Braile, coordenador da investigação. O Ministério da Saúde gasta todos os anos, em média, cerca de R$ 460 milhões no atendimento público de casos de ataque agudo. Esse custo cresceu 195%, entre os anos de 1998 e 2008. O Sistema Único de Saúde (SUS) registra o ataque isquêmico do coração como sendo a causa de 25% das mortes dos doentes atendidos nas redes pública e privada.

Rim e baço

A mesma linha de averiguação científica envolvendo o mesmo consórcio de estabelecimentos produziu uma outra descoberta, revelada pelo Estado há quatro meses: um rim, ao lado de um baço e de um pâncreas, todos embrionários, foram criados em culturas de células-tronco em São José do Rio Preto. Segundo o coordenador desse programa, o professor Mário Abbud Filho, chefe do Departamento de Nefrologia e Transplantes da Famerp, "não se sabe o que os brotos ou botões de rim surgidos poderão gerar". Provavelmente não haverá, ainda que no longo prazo, um novo órgão, completo e funcional.

"Mas", destaca, "estão presentes túbulos e glomérulos, partes essenciais dos rins que poderão permitir, em um tempo que não pode ser estimado, a produção de componentes do órgão com as quais será possível recuperá-lo e restaurá-lo", afirmou. Em Rio Preto, onde funcionam 630 empresas médicas, está também o Instituto de Moléstias Cardiovasculares (IMC), onde são monitorados 112 pacientes portadores de corações dilatados que passaram por transplante de células tronco.