Uma das populações indígenas mais vulneráveis a covid-19 no Brasil, os xavantes vivem uma epidemia de outra doença silenciosa, considerada fator de risco para o agravamento da covid-19: o diabetes. Um grupo de pesquisadores da EPM-Unifesp (Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo) e da FMRP- (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo) constatou, por meio de exames da retina de 157 índios da etnia, realizados antes da pandemia da covid-19, uma alta prevalência de diabetes tipo 2 e de uma disfunção oftalmológica causada pela doença. Os resultados do estudo, apoiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), foram publicados na revista Diabetes Research and Clinical Practice, da International Diabetes Federation. “ Entre os 157 índios xavantes que examinamos, 95 (60,5%) tinham diagnóstico de diabetes ”, diz Fernando Korn Malerbi, pós-doutorando no Departamento de Oftalmologia da EPM-Unifesp e primeiro autor do estudo.
ALTERAÇÕES De acordo com o pesquisador, o diabetes pode desencaGrupo também representa uma das populações indígenas mais vulneráveis à covid-19 no território nacional dear problemas oftalmológicos como a retinopatia diabética, danos nos vasos sanguíneos na retina, causados pelo excesso de glicose no sangue. Se não for detectada e tratada adequadamente essa alteração oftalmológica pode levar à cegueira. A fim de diagnosticar casos de retinopatia diabética e de outras possíveis disfunções oftalmológicas em populações indígenas, os pesquisadores fizeram exames de retinografia em índios xavantes das reservas Volta Grande e São Marcos, situadas no Mato Grosso. Para isso, usaram um retinógrafo portátil desenvolvido pela empresa Phelcom Technologies por meio de um projeto apoiado pelo PIPE (Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas). Batizado de Eyer, o retinógrafo portátil é composto por um aparelho que, acoplado a um smartphone, faz imagens precisas da retina, permitindo detectar doenças do fundo do olho a um custo bem mais baixo do que os métodos convencionais. Além disso, tem a van divulgação tagem de possibilitar o diagnóstico por telemedicina, a quilômetros de um médico oftalmologista. Quando as imagens são produzidas, o aplicativo que opera o aparelho para iluminação e imageamento da retina as envia pela internet para um sistema web (chamado Eyer Cloud) que permite armazenar e gerenciar os exames dos pacientes. Caso não haja acesso a wi-fi ou rede 3G ou 4G no momento do exame, as imagens ficam salvas no aparelho e são enviadas para a nuvem assim que houver conexão com a internet.
DIAGNÓSTICO No caso dos exames com os índios xavantes, como Malerbi conduziu os procedimentos, o diagnóstico foi feito instantaneamente, na presença dos pacientes. “ Quando as lesões na retina observadas por meio do retinógrafo portátil indicavam risco de cegueira orientávamos o paciente, por meio de intérpretes, e encaminhávamos para as equipes de atendimento à saúde indígena para acompanhamento e tratamento ”, afirma Malerbi. Dos 95 pacientes diagnosticados com diabetes, não foi possível avaliar se 23 deles (24,2%) apresentavam retinopatia diabética devido à opacidade de tecidos transparentes dos olhos, como o cristalino, causada por catarata. Nos 72 índios cujas imagens obtidas da retina permitiram o diagnóstico de retinopatia diabética, os pesquisadores constataram que 16 apresentavam a doença e sete deles tinham risco de cegueira. “ Comprovamos que o retinógrafo portátil é um método viável para o rastreamento de retinopatia diabética, por ser uma tecnologia de baixo custo e que pode ser utilizada em comunidades remotas, como reservas indígenas, onde a população geralmente está dispersa por várias aldeias ”, diz Malerbi.