Cientistas analisaram dados captados da espécie durante 15 anos no nosso país; Estudo teve como base registros disponibilizados por observadores de aves em plataforma digital.
Quem é observador de aves sabe que desde outubro um visitante ilustre tem aparecido em território brasileiro: é o falcão-peregrino (Falco peregrinus), considerado a ave mais rápida do mundo.
A espécie é muito admirada pela beleza e também por ser um verdadeiro mestre do ar. Consegue em queda livre ultrapassar a velocidade de 320 quilômetros por hora. Mas para chegar até o nosso país o imponente falcão realiza uma grande jornada. Em sua viagem de migração pode percorrer mais de 20 mil quilômetros.
Recentemente pesquisadores voltaram os olhos para essa espécie. Durante a pandemia a bióloga Louise Mamedio Schneider se dedicou, junto de Erika Hingst Zaher, pesquisadora responsável pelo Museu Biológico do Butantan, a analisar os registros dos falcões-peregrinos no Brasil. O objetivo do trabalho era levantar informações sobre os indivíduos que são avistados no nosso país.
“Nosso objetivo era estudar os aspectos relacionados com a história natural dos falcões-peregrinos do Brasil, em qual tempo eles chegam, onde ficam, o que comem, como eles interagem entre si e com outras espécies”, explica a profissional do Instituto Butantan e bolsista de treinamento técnico da FAPESP.
O trabalho foi executado de forma remota. Para isso o time analisou fotografias disponibilizadas no Wikiaves, plataforma exclusiva sobre as aves do Brasil, que armazena registros feitos por passarinheiros.
Foram verificados mais de dois mil registros feitos por mais de 15 anos. “Analisamos todos os registros presentes na plataforma e vimos as subespécies Falco peregrinus tundrius, Falco peregrinus anatum e Falco peregrinus cassini. Verificamos a faixa etária, dieta, distribuição geográfica e interações ecológicas, por exemplo, se os peregrinos aparecem brigando entre si ou dividindo poleiro, e com quais outras espécies de aves eles são avistados mais vezes e o tipo da relação”.
Nessa análise foi detectado que o quiriquiri (Falco sparverius) e o suiriri (Tyrannus melancholicus) aparecem investindo contra o grande falcão. Além disso, os pesquisadores conseguiram detectar três questões curiosas sobre esses viajantes que permanecem aqui até meados de abril.
“Com a pesquisa a gente descobriu que os adultos e os jovens chegam ao Brasil em tempos diferentes, os adultos chegam geralmente em outubro e os jovens começam a aparecer só em novembro e a gente não sabe por que, mas tem algumas hipóteses, pode ser que o adulto sai da América do Norte antes e os jovens fiquem lá mais tempo, pois precisam de mais energia para conseguir fazer a viagem, ou pode ser também que eles saiam juntos, mas os jovens tem mais dificuldade de encontrar os caminhos, é uma coisa que pode ser investigada no futuro”, acrescenta.
Durante o trabalho as pesquisadoras puderam constatar também que uma subespécie que é encontrada na Argentina, Uruguai e Chile e possivelmente poderia ser avistada aqui, na realidade não aparece no nosso território. “Alguns autores levantaram que o Falco peregrinus cassini poderia ser encontrados na região Sul, já tem mais de 20 anos que essa hipótese está na literatura, mas nesse trabalho com base na análise dos registros a gente não encontrou nenhuma foto que lembre essa subespécie”, aponta Louise.
Outra curiosidade desvendada pelo trabalho refere-se à alimentação do falcão no Brasil. A maioria dos registros que mostram a ave predando, às garras estão geralmente pombos, não à toa a espécie é considerada fundamental para o controle da população dessas aves. Mas outro grupo de presa também chamou atenção.
“No mundo todo há registros dos falcões-peregrinos se alimentando dos Columbiformes (ordem dos pombos), e a gente encontrou registros deles se alimentando de psitacídeos (grupo dos periquitos), e isso é bem interessante porque na América do Norte esse grupo não é muito presente, então isso mostra como os peregrinos conseguem chegar a um local e adaptar a dieta deles de acordo com a disponibilidade de alimentos ali, o que inclusive deve ter sido um dos fatores para a espécie ter sucesso e se recuperar depois de ser quase extinta”, finaliza.
A pesquisadora destaca ainda a importância das plataformas que reúnem registros e informações disponibilizados pelo cidadão comum. “Essa é uma forma de estreitar as relações entre pessoas de dentro e de fora dos espaços acadêmicos, fortalecendo as instituições científicas na comunidade, valorizando os conhecimentos populares”, comenta.
Nesta pesquisa a equipe constatou novos fatos sobre um viajante que é especial e mesmo ainda era ainda pouco conhecido para a maioria, mas as análises revelam também que há ainda muito para descobrir sobre a espécie.
“Uma coisa que fica aí para a gente investigar mais no futuro é em relação a presença de casais no mesmo sítio, no mesmo poleiro, na literatura a gente encontra que os falcões-peregrinos são monogâmicos e que eles ficam juntos na época de reprodução, mas na hora de viajar eles se separam, cada um segue um caminho. Nós encontramos 25 registros que mostram o casal junto no mesmo local, inclusive mais de um ano, então porque alguns indivíduos se separam na hora da viagem e outros ficam juntos? Isso é uma coisa pra investigar”, argumenta.