Moradores do estado de São Paulo das regiões de Araçatuba, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto devem redobrar a atenção no combate ao mosquito da dengue. Essas cidades têm alta incidência e permanência da doença, segundo tese de doutorado, com apoio da Fapesp e do CNPq, defendida no início deste mês, no departamento de Geografia da Unesp de Presidente Prudente.
Rafael Catão, autor da tese, apresenta um panorama detalhado dos casos de dengue em todo o estado de São Paulo. Segundo ele, diferentemente do que ocorreu com o vetor, a doença se difundiu por saltos, em que a hierarquia urbana associada às características ambientais (temperatura e altitude) orientaram a difusão. “Cidades de porte maior do interior do Estado, e em áreas com temperatura e altitude favorável, receberam a doença antes da sua região de entorno e a espalham na sua rede mais próxima”, explica.
O principal objetivo do trabalho foi o de compreender quais áreas do estado não possuíam casos de dengue, ou que possuíam casos e taxas muito abaixo da média. Para tanto, o pesquisador analisou o movimento da doença, associado com a intensidade de casos, para diagnosticar as áreas mais ou menos favoráveis para a ocorrência da doença.
“Essa compreensão está inserida dentro do movimento que a doença fez dentro do Estado (processo de difusão). Primeiramente ocupou as áreas mais propicias do interior, e depois, foi se espalhando para as menos favoráveis, como as de maior população rural, as mais altas e mais frias”, ressalta.
O mapeamento começou a ser feito em 1990 com base nos registros de casos oriundos dos centros de saúde, por meio de notificação compulsória, e que são consolidados nos municípios e estados. “Toda vez que alguém é diagnosticado com dengue gera uma notificação e um acompanhamento que vai ver se confirmar como dengue ou não”, diz.
“Mapeamos o número de casos por município, desde o primeiro registro, e, posteriormente analisamos a taxa de incidência por cem mil habitantes. Para o Aedes aegypti utilizamos dados municipais da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), desde o primeiro registro em cada município”, conta.
Para os mapas espaço-temporais, o pesquisador usou algumas técnicas mais avançadas, como a coleção de mapas, mapeamento de síntese, análise de superfície de tendência e Krigagem, que possibilitam entender a direção, velocidade e o processo de difusão, mostrando de onde veio, e o caminho que tomou.
“Os mapas sínteses possibilitam, ainda, o cruzamento com mais variáveis, como clima, densidade demográfica, proximidade de rodovias, população urbana, entre outras, e permite visualizar padrões espaciais e possíveis respostas no tocante à intensidade e a difusão”, aponta.
A combinação destes dados, segundo o pesquisador, apresentou o seguinte panorama. No estado, a região oeste – o triângulo entre Araçatuba, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto – têm uma alta incidência e permanência da doença, assim como a Região Metropolitana de Campinas e da Baixada Santista. As cidades de Bauru, Marília e Vale do Paraíba, apesar da recente difusão do vírus da dengue, apresenta uma alta incidência. A região metropolitana de São Paulo possui um grande número de casos, contudo, por conta da sua população, não apresenta uma taxa muito alta.
A região que apresenta menos casos é a região sul do estado (entre Botucatu, Itapetininga e o Vale do Ribeira); as áreas mais altas como a de Bragança Paulista, Atibaia, Campos do Jordão; e as da Serra do Mar, nas proximidades do Vale do Paraíba.
“Até 2012, último ano analisado, alguns poucos municípios não possuíam o vetor. A maioria deles na porção sul do estado e na Serra do Mar, em Bocaina. Na porção oeste, temos o município de Torre de Pedra. Muitos municípios com vetor não possuem a doença, devido às condições menos propicias”, ressalta.
Quando o ambiente está tranquilo para o mosquito?
Segundo Rafael Catão, o vetor se encontra em quase todo o estado. Os municípios com menor altitude, com temperaturas mais altas e maior densidade demográfica apresentam mais casos e permanência da doença. “A junção desses fatores é que cria as condições mais favoráveis”.
As principais barreiras do Estado são as climáticas. Áreas com temperaturas mais frias, com maior entrada de frentes frias associadas com menor densidade demográfica e altitudes mais elevadas, restringem a doença, ou limitam a sua intensidade. Essas são barreiras estruturais, que associadas às barreiras conjunturais, formadas pela questão do controle vetorial e do próprio movimento da doença no Estado, modulam a incidência.
Caminho das pedras: o mosquito no estado de SP
Dengue é uma doença reemergente no país e no estado de São Paulo. Existia no começo do século 20 mas desapareceu por conta o combate ao Aedes aegypti no controle da febre amarela urbana. Porém, o mosquito foi reintroduzido no final da década de 1970 e chegou em São Paulo em meados da década de 1980.
Inicialmente o vetor apareceu com focos isolados que permitiam o controle. Depois, surgiu com uma maior abrangência e maior penetração nos municípios. Em 1985, a Sucen fez um inquérito percorrendo os municípios e encontrou nove municípios com ampla disseminação de Aedes na região oeste do estado (Araçatuba, São José do Rio Preto, Barretos, Votuporanga e Presidente Prudente).
Desses municípios, e de outras incursões posteriores, o vetor se expande primeiramente pelo oeste do Estado, ocupando todo o Planalto Ocidental. Após a ocupação do Planalto Ocidental, segue o eixo de maior densidade, as principais rodovias paulistas, como a Bandeirantes, Anhanguera e a Washington Luís. Depois segue em direção à região de Campinas e, posteriormente, à cidade de São Paulo. Ao mesmo tempo, uma segunda grande área de presença do vetor surgiu em Santos, seguindo pelo litoral nas direções norte e sul. Posteriormente, o Vale do Paraíba, áreas ao sul e altas, foram ocupadas.
A doença surge no estado, de maneira autóctone, em 1987, com uma epidemia em Guararapes e Araçatuba, no oeste do Estado. Esse surto foi esporádico, não tendo mais desdobramentos. Em 1990, outra epidemia se inicia em Ribeirão Preto e municípios vizinhos. Ela inaugura a fase em que o vírus da dengue se torna endêmico no Estado.
Faixa endêmica
A doença que surgiu de forma endêmica na porção norte-nordeste (em torno de Ribeirão Preto, Araçatuba e São José do Rio Preto). Essa área aumenta com pulsos a cada pico de epidemia estadual, como as de 1990-1991, 1995-1996, 1998-1999, 2001-2003, 2006-2007 e 2010-2011. A cada pico epidêmico, na escala do Estado, a área afetada ou de atuação esporádica da doença, aumentava. Inicialmente pela região oeste, e posteriormente segue em direção à Campinas e toda a Depressão Periférica, chegando à metrópole paulistana. A partir de Santos, uma segunda grande onda segue pelo litoral. Por fim, a difusão atinge o Vale do Paraíba, a porção sul e áreas altas da Mantiqueira, planaltos elevados na fronteira de Minas.
Fonte: Unesp