O conhecimento prático adquirido ao longo dos anos por pequenos grupos de pescadores pode se tornar uma importante ferramenta para o ajuste dos referenciais ambientais sobre o impacto das ações humanas nos ecossistemas marinhos. A conclusão faz parte de um estudo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), publicado recentemente na revista Fisheries Management and Ecology.
Para comprovar a capacidade desses profissionais em detectar o declínio das populações de peixes, um grupo de pesquisadores do Departamento de Ecologia e Zoologia da UFSC realizou questionários com 53 pescadores que desempenhavam suas atividades entorno do Parque Municipal Marinho do Recife de Fora, em Porto Seguro, na Bahia. A região é considerada como uma das mais ricas em biodiversidade marinha da costa brasileira.
"Os pescadores mais velhos se lembravam da época em que pescavam nos recifes do parque marinho - que agora é uma área de proteção integral - e retornavam com seus barcos cheios de peixes, o que não acontece mais com frequência", conta a bióloga Mariana Bender, autora principal do estudo.
Segundo ela, verificar a redução na população de peixes a partir da percepção dos pescadores é uma contribuição importante para a elaboração de estratégias de conservação. De acordo com Bender, o conhecimento ecológico local deve ser incorporado ao científico para que haja um manejo apropriado da região. "As comunidades tradicionais de pescadores são testemunhas das mudanças ambientais, bem como da redução da quantidade de peixes", afirma.
Entrevistas
Profissionais de diferentes gerações foram questionados sobre o estado de conservação de nove espécies de peixes. Com base nas entrevistas, os pesquisadores verificaram mudanças significativas tanto na percepção dos próprios entrevistados sobre os impactos que suas atividades podem causar nesses ecossistemas, quanto no tamanho dos peixes pescados por profissionais mais velhos em relação àqueles capturados por pescadores mais jovens. As diferenças entre os tamanhos citados são significativas e, de acordo com os pesquisadores, podem ser explicadas com o impacto de ações humanas sobre as espécies.
"O badejo-quadrado (Mycteroperca bonaci), por exemplo, há 40 anos era capturado com aproximadamente 49 kg. Porém, atualmente, ele é pescado com 17 kg", diz Bender.
Alguns pescadores com menos de 31 anos também não reconheceram certas espécies, como o mero-gato (Epinephelus adscensionis), ao verem fotos do animal. Outros entrevistados, por sua vez, afirmaram que nunca pescaram certas espécies, como o cherne (Hyporthodus nigritus), peixe que está na lista vermelha de espécies ameaçadas da International Union for Conservation of Nature (IUCN).
As respostas obtidas, segundo Bender, indicam uma drástica redução no número de exemplares da espécie na região. Ao todo, das nove espécies de peixes estudadas, sete exibiram declínio nas tendências de pesca. Ainda de acordo com a pesquisadora, o problema do declínio de peixes se dá em escala global e está diretamente ligado à demanda humana.
Os pescadores mais velhos demonstraram saber dessa redução na população de certas espécies. Já, os profissionais mais jovens não reportaram esse declínio aos pesquisadores. "Isso significa que a capacidade de identificar tais espécies aumenta conforme a idade do pescador", explica a bióloga.
Confira a íntegra da matéria de Rodrigo de Oliveira Andrade na Revista Pesquisa Fapesp