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Perspectivas para a inteligência artificial e Direito (95 notícias)

Publicado em 05 de dezembro de 2019

Por Juliano Maranhão, Floriano de Azevedo Marques Neto e Fabio Gagliardi Cozman

A fundamental integração entre o mercado e a pesquisa acadêmica

A automação e o uso de inteligências artificias avançaram a passos largos no mercado jurídico e nos tribunais, com soluções inovadoras empregando aprendizado de máquina, principalmente para extrair informações relevantes de documentos jurídicos (decisões judiciais, contratos, arquivos de petições, etc.), predizer resultados de decisões, chat bots que respondem questões jurídicas simples e ferramentas inteligentes de busca de jurisprudência.

As ferramentas que aplicam aprendizado de máquina trazem correlações e resultados extraordinariamente úteis para juristas, mesmo sem incorporar qualquer tipo de representação do conhecimento e raciocínio jurídico, empregando, no máximo, alguma ontologia para classificação das informações extraídas de documentos. A aposta, para a próxima geração da IA no Direito, é a integração entre as metodologias de aprendizado de máquina a modelos lógicos de raciocínio e argumentação jurídica em direção à transformação do direito em um domínio computável.

Para alcançar esse patamar, será fundamental a integração entre o mercado e a pesquisa acadêmica, que tem avançado significativamente no país, trazendo a promessa de suporte para o desenvolvimento robusto da inteligência artificial aplicada ao direito.

Na última edição da principal conferência internacional nessa área, a International Conference on Artificial Intelligence and Law-ICAIL, ocorrida em 2019 na Universidade de Montreal, o Brasil bateu seu recorde de participantes. A ICAIL ocorre a cada dois anos, tendo intercalado sempre sua sede entre Europa e Estados Unidos.

Em 2021, pela primeira vez, a conferência deixará esse eixo e será sediada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o que revela a atenção da comunidade internacional para o desenvolvimento da pesquisa e tecnologia na América Latina e, em particular, no Brasil.

Em outubro, a Universidade de São Paulo venceu edital aberto em parceria entre a IBM e a Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo – FAPESP para a criação do primeiro Centro de Engenharia em Inteligência Artificial do Estado de São Paulo (Centro de IA da USP).

A Faculdade de Direito teve participação direta e continuará a desempenhar papel importante nesse Centro em dois campos de integração interdisciplinar entre direito, engenharia e ciência da computação.

O primeiro campo será o desenvolvimento de metodologias de processamento de linguagem natural em português, área na qual o País tem potencial para se tornar líder internacionalmente.

A área jurídica foi escolhida como um dos principais laboratórios para o desenvolvimento dessas novas metodologias, por duas razões: (i) há quantidade abundante de dados de boa qualidade e documentos jurídicos em formato eletrônico na internet e nos tribunais, que são o principal insumo para desenvolvimento de IA (ii) os desafios de pesquisa colocados no projeto são congêneres aos tipos de discurso encontrados no universo jurídico.

Apenas a título de exemplo, o desenvolvimento de múltiplos chat bots, capazes de interagirem e arguirem entre si para identificar consensos ou justificar conclusões, encontram nos documentos jurídicos um discurso típico e rico em contraposição de opiniões e argumentos.

O segundo campo relevante de interação estará no desenvolvimento de políticas públicas e questões jurídicas ligadas à atuação de agentes digitais na sociedade. Trata-se de tema que será dominante para a pesquisa jurídica na próxima década, com impactos diretos sobre o desenvolvimento de políticas públicas.

A Comissão Europeia, por exemplo, elencou duas iniciativas fundamentais em sua agenda de trabalho para 2020: um framework regulatório para IA e uma proposta de diretiva para tratar da responsabilidade civil de agentes digitais. Tais iniciativas institucionais dependem diretamente de insumos acadêmicos, construídos a partir de estudos e comitês reunindo autoridades e pesquisadores, tanto da área jurídica quanto de engenharia e ciência da computação.

Felizmente, com a recente iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia Inovações e comunicações (MCTIC) em reunir competências acadêmicas, do mercado e do governo para definir uma estratégia nacional para o desenvolvimento da inteligência artificial, o Brasil parece seguir o mesmo caminho.

No âmbito acadêmico, deve ser cada vez maior a aproximação entre a pesquisa e o mercado, assim como serão cada vez menos perceptíveis as fronteiras entre as chamadas ciências humanas e ciências exatas

Juliano Maranhão – Professor da Faculdade de Direito da USP e Presidente do Lawgorithm.

Floriano de Azevedo Marques Neto – Professor e Diretor da Faculdade de Direito da USP.

Fabio Gagliardi Cozman – Professor da Poli-USP e Diretor do Centro de Inteligência Artificial da USP.