Uma pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP sobre as populações do mosquito Culex quinquefasciatus, transmissor do verme causador da filariose ou elefantíase no Brasil, constata que os insetos mostraram-se resistentes à poluição do rio Pinheiros, em São Paulo, e aos inseticidas aplicados pelo Centro de Controle de Zoonoses da Prefeitura do município. “O local é um dos ambientes preferidos para a reprodução do mosquito devido à abundância de poluentes orgânicos na água. Além disso, houve aumento significativo da espécie no rio”, alerta o biólogo Lincoln Suesdek, professor de pós-graduação do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e pesquisador científico do Instituto Butantan.
Suesdek foi o orientador do estudo Análises comparativas populacionais de Culex quinquefasciatus de dois locais do Estado de São Paulo, dissertação de mestrado da bióloga Maria Cristina Peruzin, defendida em abril deste ano no ICB. A pesquisa empregou uma técnica recente e ainda pouco conhecida, a Morfometria Geométrica, uma ferramenta matemática que permite descrever alterações morfológicas complexas em processos biológicos e evolutivos.
Vetor das filárias Wuchereria bancrofti, que causam elefantíase no Norte e Nordeste do Brasil, teme-se que o mosquito possa transmitir esses parasitas na cidade de São Paulo. Pelo fato de os mosquitos mostrarem-se “surpreendentemente” resistentes às constantes aplicações de inseticidas, os pesquisadores começaram a investigar sobre algumas características que possibilitam a sobrevivência dessas populações sob tamanha pressão.
A partir dessas preocupações, foi iniciado o estudo para encontrar marcadores genéticos e morfológicos que permitissem comparar a população de Culex quinquefasciatus do Rio Pinheiros com a do município paulista de Pariquera-Açu, situado no Vale do Ribeira, onde não há aplicação regular de inseticidas. Os experimentos, que se estenderam entre março de 2007 e abril de 2009, foram realizados no Instituto Butantan e as coletas de mosquitos feitas na Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A. (EMAE) e no posto Avançado de Entomologia da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.
Os mosquitos foram congelados em nitrogênio líquido (-190oC) para preservação de seu DNA. “Comparamos as amostras populacionais quanto ao DNA e morfometria de asas”, explica o biólogo. A pesquisa demonstrou que as asas do Culex quinquefasciatus, popularmente conhecidos como pernilongo ou muriçoca, têm “assimetrias geométricas”, ou seja, as asas direitas e esquerdas são diferentes, presumivelmente decorrentes da influência dos inseticidas e dos poluentes.
Outra constatação é que os mosquitos do Rio Pinheiros aumentaram de tamanho. “Esse aumento possivelmente decorreu da oferta de alimentos, ou seja, dos poluentes orgânicos”, pondera Suesdek. “Se estivermos corretos, o mosquito funcionaria como bioindicador dos níveis de poluição do rio e auxiliaria em políticas governamentais e ações sociais que visem à melhoria da qualidade das águas fluviais. Além disso, o emprego inadvertido de inseticidas também deverá se revisto, já que nesse caso, não tem funcionado como previsto”.
Controle
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 120 milhões de pessoas no mundo já foram afetadas pela doença sendo que 40 milhões desenvolveram morbidade e seqüelas. Cerca de 1 bilhão de pessoas vivem sob risco de infecção em 80 países. No caso específico do Brasil, estima-se que 45 mil pessoas estejam infectadas por Wuchereria bancrofti e quase 3 milhões vivam sob risco de ser infectadas.
O professor reitera que conhecer a evolução de uma espécie nociva é fundamental para o entendimento de sua potencial ameaça. “Sabemos, agora, que os processos evolutivos em Culex quinquefasciatus são rápidos e podem ser influenciados por condições ambientais e posição geográfica”, informa. “O conjunto dos resultados leva-nos a crer que investigações desta natureza são promissoras e devam ser aprofundadas, já que poderão auxiliar no controle desses insetos de interesse médico.”
De acordo com o pesquisador, é como acompanhar o processo evolutivo dos mosquitos em “tempo real”. “A rápida evolução, marcada por mudanças notáveis que ocorrem em períodos tão curtos quanto três anos é responsável pelo desenvolvimento precoce da resistência a inseticidas, o que, por conseqüência, nos obriga a buscar novas estratégias de controle”, ressalta. “Na prática, nossa proposta permitirá entender melhor o fluxo de mosquitos entre regiões endêmicas e não-endêmicas, auxiliando também na avaliação da velocidade de dispersão e evolução desses insetos”, diz.
“Considerando-se que há centenas de espécies de mosquitos de interesse à saúde pública, nossos resultados terão um impacto positivo, principalmente em países em desenvolvimento, que carecem de recursos e têm problemas com diversas doenças e zoonoses”. A dissertação de mestrado teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
(Envolverde/Agência USP de Notícias)