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Publicado em 10 de dezembro de 2012

Por Maria Alice da Cruz

Como é possível modificar o ambiente de uma sala de aula? E dar autonomia de circulação a pessoas com deficiência visual? Ao deixar São Tomé e Príncipe, no continente africano, para concluir o ensino médio na Unicamp, dentro de um projeto da Unesco, o engenheiro eletrônico João Vilhete Viegas D’Abreu nem sonhava em fazer a diferença na vida de tantas pessoas a partir da transmissão de seus conhecimentos. Hoje, ao olhar para o Mapa Tátil da Unicamp, desenvolvido entre os vários projetos que coordenou ou participou no Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied), ele se certifica de que a robótica lhe proporcionou muito mais que aprender e se destacar profissionalmente. “Quando estudantes de determinadas escolas públicas ou pessoas com deficiência nos mostram a grande vontade que têm de aprender e interagir, nos damos conta de que precisamos oferecer ferramentas adequadas para eles”, responde João.

Ao longo de 25 anos, Vilhete descobriu que as atividades de pesquisa na área de robótica pedagógica de tecnologia educacional poderia ir muito além da sala de aula. Depois de instrumentalizar professores e estudantes de escolas públicas na região de Campinas, ele e a equipe do Nied e da Faculdade de Engenharia Civil (FEC), envolvidos em projetos de acessibilidade, decidiram desenvolver o Mapa de Uso Tátil e Sonoro da Universidade. “Não sabia que o Ciclo Básico da Unicamp era redondo!”, exclama uma usuária do Mapa Tátil Sonoro, mostrando que os benefícios se mostram mais amplos quando permitem à aluna conhecer a forma de um prédio frequentado por ela durante quatro anos de pós- graduação. Outro momento de reflexão foi quando Fabiana Bonilha, mestre e doutora pela Unicamp, entendeu que ela utilizava duas, e não uma, catraca para entrar e sair da Biblioteca Central.   “Ficamos desconcertados ao ver que nunca falamos à Fabiana que a BC tinha duas catracas”, revela Vilhete.

Projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em parceira com a Faculdade de Engenharia Civil, o instrumento tátil sonoro se mostra eficiente na orientação espacial dos usuários. Ao tocar um dos pontos do mapa, como “ponto de ônibus da portaria um”, a pessoa é direcionada aos locais onde precisa chegar, como o Ciclo Básico e a Biblioteca Central. “A ideia foi construir instrumento para a pessoa com deficiência visual se locomover no campus de maneira autônoma. Pode não dar total autonomia ainda, mas dá a segurança de saber onde está e como chegar.” explica Vilhete.

A ideia, segundo o pesquisador, é implantar em mais pontos da Universidade. Os testes foram feitos em parceria com o Laboratório de Acessibilidade, localizado no térreo da Biblioteca Central e contaram com a participação dos próprios usuários.  “Foram nossos primeiros usuários e ofereceram uma série de informações importantes de como fazer. Isso ajudou a melhorar as legendas, a posição dos pontos de cada prédio, a sinalização em Braille.”

A ideia de fazer robótica pensando a acessibilidade surgiu em 2003, com a proposta de estimular alunos de graduação a ensinar alunos de ensino médio de uma escola de Araras a aprenderem se divertindo, construindo instrumentos para facilitar a vida de pessoas com deficiência.

O projeto, em parceira com a Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), teve como proposta desenvolver conceito de Geografia Tátil. O desafio era, dentro da sala de aula, dar orientação espacial para eles pensarem como essa pessoa circula num espaço público. O projeto de Geografia Tátil inspirou o do Mapa Tátil Sonoro como proposta de uma rota acessível do Ciclo Básico da Unicamp.

A bancada repleta de peças de lego, pets e caixas de leite denuncia o dia a dia de quem andou brincando muito. Mas uma análise do currículo de Vilhete e alguns minutos de início de conversa para saber mais sobre sua atividade na Unicamp mostram que se trata de uma brincadeira séria que já garantiu resultados importantes para professores e alunos de escolas da rede pública da região de Campinas (SP).

Nada de computadores “vazios”, o trabalho do Nied de pesquisa na área de robótica pedagógica de tecnologia educacional faz com que alunos e professores saiam da escola com a satisfação de ter construído seus próprios dispositivos robóticos. Quando prontos, eles são conectados ao computador. “Brincamos de construir coisas para as pessoas trabalharem, fazendo robótica com material alternativo. Oferecemos instrumentos com os quais as pessoas possam trabalhar na própria escola com seus alunos, seja programando carro e em seguida fazendo funcionar”, explica Vilhete. 

A compreensão de robótica, segundo o pesquisador, ajuda a fixar conceitos de ciência, matemática, física, aprimorando a formação dos alunos. “Quando veem funcionar eles saem da sala de aula com a satisfação de ter aprendido a trabalhar com recursos da tecnologia.” E João sai com a certeza de tê-los convencido que a ciência não nenhum bicho papão.

Ainda que todo projeto tenha começo, meio e fim, a ideia é que os laboratórios sejam mantidos pela escola. E foi o que aconteceu em duas escolas de Hortolândia, participantes do Projeto Time, coordenado por Vilhete por meio do Nied. A proposta era criar contexto para professores do ensino fundamental 1 poderem trabalhar com recursos tecnológicos. “Essas salas estão lá. O projeto acabou, mas os recursos ficaram para a escola. A ideia é realmente atender o público. A partir daqui esses alunos descobrem que podem chegar à universidade pública. Normalmente parece que estão muito distantes, em condições impossíveis de chegar, mas quando interagem, se sentem capacitados para chegar, e os pais também.”

Vilhete atuou como estagiário no CTI, mas quando começou a trabalhar na Unicamp, encantou-se pelo trabalho inicial do Nied com o Educom, que estudava o uso da informática na educação e se sentiu instigado, ao lado da equipe do núcleo, a ir além, promovendo inclusão social, educacional e acessibilidade.

A atuação principalmente na educação pública, assim como em projetos de acessibilidade, favorece também os bolsistas dos cursos de mecatrônica, engenharia civil e outras áreas da Universidade, na opinião de Vilhete. “Na prática, eles aprendem a trabalhar com uma óptica que talvez seja pouco abordada durante a graduação. “Aqui no Nied, eles constroem coisas para as pessoas usarem.” O produto feito por eles têm aplicação social. Quando se faz algo como o mapa tátil, com legendas em Braille, recursos sonoros, eles têm a oportunidade de trabalhar em projetos de inclusão social e educacional. É algo mais concreto”, acentua.
Além de estimular adolescentes em suas unidades escolares, Vilhete se orgulha de participar da formação de “futuros pesquisadores” de ensino médio na Unicamp, dentro do Programa da Pró-Reitoria de Pesquisa, intitulado PIC Jr. Destinado a alunos do ensino médio de escolas públicas de Campinas, o programa tem a maestria de despertar nesses estudantes o interesse por ciência.

Vilhete não esconde a satisfação de encontrar seus orientandos do PIC Jr duas vezes por semana na Biblioteca Central, para transferir seus conhecimentos de robótica. “É gratificante ver que esses alunos têm condições de vir para a Unicamp e trabalhar com robótica já no ensino médio. Sinto-me importante por mostrar a esses jovens que eles também podem estar na Unicamp e, quem sabe, se tornarem alunos e pesquisadores de uma universidade pública”, pontua.

Vilhete recebeu educação básica em São Tomé e Príncipe. Um ano após o país conquistar sua independência (1975), por meio de um projeto de intercâmbio para formação da Unesco, chegou ao Brasil, mais precisamente à Unicamp, como bolsista do projeto, orientado pelo então diretor do Instituto de Matemática professor Ubiratan D’Ambrósio. Assim que concluiu o ensino técnico, voltou para São Tomé, mas a oportunidade de continuar os estudos na Unicamp o trouxe de volta, em 1979.

Em 1981, ingressou como graduando em engenharia elétrica. Ao concluir o curso, em 1986, começou a trabalhar no Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), na Rodovia Dom Pedro, mas ao conhecer a proposta do Nied, voltou à Universidade como pesquisador e, mais importante para Vilhete, começou as atividades de implantação de projetos de robótica em escolas.  “Este trabalho consistia em diversificar as formas de utilização de computadores. Tinha programas que controlavam tartaruga que se movimentavam na tela do computador. Criamos uma máquina que pudesse acompanhar movimento que está na tela. Então surgiram os primeiros robôs, as primeiras tartarugas. A partir desse processo, fomos motivados a fazer mais projetos, mais atividades”, relembra.

A contribuição social foi acontecendo naturalmente dentro do processo de aprendizado, ao longo de 25 anos de estudo e trabalho. João acredita que a necessidade de incluir foi observada pela demanda e também pelo prazer de fazer emergir algo, construir e ver que seu produto final funciona e deve contribuir com algo ou alguém. “Ver o produtofuncionando e a pessoa se divertindo ou trabalhando com isso não tem preço. Conseguimos tirar a ciência de um contexto abstrato para que o próprio aluno perceba a dificuldade de construir. Com pessoas com deficiência é muito desafiador. Elas demonstram a vontade grande de aprender.”