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Perda de membros em lagartos e serpentes ocorreu por caminhos evolutivos distintos, revela estudo (14 notícias)

Publicado em 23 de setembro de 2022

Adaptado às dunas do rio São Francisco, no norte da Bahia, o pequeno lagarto Calyptommatus sinebrachiatus se destaca pela agilidade com que captura as presas e foge dos predadores. Curiosamente, é possível que essa habilidade se dê por uma característica não muito comum entre lagartos: ele não possui patas. A espécie pertence a um dos 26 grupos de animais que possuem membros reduzidos ou ausentes, entre eles o das serpentes.

Poderia-se imaginar que a perda dos membros ocorreu da mesma forma tanto nos lagartos como nas cobras, uma vez que esses grupos se diferenciaram cerca de 100 milhões de anos atrás. Porém, em artigo publicado na revista Cell Reports, pesquisadores da Alemanha e do Brasil mostram que a história é um tanto mais complexa.

“Em um trabalho anterior, em que analisamos apenas as serpentes, encontramos uma assinatura muito clara de mudanças genômicas associadas a genes envolvidos no desenvolvimento de membros. Nos lagartos, essa assinatura não é tão clara assim”, relata Juliana Gusson Roscito, coordenadora científica do Dresden-Concept Genome Center, na Alemanha, que liderou os dois estudos ( leia mais em: agencia.fapesp.br/29482 ).

No trabalho mais recente, o grupo de pesquisadores sequenciou o genoma do C. sinebrachiatus e de outro lagarto sul-americano aparentado, porém com patas, o Tretioscincus oriximinensis.

A fim de encontrar diferenças que pudessem explicar a ausência de patas nos lagartos, os genomas foram alinhados com sequências completas de outro lagarto sem patas (o asiático Dopasia gracilis ), além de cinco espécies de serpentes, sete lagartos com patas e, além disso, mamíferos, aves e peixes, representando os outros vertebrados.

“Em vez de focar a análise nos genes que controlam a formação dos membros – que estão todos presentes e intactos tanto nos lagartos sem membros quanto nas cobras – buscamos mudanças em regiões que regulam o padrão temporal ou espacial de expressão desses genes. Observamos que regiões regulatórias que são conservadas entre os vertebrados com membros sofreram várias mutações nas espécies sem membros. Essas regiões são vizinhas aos genes envolvidos com a formação dos membros, indicando que mudanças na regulação da expressão dos genes, e não os genes em si, podem estar associadas à perda dos membros nessas espécies”, explica Roscito.

Para a pesquisadora, foi interessante observar que diferentes mecanismos podem contribuir para a perda de membros. Nos lagartos, provavelmente, múltiplos caminhos evolutivos levaram a esse fenômeno.

Nas três linhagens de répteis sem membros analisadas, o conjunto de regiões regulatórias que sofreram mutações é relativamente diferente, indicando que não existe um único caminho evolutivo para a perda dos membros.

Tanto o trabalho atual como o anterior, sobre as serpentes, integram um projeto apoiado pela FAPESP no âmbito do Programa BIOTA e coordenado por Miguel Trefaut Urbano Rodrigues, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e coautor do artigo.

Parte da pesquisa foi realizada durante o pós-doutorado de Roscito, no IB-USP, e em estágio de pesquisa que ela realizou no Instituto Max Planck de Biologia Molecular Celular e Genética, também em Dresden.