Nanotubos de peptídeos. O nome parece um palavrão, mas uma pesquisa pioneira realizada pela Universidade Federal do ABC (UFABC) com essas pequenas estruturas pode trazer mais qualidade de vida para os cerca de 10 milhões de brasileiros que convivem diariamente com o diabetes e levam uma rotina repleta de agulhas e injeções. A intenção da universidade é se tornar, no futuro, um centro de referência no estudo desse tipo de nanotubo, não apenas no Brasil, mas também no mundo.
O responsável pela equipe interdisciplinar que desenvolve a pesquisa é o professor doutor Wendel Alves. Com ele estão sete alunos de mestrado e dois de doutorado, além de professores das áreas de física e ciências da computação, com seus respectivos orientandos.
O especialista explica que os nanotubos são estruturas formadas por aminoácidos, unidades que constituem as proteínas e suas subpartes. Eles se formam espontaneamente por meio da dissolução em solvente num tubo de ensaio, organizando-se de diferentes formas. A disposição varia conforme as condições de pressão, temperatura, PH (indicador de alcalinidade ou acidez) e o solvente utilizado. "Os nanotubos de peptídeo tem um poder agregador muito forte. Tentamos variar o solvente para conseguir dispersar e controlar melhor as partículas. Obtivemos resultados interessantes apenas substituindo a água por um solvente orgânico, a anilina", afirmou.
Quando a equipe conseguir controlar melhor a maneira como os nanotubos se organizam, será mais fácil trabalhar com as estruturas de acordo com o objetivo pretendido, que é construir um biosensor movido à eletricidade. Esse dispositivo conterá uma enzima imobilizada pelos nanotubos e incorporada a um eletrodo, que é capaz de fazer a leitura através de corrente elétrica. "Num cenário futurista, poderemos criar um dispositivo que será implantado sob a pele de um paciente com diabetes. Esse dispositivo medirá constantemente o índice de glicemia do sangue e, ao mesmo tempo, liberará insulina na corrente sanguínea do paciente. Tudo isso se comunicando via wireless. A única coisa que o paciente terá de fazer é "abastecer" a estrutura com insulina", prevê o especialista.
De acordo com o Ministério da Saúde, 50% dos diabéticos no Brasil sequer sabem que têm o problema. A doença aumenta em três a cinco vezes o risco de complicações cardiovasculares (infarto e isquemia cerebral) e é a 1ª causa de falência renal, cegueira, amputação e disfunção erétil, além dce diminuir a expectativa de vida em 5 a 10 anos.
PEPTÍDEOS X CARBONO
Os peptídeos são mais fáceis de produzir e mais baratos que os nanoltibos de carbono, mais estudados cm laboratórios, mas que não poderiam ser aplicados paia auxiliar no tratamento de diabetes por sua alta taxa de rejeição no organismo humano. Outra parte da pesquisa de Alves estuda a toxicidade dos peptídeos cm contato com os tecidos humanos e já alcançou bons resultados. "Como o peptídeo é um material biológico, a possibilidade de o organismo se adaptar a ele é muito grande", destaca.
Além disso, produzir nanotubos de peptídeos é relativamente mais simples, pois esse tipo de estrutura não necessita de condições específicas de pressão e temperatura, como acontece na produção de nanotubos de carbono. O problema encontrado pela equipe, porém, está na condutividade do material.
"Enquanto o nanotubo de carbono é condutor de eletricidade por excelência, o nanotubo de peptídeo é isolante. Queremos ampliar a condutividade para aproveitar a capacidade de encapsulamento das enzimas, que proporcionam a aplicação que desejamos", ressalta.
Esse é o grande desafio da pesquisa nesta fase, e os esforços interdisciplinares estão concentrados para alcançar o objetivo de aumentar a condutividade dos compostos.
TRABALHO EM EQUIPE
Os experimentos são realizados integrados ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INTC) de Bioanalítica, coordenado pelo químico Lauro Kubota, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Outro professor, Alexandre Reily Rocha, também da UFABC, fica a cargo dos estudos teóricos no laboratório.
Ainda não há previsão de quando o dispositivo poderá ser comercializado. Alves, no entanto, é otimista quanto ao avanço das pesquisas. "A vantagem de estar na UFABC é que podemos interagir com docentes de várias disciplinas. Estamos num centro onde há físicos, químicos e biólogos e assim conseguimos alcançar bons resultados, trabalhando em equipe", garante. A fala de Alves está alinhada à proposta da universidade de promover uma educação interdisciplinar, assim como se apresenta atualmente o mercado de trabalho.
A pesquisa começou efetivamente em 2008, com a aprovação do projeto pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), mas os estudos foram iniciados ainda em 2006, logo que a UFABC foi inaugurada na Região. "Nossa equipe tinha projeto aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) na área de nanotecnologia que foi um dos primeiros incentivos que o governo federal deu à universidade. Como já tinha alguns resultados preliminares, foi mais fácil conseguir o patrocínio da Fapesp", relembra Alves.
Os primeiros frutos foram colhidos este ano, quando a equipe conseguiu emplacar cinco artigos relacionados ao assunto em publicações científicas. Trata-se do primeiro grupo no País que desenvolve as pesquisas com os nanotubos de peptídeos voltados à fabricação de biosensores.