Mais de 250 empreendedores de diversas localidades do Estado de São Paulo lotaram, na última quarta-feira (29/06), o auditório da FAPESP para esclarecer dúvidas e receber informações mais detalhadas sobre como elaborar melhor seus projetos para obter apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. Eles participaram do “Diálogos sobre Apoio à Pesquisa para Inovação na Pequena Empresa”.
O alto número de empreendedores participantes do evento, promovido pela FAPESP em parceria com o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) e o Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo (Simpi), é mais um de uma série de sinais que Ronald Martin Dauscha tem identificado de um aumento na disposição de empreendedores de criar pequenas empresas de base tecnológica (startups) no país.
Presidente do Centro de Inovação, Educação, Tecnologia e Empreendedorismo do Paraná (Cietep) da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP) e membro da Coordenação de Área Pesquisa para Inovação da FAPESP, Dauscha avalia nesta entrevista, concedida à Agência FAPESP, o atual cenário de apoio à inovação em micro e pequenas empresas no país.
Dauscha conhece bem os desafios que se colocam para empresas e empreendedores. Foi diretor de Inovação e Tecnologia do grupo Siemens e presidiu a Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei), entidade da qual hoje é diretor. Nessa entrevista, Dauscha analisa a importância da interação das grandes empresas com as startups e obstáculos que essas pequenas empresas de base tecnológica têm que enfrentar para viabilizar suas ideias de negócios.
Agência FAPESP – Quais os principais desafios para as micro e pequenas empresas inovarem no Brasil?
Ronald Dauscha – Há dois grandes desafios. Um deles é o capital. A gente acha que tendo a ideia, o produto – que pode ser uma molécula ou um aparelho montado em uma bancada – é o suficiente, e muitas vezes não é. É preciso aprimorar, embalar, ter um sistema de vendas, replicar e produzir. E, para isso, é preciso capital, não só para pesquisa, mas para desenvolver e depois viabilizar a ideia. Outro aspecto é aprender a fazer negócios. Muitas vezes os sócios iniciais de uma micro e pequena empresa nascente de base tecnológica são muito bons no desafio tecnológico que pretendem resolver, mas não têm ideia de como abordar, como identificar quais são seus verdadeiros clientes e seu mercado, como fazer seu produto chegar até o seu cliente e como comunicar.
Agência FAPESP – Essas empresas nascentes de base tecnológica no Brasil contam com apoio para superar esses desafios?
Dauscha – Há um movimento de apoio à inovação em pequenas empresas e várias instituições têm lhes oferecido ajuda. Sem dúvida, uma das instituições mais fortes e focadas nisso é a própria FAPESP, que tem um programa de apoio à inovação em pequenas empresas – o PIPE – muito bem planejado e desenhado. Por meio do PIPE, as empresas podem receber apoio em três fases, sendo a terceira de apoio à comercialização, de introdução do produto no mercado. O PIPE é um dos melhores programas que se têm no Brasil para ajudar startups a dar um salto e passar pelo “vale da morte”, que é fazer, desenvolver, provar que funciona, pesquisar e ter um produto. Também existem outras entidades que ajudam aqueles com ideia de negócio a realmente se tornar um empreendedor, como a Endeavor, além de uma série de incubadoras ou aceleradoras que recebem essas empresas iniciantes e ajudam a formatar suas propostas de negócios para prepará-las para o mercado. A própria FAPESP recentemente realizou uma iniciativa interessantíssima, chamada “FAPESP-PIPE High-Tech Entrepreneurial Training Program”, em que fui um dos mentores de uma das 21 empresas participantes, que já tinham sido aprovadas na fase 1 do PIPE. Essas empresas já tinham bem claro o que pretendiam fazer, mas o contato com professores da George Washington University e com mentores do treinamento permitiu que abrissem a cabeça e algumas delas perceberam que tinham um produto e estavam no mercado errado, que o produto estava com um tamanho errado ou que seu canal de vendas estava errado. A Anpei também tem programas de apoio voltados às startups. Hoje, 30% das associadas à Anpei são pequenas empresas.
Agência FAPESP – Na sua opinião, por que vem crescendo o número de startups no país?
Dauscha – O número de micro e pequenas empresas de base tecnológica cresce não só por necessidade, mas por vocação. Quando eu dava aulas em cursos de engenharia e perguntava para os alunos quantos queriam ser empresários, só um ou outro levantava a mão. Hoje, metade da classe levanta a mão. Há uma tendência cada vez maior das pessoas de querer empreender. E isso tem relação, também, com as chamadas gerações Y e Z que não se enxergam trabalhando no governo ou em uma grande empresa, mas realmente querem ser donas de seu próprio nariz, fazer seus próprios planos e atingir seus ideais. Isso representa uma mudança muito positiva e a FAPESP desempenha um papel preponderante nesse aspecto [de estímulo ao empreendedorismo]. A reunião do PIPE, hoje, nunca esteve tão cheia e acho que não atendemos nem metade das perguntas. Então, há uma evolução bem clara no Brasil, que está um pouco atrasada em relação ao resto do mundo, mas que claramente está acontecendo.
Agência FAPESP – O que falta avançar no Brasil em termos de articulação dos esforços para estimular a inovação nas micro e pequenas empresas?
Dauscha – Embora tenhamos instituições como a FAPESP e também em nível nacional há uma série de órgãos ligados à inovação, como o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – que agora foi fundido com o Ministério das Comunicações –, além do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), a ABDI [Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial], o CGEE [Centro de Gestão e Estudos Estratégicos], a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] e o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], eu acho que talvez um aspecto que precisa ser trabalhado no Brasil é ter sinergia e orientação únicas de todos esses atores realmente focada para inovação nas pequenas empresas. É importante que tenha essa sincronia. O segundo aspecto é que o capital de risco ainda está voltado para empresas com tamanho maior e longe das empresas nascentes. Os fundos de investimentos ainda veem o Brasil como um risco muito grande. Aquela conta que se faz nos Estados Unidos e em outros países, de que, a cada US$ 100 investidos, US$ 98 não vão dar resultado, mas os US$ 2 que sobraram podem dar um retorno infinitamente maior do que o que foi investido, não é feita aqui. Há um pouco de aversão ao risco no Brasil, até pelo histórico econômico, pelas nossas crises e flutuações. Apesar de termos parques tecnológicos, incubadoras, aceleradoras e programas como o PIPE, ainda não temos fundos de capital de risco olhando para pequenas empresas no Brasil. Mas isso é uma questão de maturidade, que vai aparecer à medida que criarmos uma massa crítica destartups. Talvez tenhamos que ter uns três, quatro ou cinco casos de sucesso mundiais para os fundos de investimento olharem para cá também e criarem um modelo de negócios percebendo que há um risco, sem dúvida, mas que é preciso saber escolher e acompanhar as que têm maior potencial de crescimento. Talvez seja preciso criar um órgão para dar consultoria e avaliar as melhores e acompanhar, orientar por um período como há nos Estados Unidos, onde existe um órgão voltado exclusivamente para apoiar pequenas empresas. Aí eu acho que vai crescer a oferta de capital de risco para essas pequenas empresas nascentes, que ainda é bem incipiente.
Agência FAPESP – Como as grandes empresas no Brasil têm olhado para as startups?
Dauscha – Temos casos isolados [de interação de grandes empresas com startups no Brasil]. Eu trabalhei muitos anos para uma grande empresa, que é a Siemens, e criamos no Brasil várias iniciativas para detectar, atrair e selecionar e, de repente, incorporarstartups ou até deixá-las fora, mas com um certo acompanhamento para que, à medida que crescerem, se tornem nossas parceiras principais. Mas no Brasil também há outros exemplos. Tem a Vivo, o Bradesco, com o InovaBra. Talvez tenhamos um conjunto de 10 ou 15 empresas que têm programas claros de fomento às startups em relação à organização dessas empresas. Mas ainda não é um padrão. [A interação com startups] é uma forma ideal de complementar o portfólio das grandes empresas. Mesmo porque as empresas têm uma evolução cultural. Elas começaram pequenas também, quase como startups, e arriscaram bastante ao longo de suas trajetórias. Como ficaram maiores, a incorporação de novas ideias geradas internamente demora para ser aceita ou transformada em produtos, porque passa por um processo que leva tempo para ser implantado e isso acaba inibindo a inovação. Então muitas empresas no mundo enxergam a necessidade de olhar as startups e seu entorno como uma forma de compensar esse processo lento de decisão que é natural. Uma pessoa aos 45 anos é diferente de quando tinha 20 anos. Ela tem outros padrões de decisão e assume outros riscos. A empresa também. Por isso, as startups representam uma forma de complementar sua inovação, que já é aberta hoje. As grandes empresas fazem inovação com as universidades, com seu fornecedor e até com concorrentes em uma fase pré-competitiva. Mas, para que esse processo de inovação aberta seja completo, as grandes empresas têm que enxergar realmente que devem olhar muito fortemente esse mercado das startups, das empresas com tecnologias emergentes. E há várias formas pelas quais podem interagir com as startups. Elas podem comprá-las, acompanhá-las ou fazer uma parceria. E isso é uma tendência mundial. As startups já fazem parte do conceito moderno de inovação e no Brasil também estão em crescimento.
Agência FAPESP – Por que, no Brasil, as empresas ainda são pouco inovadoras?
Dauscha – Isso está muito relacionado com os ciclos de crise e indefinições econômicas e políticas do país. Isso faz com que as empresas tenham preocupação de sobreviver até amanhã. As decisões sempre são para o curto prazo. Tanto que é muito comum que, em momentos de crise econômica, como agora, as empresas até reduzam suas áreas de pesquisa e desenvolvimento e inovação porque representam um custo e elas acham que já tem um portfólio de produtos consolidados e os novos podem esperar um pouco. Mas é o contrário: tem que ser anticíclico. Isso é uma característica cultural e, com isso, não se pensa tanto à frente, seja nas empresas ou no governo. No nível governamental, foi criado há muitos anos o CGEE, exatamente para pensar quais são as novas tecnologias, novas linhas, novos mercados e o que o mundo está pensando de novas soluções, por exemplo. A Casa Civil também teve pessoas para estudar quais seriam os rumos estratégicos do Brasil. Mas ainda não há, no país, uma cultura de aproveitar essa competência e achar que isso é importante, como na Coreia do Sul, que decidiu por duas linhas de desenvolvimento. Até 1960 a Coreia do Sul tinha indicadores iguais ou piores que o Brasil. Por meio de um projeto sistemático e estratégico eles deram a volta por cima. Vieram nos visitar, inclusive, na década de 1960 e 1970, conheceram a Finep e outros órgãos. Então, o baixo nível de inovação no país tem muito a ver com a visão de curto prazo e com isso escapam as oportunidades. Hoje, você tem condições de ter monitores de busca estratégicos, como o CGEE tem, para ver onde estão os polos de desenvolvimento, em que lugares ou quais tecnologias estão crescendo rapidamente e vão se tornar futuramente tecnologias de ponta como, por exemplo, a inteligência artificial. Finalmente, depois de muitas décadas, a inteligência artificial atingiu um nível de desenvolvimento que pode realmente substituir um grande número de pessoas e muitos trabalhadores que executam atividades que requerem raciocínio. Essas pessoas poderão ser substituídas por computadores, como trabalhadores foram substituídos por robôs com o advento da automação. E essas coisas poderiam ser vistas com mais antecipação.
Agência FAPESP – Além dessa visão mais imediatista, que outras mudanças culturais devem ser feitas para aumentar o nível de inovação nas empresas?
Dauscha – A inovação é um trabalho conjunto. As pessoas têm que deixar de trabalhar em feudos, tem que conversar e reconhecer que possuem uma determinada competência, mas não outras, que poderiam ser trocadas com seus próprios competidores dentro de uma cadeia de produção. A participação das empresas em cadeias de produção permite ganhos enormes, porque possibilita que sejam subfornecedoras de uma área ou de uma linha tecnológica, por exemplo.
Agência FAPESP – Por que ainda temos tão pouco exemplos de empresas brasileiras inovadoras mundialmente?
Dauscha – Isso tem um pouco de relação com o boom econômico recente que tivemos, com um mercado interno muito promissor, que fez com que as empresas não quisessem surfar em águas complexas. O mercado internacional envolve muitos aspectos de comercialização, questões jurídicas e outros pontos mais complicados que precisam ser desenvolvidos e não simplesmente criar uma solução e vender com nota fiscal com tudo pronto. E há também um certo complexo de inferioridade de não imaginar que podem vender para o mundo inteiro e de nem sonhar que podem ser empresas globais. Isso é ruim porque em muitas decisões que são tomadas inicialmente se abre mão de uma série de possibilidades. Por isso, os exemplos que temos de inovação global ainda são de aplicativos e softwares, que são negócios que exigem investimento relativamente pequeno. Eles são criados por pessoas em uma faixa etária até 30 anos, em que o maior investimento delas é tempo. Mas o próximo passo deverá ser desenvolver soluções que envolvam um pouco mais de hardware ou algum tipo de modelagem, por exemplo, que envolvam outros temas e tipos de serviços.
Agência FAPESP – O senhor atualmente é presidente do Cietep, da Federação das Indústrias do Estado do Paraná. Quais são os objetivos desse Centro?
Dauscha – A ideia do Cietep é oferecer uma série de competências necessárias para as empresas desenvolverem seus negócios. Nós oferecemos um centro de design, uma área de fomento – tanto de investimentos como de fundos não reembolsáveis –, além de soluções muito específicas, como em matemática industrial, por meio da qual é possível modelar alguns processos industriais e otimizá-los ou automatizá-los. Além disso, também temos no centro observatórios da indústria, onde fazemos workshops por segmentos ou por regiões para levantar uma série de dados de tendências de mercado, por exemplo. Empresas de qualquer porte podem chegar lá e ter suporte naquilo que precisam ou até nem sabem que precisam. Oferecemos também consultoria em inovação, em que auxiliamos a empresa a fazer diagnósticos de mercado e de serviços que oferecem. Com isso, elas podem melhorar muito seus serviços, vendê-los de outras formas, com outros modelos de negócios. O Centro foi uma ideia da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para que as federações estaduais aumentassem seu apoio à inovação no setor.