No Brasil existem cerca de 15 milhões de asmáticos dependentes de medicamentos para respirar. Muitos vivem em grandes cidades, onde a poluição atmosférica agrava e torna mais frequente a falta de ar. Para eles, não há alternativa para amenizar as crises senão recorrer a comprimidos, inalações ou bombinhas com broncodilatadores, muitas vezes associados aos perigosos corticoides.
Mas há perspectivas de dias melhores. E o novo fôlego vem de uma fonte inusitada: um peixe tropical de 14 centímetros, nativo do Nordeste brasileiro, venenoso e de aspecto esquisito, popularmente chamado de niquim, peixe-pedra, peixe-escorpião ou, para os cientistas, Thalassophryne nattereri.
Habitante de estuários e da orla marítima, o niquim costuma permanecer imóvel em águas rasas, em fundos de areia ou lodo. Facilmente confundido com uma pedra, acaba causando acidentes com seu eficiente sistema de defesa: um tipo de ``ferrão`` ou ``espinho`` na base da nadadeira dorsal, conectado a uma glândula cutânea de veneno. Se ele for pisado, o veneno é injetado por pressão, causando dor, queimação, inchaço, inflamação e uma necrose muito precoce. O ferimento ainda custa a cicatrizar.
``Os acidentes são muito comuns entre catadores de mariscos e membros de comunidades de pescadores na Bahia, Alagoas, Sergipe, Ceará e Pará``, comenta Mônica Lopes Ferreira, pesquisadora do Laboratório Especial de Toxinologia Aplicada (LETA), do Instituto Butantan. ``Mas, para nós, tanto o veneno como o muco que reveste a pele desses peixes - assim como das arraias do Tocantins - são fontes de pesquisa, dada a possibilidade de encontrarmos proteínas inéditas entre as toxinas e os compostos ali presentes``.
Mônica destaca como exemplo a proteína isolada no veneno do niquim chamada de nattectina. Trata-se de uma lectina tipo C, quer dizer, uma proteína de ligação de carboidratos, particularmente interessante por suas características biológicas, farmacológicas e bioquímicas. ``A nattectina tem ação anti-inflamatória nos casos de inflamação pulmonar, porém sem o efeito colateral dos corticoides``, explica a pesquisadora. ``Acreditamos que ela pode agir tanto no sentido de impedir que o asmático entre em crise como para tirar o paciente da crise``.
A equipe do Butantan trabalha ``de mangas arregaçadas``, em parceria com um laboratório comercial e com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com o objetivo de colocar rapidamente no mercado um medicamento feito com a nova proteína. ``Mas ainda precisamos fazer os testes clínicos, que levam de um a três anos, e precisamos produzir a nattectina em larga escala para obter este medicamento a um custo acessível``, lembra Mônica Lopes Ferreira.
O LETA também desenvolve um soro para os acidentados, pois o tratamento com analgésicos ou anti-histamínicos não funciona contra os efeitos do poderoso veneno do niquim. Nos casos mais graves, as vítimas têm, inclusive, a perna atrofiada e perda de função.
Como se costuma dizer, a dose certa diferencia o veneno do remédio. E aqui vale acrescentar: a pesquisa certa diferencia os supostos vilões da biodiversidade útil...