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Jornal de Piracicaba online

Pego na mentira

Publicado em 05 fevereiro 2008

Por Milton Martins

Há uns dois meses ao responder a uma pergunta em entrevista à TV Bandeirante sobre a devastação que se dava na Amazônia, fugindo de modo claro de uma resposta séria, Lula respondeu que a derrubada das árvores se dava por moradores da região que não tinham outro meio de subsistência.

A evasiva me estarrecera, em primeiro lugar porque fora um voto de tolerância à devastação que de modo criminoso vem sendo praticada naqueles Estados amazônicos onde a lei é mera questão de conveniência, verdadeiras "terras de ninguém" e, em segundo lugar, a total indiferença com que o presidente da República pensava sobre questão que o mundo todo se volta preocupado.

Não foi surpresa para mim o anúncio recente de que a taxa de desmatamento disparara em 2007, algo em torno de 11 mil quilômetros quadrados de agosto de 2006 a julho de 2007 a despeito das informações oficiais do governo brasileiro à comunidade internacional dando conta da diminuição da devastação.

Em outubro já percebera essa triste realidade, quando eram imensas as queimadas que se davam na região e me queixara em artigo que assunto dessa relevância não fora levantado perante o presidente da República em entrevista no exterior, porque a imprensa se desviava, então, para os desdobramentos do adultério de Renan.

A ministra Marina Silva, que no passado criticara pela sua submissão à indiferença dos próceres mais chegados a Lula e que hoje esbraveja de modo muito convincente, explicou "que já é possível dizer que o aumento do preço da soja, o avanço do gado na Amazônia e a derrubada das árvores para as siderúrgicas de ferro-gusa são as causas principais do desmatamento", nos Estados de Mato Grosso, Rondônia e Pará.

Era esperado que ao nomear os Estados infratores, sairia o Planalto, sempre contemporizando, naquela linha de omissão do "deixa como está", emitindo nota que não era hora de criticar, mas de encaminhar soluções.

Enquanto isso, o jornal inglês "The Guardian", apontando a mentira do Brasil de comemorar a diminuição da devastação na Amazônia, noticiara com elementos colhidos por seu repórter e membros do Greenpeace que sobrevoaram a região que "no Mato Grosso, havia vastas áreas de terra mexida, abrindo o caminho para plantações de soja. A paisagem estava coberta de árvores caídas, queimadas como palitos de fósforos. No Pará uma teia de estradas de terra ilegais era visível passando por áreas relativamente intactas de floresta em direção às áreas abertas recentemente".

Há que considerar, de lado do absurdo da utilização de madeira para sustentar usinas de ferro-gusa em pleno século 21, que a conjugação de soja e pasto é realmente desastrosa. O "maior rebanho bovino do mundo", que por suas toneladas de excreções contaminam o ambiente e participam do aquecimento global, em boa parte é sustentado por rações em cuja composição entra o farelo de soja. Nessa conformidade, a soja tem mercado certo, não fosse por muitas outras múltiplas receitas, também para sustentar esses milhões de animais.

E essa possibilidade de lucro permanente se amplia com o biocombustível também à base de soja tão comemorado pelo governo. Esse produto está sendo misturado ao óleo diesel, devendo chegar a 5% em 2012. Ora, cada vez mais imensas áreas amazônicas serão devastadas exatamente para atender à essa demanda crescente.

E se instala uma polêmica nessa terrível perspectiva no que se refere ao biodiesel derivado da soja. O engenheiro Luiz Augusto Horta Nogueira, professor titular da Universidade Federal de Itajubá e consultor da Organização das Nações Unidas que participou em dezembro passado no Rio de Janeiro do simpósio Energia Brasil promovido na sede da Academia Brasileira de Ciências, assim se posicionou:

"O biodiesel que temos hoje no Brasil provém em 80% da soja e será uma pena levar adiante um programa de biocombustível usando essa planta. A baixa produtividade por hectare e a baixa produtividade de energia por energia investida são os maiores problemas para a sustentabilidade desse programa. Se fizermos biodiesel de uma palma de dendê, teremos produtividade dez vezes maior do que a da soja e um consumo de energia três a quatro vezes mais baixo" — Agência Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Em poucas palavras, até mesmo a soja como fonte do biocombustível pode ser um equívoco, cujo cultivo tem ajudado a devastar a Amazônia. Não há como esconder, o mundo está preocupado com a Amazônia como fonte de oxigênio e que ainda mantém o equilíbrio climático do planeta.

Continuando a absoluta incompetência do país em preservá-la não se admirem se começar pressão séria em médio prazo para sua internacionalização ou a designação de forças internacionais para coibir os criminosos que a devastam e omissos que possibilitam essas ações.

Quanto a mim, a permanecer esse estado de coisas, perdoem os patriotas, serei o primeiro da fila a votar por essa solução. É que estou preocupado com meus descendentes.


Milton Martins é advogado