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Direto da Ciência

‘PEC desvinculou tudo’, diz Alckmin sobre recursos de estados para educação (1 notícias)

Publicado em 17 de janeiro de 2017

Por Maurício Tuffani

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou na segunda-feira (16) que não estão mais vinculados os recursos previstos na Constituição do Estado por meio de percentuais. A Carta paulista estabelece, por meio de seu artigo 255, a destinação de 30% da receita de impostos para o ensino e, em seu artigo 271, o repasse de 1% dessa arrecadação para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

A afirmação do governador foi feita na capital paulista durante seu pronunciamento na cerimônia de transmissão do cargo de reitor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que passou a ser dirigida pelo professor Sandro Valentini.

Desde a semana passada, Alckmin foi criticado por ter sancionado a Lei do Orçamento do Estado de 2017 sem ter vetado a alteração, aprovada por 55 dos 64 deputados estaduais, que reduziu em R$ 120 milhões do repasse de cerca de R$ 1,117 bilhão para a fundação, previsto no próprio projeto de lei encaminhado pelo governo.

Mencionando erroneamente a sigla “PEC” — proposta de emenda à Constituição – à emenda constitucional nº 93, que foi promulgada pelo Congresso Nacional em 8 de setembro do ano passado, Alckmin afirmou:

"“Tá” tudo desvinculado com a PEC. A PEC desvinculou tudo, não tem vinculação “pra” nada. É tudo agora no orçamento. Nós vamos manter. São Paulo vai continuar investindo, único no Brasil, mais de 30% em educação."

Direto da Ciência questionou o governo sobre essas afirmações do governador. Em resposta, o Palácio dos Bandeirantes respondeu que a citada emenda à Constituição Federal “prorroga a desvinculação de receitas da União e estabelece desvinculação de receitas dos Estados.” No entanto, a EC 93 manteve as vinculações de recursos para saúde e educação para as unidades da federação, como mostra a transcrição a seguir.

"Art. 2º. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 76-A e 76-B:

“Art. 76-A. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2023, 30% (trinta por cento) das receitas dos Estados e do Distrito Federal relativas a impostos, taxas e multas, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais, e outras receitas correntes.

Parágrafo único. Excetuam-se da desvinculação de que trata o caput:

I – recursos destinados ao financiamento das ações e serviços públicos de saúde e à manutenção e desenvolvimento do ensino de que tratam, respectivamente, os incisos II e III do § 2º do art. 198 e o art. 212 da Constituição Federal;"

Direto da Ciência voltou a questionar o governo de São Paulo, observando essas exceções à desvinculação de recursos por meio da emenda constitucional nº 93. A resposta foi que como dito pelo governador e na nota enviada incialmente, “São Paulo vai continuar aplicando acima dos porcentuais mínimos exigidos”.

Novas críticas

Por não ter vetado a redução do repasse à Fapesp, Alckmin recebeu críticas na semana passada em nota da diretoria da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp) e em carta dos presidentes da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Ontem, o Jornal da Ciência, editado pela SBPC, publicou o artigo “Um ataque ao patrimônio paulista: inconstitucionalidade da emenda que determina a dotação da Fapesp”, do químico Herman Chaimovich, ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que deixou o cargo em novembro. No texto, o pesquisador afirmou:

"O governo deve achar que a dotação constitucional da Fapesp é excessiva. Como publicado em 27 de abril de 2016, o governo declara que a Fapesp “vive numa bolha acadêmica desconectada da realidade, financia estudos que muitas vezes não tem nenhuma serventia prática e gasta sem orientação maior”. Desconexão patológica da realidade é desconhecer o papel da Fapesp na formação de pessoal qualificado, o impacto intelectual, a os resultados sociais e econômicos das pesquisas financiadas pela Fundação. É provável, também, que fontes governamentais acreditem que o projeto de desenvolver a teoria da relatividade geral não deveria ter merecido apoio da Fapesp."

Outra crítica ao governador em relação ao orçamento da fundação foi feita pela Folha de S. Paulo na edição de hoje em seu editorial “Alckmin contra a Fapesp”. Referindo-se à mesma avaliação por parte do governo mencionada por Chaimovich, o jornal afirmou:

"Numa reunião de seu secretariado, em abril do ano passado, [o governador Geraldo Alckmin] havia criticado a suposta ausência de utilidade prática nos estudos financiados pela Fapesp.
Parece ser essa a visão míope a motivar a manobra da Assembleia. E nada acontece ali sem conhecimento e anuência do Bandeirantes."

Outro lado

Na mesma nota na citada resposta a Direto da Ciência, o governo afirmou que parte dos recursos destinados à Fapesp terá como destino os institutos de pesquisa, ou seja, “permanece atendendo ao interesse do desenvolvimento das pesquisas no Estado”, e que a fundação tem em caixa R$ 593,3 milhões para serem aplicados em pesquisas.

O governo afirmou ainda que a emenda ao orçamento da Assembleia Legislativa não foi uma ação da Liderança do Governo, mas de líderes partidários que representam 64 deputados da Casa.

A resposta do Palácio dos Bandeirantes afirmou também:

"No que diz respeito à Fapesp, não ocorreu diminuição do porcentual da arrecadação destinado à fundação.
O artigo 271 da Constituição Estadual assegura 1% de repasse para Fapesp. O parágrafo único deste artigo é claro ao determinar que o cálculo desta porcentagem não é feito em cima da receita bruta, mas descontando os repasses municipais (25% ICMS e 50% IPVA). A receita orçamentária a ser considerada é de aproximadamente R$ 111 bilhões. O repasse de R$ 1,2 bilhão, portanto, está acima do previsto na Constituição."

No entanto, a nota se refere erroneamente como repasse do governo estadual ao valor de cerca de R$ 1,2 bilhão. Essa cifra não é o repasse para a Fapesp de recursos originados da receita tributária do estado. Na verdade, esse valor na lei aprovada corresponde aproximadamente ao total da dotação orçamentária para a fundação, que compreende também cerca de R$ 175,4 milhões de recursos próprios da instituição e R$ 52,2 milhões de repasses federais.

Outro aspecto a estranhar nessa resposta é que ela, se fosse correta, implicaria que o projeto de lei orçamentária, de autoria do próprio Executivo, teria sido elaborado equivocadamente pela Secretaria de Planejamento e Gestão do governo. Nesse caso, os deputados teriam consertado uma grande falha da equipe do governador. O quadro a seguir mostra o que teria sido essa correção, destacando a diferença entre os valores.

Além disso, se fosse correta essa resposta do governo, o repasse à Fapesp teria sido calculado errado para o exercício de 2016 sem ter sido “corrigido” pelos deputados. É o que se conclui da comparação desses números discrepantes entre o que foi proposto e o que foi o aprovado para 2017 com os do projeto de lei e os da lei do Orçamento do Estado anterior, ou seja, para 2016, que não foram alterados, como mostra o quadro a seguir.

Ainda mais considerando que as receitas previstas para esses dois exercícios tiveram valor próximos, que foram R$ 152.489.461.591 para 2016 e R$ 151.298.242.375 para 2017.

Em outras palavras, se para 2016, com cerca de R$ 152,5 bilhões de arrecadação tributária prevista, o repasse estadual para a Fapesp foi de R$ 1,126 bilhão, é muito estranho que para 2017, com a previsão de R$ R$ 151,3 bilhões para essa receita (0,79% menor), o repasse “corrigido” pelos deputados seja tão desproporcionalmente inferior, de R$ 996,7 milhões (11,5% menor).