Notícia

Gazeta Mercantil

PAUL VIRILIO E A DEUSA TECNOLOGIA

Publicado em 17 maio 1996

Paul Virilio é o Nietzsche que falava à World Wide Web. Urbanista, sociólogo, pensador crucial da velocidade contemporânea, autor de clássicos como "A Estética do Desaparecimento", "Horizonte Negativo" e "A Arte do Motor", Virilio é o vírus ideal capaz de provocar um desastre espetacular na autoestrada digital. Senhores, reduzam a velocidade. Até mesmo parem para pensar, 11 milhões de americanos cerca de 5% da população - cruzam todo dia a web. A Internet faz sonhar as grandes cidades da Ásia e da América Latina. A maioria absoluta dos surfistas é, observa gráficos ou manda e-mail. E só: Mas breve compras online deverão superar métodos standard via telefone ou mail order. Até o final do ano a Sony lança seu PC interativo. A Internet está a ponto de se tornar pouco mais do que uma asseptizada rede de controle - o bazar eletrônico eliminando o fórum de idéias. Pouquíssimos em qualquer latitude debatem as virtuais implicações da vida virtual. Virilio acaba de lançar na França "Cybermonde-La Politique du Pire" - um livrinho de pouco mais de 100 páginas onde denuncia os limites da única deusa que restou neste vale de lágrimas - a Tecnologia. Virilio não posa de Cassandra bissexta. Nem treme frente às maquinações de um impalpável Grande Irmão. Utilizando um tema próximo à História francesa, Virilio encarna a Resistência, frente ao que qualifica de "ocupação" da mídia - ou seja, sua hegemonia. Pergunta-se se a Hegemonia multimídia não será ainda mais impenetrável. Virilio acredita que o futuro cidadão do mundo será sem dúvida configurado pela disseminação da informação mundial. Mas alerta que ainda não chegamos a este estágio. Bombardeados de informação, ainda não passamos de um conjunto de aldeias de alienados high-tech. Virilio qualifica-se como uma "crítico de arte das tecnologias". O que lhe irrita é a tecnologia erigida como máquina de propaganda - algo que poderíamos caracterizar como a Síndrome Microsoft Por um acidente histórico - uma bobagem da IBM - a Microsoft tornou-se o Leviatã que conhecemos. Não por acaso o quinzenal "New York Observer" - o mais inteligente jornal americano - publicou uma crônica há alguns meses onde afirmava se que o grande perigo para a América não era o Unabomber, mas Unabill. Bill Gates, claro, um homem cujo plano é pura dominação mundial. No meio de tanta história publicitária, Virilio recoloca as coisas no lugar. Demonstra por um lado como a globalização econômica leva corporações a magnificar sua estratégias publicitárias. E demonstra por outro lado como a evolução da informática não pode ser compreendida fora da evolução da estratégia militar americana. Virilio alerta que esta união de super-propaganda com militarismo converge para a idolatria da máquina: um passo além, e caímos no abismo da catástrofe social. Virilio lembra que a Internet faz parte de um gigantesco sistema, interligada ao que chama de Ministério da Informação Mundial: a NSA, National Security Agency americana, que filtra todas as ondas radio-elétricas do planeta. Assim, a disseminação da Internet estaria funcionando como uma espécie de porta de entrada para a futura autoestrada da informação esta sim, capturando tudo e todos como uma gigantesca teia de aranha. A Internet não passaria de um anúncio publicitário. De um ponto de vista político, o julgamento de Virilio é cruel. Para ele, todas as tecnologias eletrônicas são ferramentas de condicionamento. Não existe democracia eletrônica: ela é antitética à democracia participativa. A crítica de Virilio converge em parte com o trabalho do guru do management Neinichi Ohmae, que em "The End of the Nation State" anuncia que a Nação-Estado é.um fóssil, já ultrapassada por muito mais eficazes regiões-Estado. Virilio é mais radical: para ele, estamos regredindo às tribos, a meros grupos de pressão. Virilio também desenvolve a fascinante tese de que cada grande cidade hoje é um quarteirão de uma hipercidade, enquanto cidades comuns não passariam de meras periferias um interminável Terceiro Mundo. Este é a sensação habitual de quem vive em viagens transoceânicas. Bangcoc, Cingapura, Nova York, Paris são a mesma hipercidade. O norte do Vietnã - à margem das minivans turísticas - é a Grande Aventura. Este plasma significa que todos nós já somos cidadãos do mundo? Nem tanto. Virilio pergunta-se se ò mundo pode praticar uma só língua-e se isso é desejável O Cato è que à língua inglesa já é o esperanto, mas apenas do ponto de vista de uma ferramenta. O inglês não é interiorizado pelas populações que o praticam; o fenômeno pode ser facilmente observado em Cingapura, Hong Cong ou no Oriente Médio. Toda a crítica de Virilio é direcionada a seu fundamental tema de estudo: espaço-tempo. A tecnologia eletrônica nos arremessou à tamanha velocidade que perfuramos á barreira do espaço-tempo. A viagem, agora, é virtual. Para que viajar se se pode apenas clicar um mouse? O efeito inevitável deste processo é ai inércia, e a configuração, segundo Virilio, deste novo ser humano, o "inválido bem-equipado". Virilio diz que gerações futuras poderão ver o mundo reduzido a absolutamente nada. Serão prisioneiras de uma tela. E não haverá para onde escapar. Válidos inválidos, larguem as telas, limem seu francês e mirem-se nos alertas do cybermundo de Virilio.