Em entrevista ao podcast Prato do Dia, docente Eduardo Romero de Oliveira fala do rico legado de trilhos, trens e estações que São Paulo herdou de seu passado cafeeiro, e dos desafios para conservar e ressignificar esses equipamentos, que seguem inspirando a busca de alternativas mais sustentáveis para o transporte coletivo.
Em seu clássico poema “Trem de Ferro”, Manuel Bandeira, um dos expoentes do Modernismo, imortalizou a experiência de viajar a bordo de um comboio no Brasil das primeiras décadas do século passado. Mais do que apenas um sistema de transporte, os trens representavam a modernidade de um país em transformação, que se reconfigurava por meio do avanço da indústria e da expansão urbana. Em outubro deste ano, a descoberta de uma locomotiva enterrada em meio às obras para a construção de uma ponte ligando os bairros de Pirituba e da Lapa, na cidade de São Paulo, trouxe à tona não apenas um achado arqueológico, mas um lembrete da importância de compreender o papel que a infraestrutura ferroviária desempenhou para o desenvolvimento da cidade e do estado.
Um dos maiores estudiosos desse tema é Eduardo Romero de Oliveira, docente da Faculdade de Ciências e Letras do câmpus de Assis da Unesp. Em entrevista ao podcast Prato do Dia, uma produção da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Universidade, ele discorreu sobre seus estudos acerca do patrimônio ferroviário que o estado de São Paulo abriga, e o valor que a sociedade atribui a ele.
Desde 2009, Eduardo Romero de Oliveira coordena o projeto Memória Ferroviária, que, com apoio da FAPESP, reúne um grupo interdisciplinar de pesquisadores para investigar diferentes aspectos desse patrimônio. Ele enfatiza que, para além de uma simples análise de trilhos e locomotivas, a pesquisa vê nesse material um valioso recurso para entender o que se passava no país em um determinado período da história. “As ferrovias brasileiras oferecem um retrato da história social e econômica brasileira”, explica.
Isso é especialmente verdadeiro para São Paulo, onde foram essenciais para o escoamento da produção agrícola. Em especial, para a produção cafeeira, produto responsável por impulsionar sua economia nos séculos 19 e 20. “Locais como a Vila de Paranapiacaba, no ABC paulista, ilustram o impacto que o sistema ferroviário exerceu sobre a infraestrutura urbana no século 19”, diz o docente.
A preservação desses locais, no entanto, enfrenta desafios significativos. Segundo dados do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), existem cerca de 600 itens ferroviários em todo o Brasil, e São Paulo possui 55 estações ferroviárias preservadas. O estado desses itens, contudo, varia consideravelmente. Segundo o pesquisador, os custos da conservação de material industrial são elevados e isso impede a manutenção adequada. “Quando pesquisamos o transporte ferroviário, estamos analisando toda a estrutura envolvida. Manter essa infraestrutura significa preservar o patrimônio, o que é muito mais complexo do que simplesmente conservar as locomotivas”, diz o docente.
O uso econômico dessa infraestrutura, especialmente para a atividade turística, é um caminho viável para a preservação. A cidade de Paranapiacaba, por exemplo, tornou-se um destino popular, combinando história e lazer. Mas, como o professor ressalta, a proteção legal por si só não assegura a conservação, “Dizer que você vai guardar uma coisa, enfiá-la no armário, não garante que ela vá se manter por cem anos. Você tem que mantê-la sempre sem umidade, bem conservada”, exemplifica.
A ressignificação desses espaços também é uma tendência. Em algumas cidades, antigos trilhos e armazéns ferroviários foram transformados em áreas verdes e espaços de convivência. Para o professor da Unesp, essas interações demonstram que “o patrimônio não é só aquele objeto tombado e conservado, mas também o modo como as pessoas interagem com ele”.
Oliveira também reflete sobre as mudanças nos modais de transporte no país. Desde os anos 1950, a substituição do transporte ferroviário pelo rodoviário, impulsionada pela popularização do automóvel, impactou o desenvolvimento urbano e continua a ser um tema debatido por especialistas. Para o docente de Assis, atualmente, a necessidade de repensar as políticas de transporte coletivo está demandando novas soluções de transporte sobre trilhos devido à alta densidade populacional de regiões metropolitanas. “A necessidade agora é diferente. Precisamos transportar um grande número de passageiros, e essas linhas (férreas) antigas não são exatamente as mais adequadas para atender essa demanda”, diz, observando que a lógica ferroviária do século 19, inicialmente voltada ao transporte de cargas, agora se renova para novamente sanar a demanda da época.
Para ouvir o episódio completo sobre patrimônio ferroviário, adicione o “Prato do Dia” ao seu agregador de podcast favorito ou ouça pelo player abaixo.