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Parentalidade positiva e políticas públicas (1 notícias)

Publicado em 19 de abril de 2024

Por Elisa Rachel Pisani Altafim, Maria Beatriz Martins Linhares e Camila Regina Lotto

A implementação de programas de parentalidade baseados em evidências científicas, com eficácia previamente comprovada, potencializa os efeitos benéficos das políticas públicas para a população

A parentalidade engloba interações entre pais (ou cuidadores principais com função parental) e crianças, emoções, crenças, atitudes, práticas parentais, conhecimentos e comportamentos dos pais associados aos cuidados integrais à criança (Unicef, Altafim et al., 2023). A parentalidade positiva envolve afetos positivos e estratégias de disciplina positiva, sem violência, para promover o desenvolvimento saudável e adaptativo das crianças.

O que as leis recomendam?

Recentemente foi sancionada a Lei n. 14.826/2024 que reconhece a parentalidade positiva e o direito ao brincar como pilares fundamentais na prevenção da violência contra crianças. Segundo essa legislação, iniciativas de fortalecimento da parentalidade positiva e de promoção do direito ao brincar devem ser implementadas em diferentes esferas governamentais, incluindo a União, estados e municípios, no âmbito das políticas de assistência social, educação, saúde, cultura, e segurança pública.

Essa lei tem uma relação direta com o

ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e o Marco Legal da Primeira Infância, que garantem a prevenção das violências contra crianças e o direito ao brincar. De acordo com

o ECA, o Estado tem um importante papel ao elaborar políticas públicas e executar ações para coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel e difundir formas não violentas de educação, incluídas pela lei n. 13.010, de 26 de junho de 2014. Também consta no ECA, que o Estado deverá realizar ação de promoção de programas de fortalecimento da parentalidade positiva, da educação sem castigos físicos e de ações de prevenção e enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente (Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022).

Como fortalecer a parentalidade positiva no contexto de políticas públicas?

A parentalidade positiva pode ser fortalecida por meio de diferentes ações, sendo a mais efetiva a utilização de programas de parentalidade com eficácia comprovada por meio de evidências científicas (evidence-based programs). Esses programas de parentalidade podem usar estratégias do tipo grupo de pais ou visitas domiciliares.

Quais são os programas de parentalidade baseados em evidências científicas implementados em políticas públicas no Brasil ?

O “Programa ACT Para Educar Crianças em Ambientes Seguros” é um exemplo de programa de parentalidade com foco na primeira infância realizado em grupo com os pais que possui evidências científicas de eficácia. O programa ACT, desenvolvido pela Associação de Psicologia Americana e adaptado para o Brasil, possui 12 anos de trajetória de pesquisas no Brasil, coordenadas pelas Professoras Dras. Elisa Altafim e Maria Beatriz Linhares, e implementação em larga escala vinculado a políticas públicas. Esse programa é recomendado pela publicação INSPIRE, elaborada por renomadas instituições tais como Unicef e Organização Mundial da Saúde, que preconiza sete estratégias para prevenir e acabar com violência contra as crianças. As pesquisas nacionais incluem um estudo randomizado controlado, demonstrando a eficácia do programa ACT para fortalecer a parentalidade positiva, incluindo a comunicação e a disciplina positiva, assim como a regulação emocional e comportamental das mães.

Além disso, o programa tem impacto na prevenção em saúde mental das crianças, com a diminuição dos problemas de comportamento (exemplo: hiperatividade, problemas de conduta e de relacionamento com os colegas) e melhora nos comportamentos pró-sociais. No município de Osasco o programa tem sido implementado no contexto escolar. No estado do Ceará o ACT foi implementado e avaliado em 24 municípios, vinculado à políticas públicas, em especial à área de Proteção Social e seus respectivos serviços (Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família [PAIF] e o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos [SCFV]), e com o público prioritário as famílias beneficiárias de programas de transferência de renda (Bolsa Família e Cartão Mais Infância Ceará) (Altafim & Linhares, 2024). Assim, verificou-se um efeito sinérgico entre transferência de renda e programa de parentalidade para promover o desenvolvimento infantil no contexto de políticas públicas.

O “Programa Reach Up”, por sua vez, que foi desenvolvido na Jamaica adaptado para o Brasil, consiste em um programa aplicado em visitas domiciliares. Este programa apresenta evidências científicas e foi implementado vinculado a políticas públicas. Por meio de um acordo de cooperação entre o Governo Federal e a prefeitura de Boa Vista, a metodologia foi implementada no “Programa Criança Feliz” e a avaliação da eficácia do programa foi realizada por pesquisadores da Universidade de São Paulo, sob a coordenação da Profa. Dra. Alexandra Brentani (Brentani et al., 2021). Ressalta-se que o “Programa Criança Feliz” destaca-se como uma importante estratégia com o objetivo de apoiar as gestantes e promover o desenvolvimento integral das crianças de 0 a 3 anos, por meio de visitas domiciliares.

As evidências científicas auxiliam desde a formulação da política pública, seu planejamento e implementação por meio do monitoramento das ações, na avaliação dos resultados e da qualidade dos serviços e nas tomadas de decisões de manutenção, adaptações e expansão (Camargo & Yonekura, 2023). A implementação de programas de parentalidade baseados em evidências científicas, com eficácia previamente comprovada, potencializa os efeitos benéficos das políticas públicas para a população. A colaboração entre o sistema público e pesquisadores é essencial para desenvolver estratégias de proteção da criança contra a violência e promover a parentalidade positiva (Linhares et al., 2023).

Incorporar os programas de parentalidade, por meio de visitas domiciliares ou grupo de pais nas políticas públicas, priorizando intervenções que tenham sua eficácia comprovada, permite uma gestão mais eficiente dos recursos governamentais, maximizando benefícios, reduzindo despesas com práticas de resultados incertos. Com isso, os programas de parentalidade positiva promovem o bem-estar das famílias e o desenvolvimento da criança de maneira efetiva e segura.

BIBLIOGRAFIAAltafim, E. R. P., & Linhares, M. B. M. (2024). Parentalidade e infância protegida: implementação de programa com evidências científicas no estado do Ceará. Instituto para Valorização da Educação e da Pesquisa no Estado de São Paulo – IVEPESP: São Paulo, pp. 164. Disponível aqui...

MOSTRAR MAISElisa Rachel Pisani Altafim é psicóloga com doutorado e pós-doutorado em saúde mental na FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo), com período de pesquisadora visitante na Harvard Graduate School of Education. Atualmente é docente e orientadora no Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental na FMRP-USP e Supervisora de Pós-doutorado na USP em parceria com o Brazil Office do David Rockefeller Center for Latin American Studies da Harvard University. Membro do Ivepesp (Instituto para Valorização da Educação e da Pesquisa no Estado de São Paulo). Consultora para treinamento, desenvolvimento e pesquisa

Maria Beatriz M. Linhares é psicóloga, professora associada sênior no Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Coordenadora do Lapredes (Laboratório de Pesquisa em Prevenção de Problemas de Desenvolvimento e Comportamento da Criança). Membro do NCPI (Comitê Científico Núcleo de Ciência pela Infância). Pesquisadora do CPAPI (Centro Brasileiro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância) (Fapesp/FMCSV). Membro do Ivepesp (Instituto para Valorização da Educação e da Pesquisa no Estado de São Paulo). Consultora para treinamento, desenvolvimento e pesquisa.

Camila Regina Lotto é psicóloga formada pela FFCLRP-USP (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto), com aprimoramento em psicologia do desenvolvimento na área da saúde pelo HCFMRP-USP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) e doutorado em saúde mental pela FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto). Atualmente realiza pós-doutorado na FMRP-USP, bolsista do DRCLAS-Harvard (David Rockefeller Center for Latin American Studies – Harvard University).

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