Leia entrevista com pesquisadores da Unesp de Jaboticabal
Participaram das respostas: Prof. Dr. Marcelo da Costa Ferreira, Depto. Fitossanidade – Unesp, Câmpus Jaboticabal – SP; Eng. Agr. Ricardo Augusto Decaro, mestrando em Agronomia (Produção Vegetal) Unesp/Jaboticabal); Enga. Agra. Renata Thaysa da Silva Santos, M.Sc., doutoranda em Agronomia (Produção Vegetal) Unesp/Jaboticabal; Eng. Agr. Alexsandro da Silva Soares, mestrando em Agronomia (Produção Vegetal) pela Unesp Jaboticabal; Ana Cláudia da Silva Zina, graduanda em Engenharia Agronômica pela Unesp Jaboticabal; Biol. Nathalia Garlich, M.Sc., doutoranda em Agronomia (Produção Vegetal) pela Unesp, Câmpus Jaboticabal; e Enga. Agra. Ana Beatriz Dilena Spadoni, mestranda em Agronomia (Entomologia agrícola) pela Unesp Jaboticabal. Todos atuam em Tecnologia de Aplicação de Produtos Fitossanitários (membro do NEDTA), no Departamento de Fitossanidade da Unesp, Câmpus de Jaboticabal. As perguntas foram elaboradas pela Revista Canavieiros (RC).
RC Como são realizados os estudos e pesquisas para o desenvolvimento de novos produtos ou soluções para o setor sucroalcooleiro dentro da universidade?
PESQUISADORES Com a elaboração de projetos de pesquisa e desenvolvimento em nível de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) com o estudo de novas variedades de cana-de-açúcar resistentes ou que se adaptem a novas condições climáticas, desenvolvimento de produtos herbicidas e inseticidas, desenvolvimento de produtos biológicos, avaliação e desenvolvimento da Tecnologia de Aplicação, novas condições de cultivo, análise de novos ambientes para o cultivo da cana e melhoramento genético.
RC As demandas são atendidas de que maneira?
PESQUISADORES As demandas são atendidas com convênios entre o setor privado (cooperativas, usinas associadas e empresas) e o setor público (institutos de pesquisa, fundos federais e estaduais) com a elaboração de projetos de pesquisa. Esses projetos fazem parte da formação de alunos de graduação e pós-graduação (Mestrado e Doutorado) nas universidades. Os projetos são elaborados e supervisionados por professores de diferentes áreas do conhecimento.
RC Como elas chegam até a universidade?
PESQUISADORES As demandas chegam à universidade na maior parte dos casos por demanda espontânea, porque a maior parte dos pesquisadores brasileiros estão nas instituições de ensino superior no Brasil em parceria com empresas ligadas ao setor, entidades do próprio setor, demandas e programas governamentais. Muitos dos contatos são feitos por ex-alunos ou por indicados por eles. Há ainda os convênios que podem ocorrer por meio de editais de agências de fomento. Neste caso os tópicos são especificados nos editais e as propostas devem atender a critérios bem definidos para cada finalidade. No Estado de São Paulo a Fapesp desempenha um papel de muita importância para o desenvolvimento das pesquisas em diversas frentes, que vão desde a pesquisa básica até a situação mais aplicada de avaliação da situação de pulverizadores a campo, além de parcerias público-privadas nos projetos PIPE (Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas) e PITE (Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica), por exemplo.
Prof. Dr. Marcelo da Costa Ferreira, Depto. Fitossanidade, Unesp de Jaboticabal
RC Quais as principais linhas de estudo, pesquisa e desenvolvimento realizadas pela universidade para o setor?
PESQUISADORES A Universidade atua em várias frentes de pesquisa para fornecer um sistema agrícola com maior produtividade aliada a produção sustentável. Podem-se destacar para o setor:
Mapeamento e proteção de solo: verificar a diversidade de solos, desde a sua origem geológica até garantir que seja mantida a sua integridade para a sustentabilidade dos cultivos. Correção e fertilidade: encontrar as condições mais adequadas para que se possam obter as melhores produtividades, com recomendações e uso correto de corretivos e fertilizantes para melhor interação solo-planta. Climatologia: observar, medir e modelar as principais características meteorológicas para que o desenvolvimento das plantas seja maximizado, promovendo indicações de adaptabilidade para a obtenção de máximas produtividades e menores perdas. Melhoramento e desenvolvimento de cultivares: selecionar, desenvolver e indicar cultivares com melhor desempenho para cada situação edafoclimática, em situações favoráveis ou adversas como de déficit hídrico, ou mesmo com especializações necessárias para a produção de álcool, açúcar ou energia. Fitossanidade: estudar soluções para a prevenção à ocorrência de problemas fitossanitários (pragas, doenças e plantas daninhas); a adaptação e interação ecológica e sociológica dos organismos; estudar e desenvolver técnicas de monitoramento (cada vez mais autônomas e remotas); avaliar a necessidade e as possibilidades de tratamento (biológico, químico, cultural, mecânico e a sua integração); desenvolver Tecnologia de Aplicação eficiente e segura, com a correta colocação do produto no alvo, em quantidade necessária e de forma econômica. O intuito é oferecer eficiência e sustentabilidade ao sistema de produção agrícola, com o mínimo de danos fitossanitários da cultura em seu agroecossistema.
Essas linhas pesquisam tipos e condições de cultivo mais eficientes para o setor.
RC Quanto aos recursos para as pesquisas e trabalhos, como eles são captados?
PESQUISADORES Os principais recursos para financiamento de pesquisas e desenvolvimento na Universidade e de universitários vêm dos órgãos de fomento como CNPq, Capes, Fapesp, entre outros. Também auxiliam nos recursos para a pesquisa, trabalhos e projetos desenvolvidos entre a universidade e órgãos e os recursos próprios das instituições. Praticamente toda a força de trabalho das universidades está associada a estas fontes mencionadas, bem como quase toda a estrutura e boa parte dos custeios. Esta realidade vem se alterando nos últimos anos e a associação entre centros de pesquisa e empresas tem sido uma alternativa para a realização de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias para o setor. Para o futuro considera-se que será uma necessidade aumentar a interação entre empresas e a Universidade, para a capitalização e o financiamento de projetos, tanto focados em pesquisas básicas quanto em novas tecnologias, ambas aplicadas à solução de problemas do setor produtivo.
Para o futuro, considera-se que será uma necessidade aumentar a interação entre empresas e a Universidade
RC Além do setor propriamente dito, há parceria entre empresas voltadas para o setor e a universidade?
PESQUISADORES Sim. Mas há parcerias de diversos âmbitos. Desde internacionais, celebradas normalmente com a autoridade máxima da instituição, que é o reitor (no caso da Unesp, o Prof. Dr. Sandro Roberto Valentini), até as celebradas em âmbitos locais com os docentes em seus Departamentos e cursos, conforme a linha específica da pesquisa.
RC Como se dá a troca de informações entre o setor, empresas e universidades?
PESQUISADORES Ocorre em diversas frentes, até mesmo como está sendo celebrada esta entrevista. O canal de divulgação científica mundialmente mais praticado pela comunidade de pesquisadores são os chamados periódicos científicos (revistas científicas), onde são publicados os artigos com os resultados oriundos das pesquisas. Entretanto, há diversas outras maneiras de troca de informações: congressos, cursos, clínicas de atendimento direto, trabalhos de extensão, pesquisas em áreas do produtor, palestras, visitas técnicas, estágios dos estudantes e uma pouco mencionada mas praticada cotidianamente, que são as aulas oferecidas pelos docentes, onde há um ambiente rico para o debate conjuntural, sobretudo para os estudantes de pós-graduação, que já possuem alguma experiência fora da sala de aula e trazem discussões atuais da vida no campo. Tudo resulta em propostas de aprimoramento da qualidade, fluxo de produção, acesso a informação e desenvolvimento propriamente dito. Os projetos proporcionam essas perspectivas, democraticamente trabalhados para o desenvolvimento do conhecimento, da Universidade, da empresa, do Setor da Agricultura e do país (ganhos de produtividade e reconhecimento de novas técnicas certamente beneficiam a todos).
RC Quanto tempo dura, em média, uma pesquisa?
PESQUISADORES O tempo de uma pesquisa é relativo. Há vários fatores envolvidos, tais como o número de variáveis a ser estudadas, a quantidade de avaliações a ser realizadas, a finalidade do projeto a qual se quer estudar, para teste ou para criação de um novo produto, o que pode durar de poucos meses a vários anos.
RC O que falta para que essa parceria ou aproximação entre o setor e a universidade seja intensificada e melhor trabalhada?
PESQUISADORES Talvez essa aproximação dependa da criação de um departamento intermediário dentro da universidade ou de um setor responsável dentro das empresas, voltados especificamente para o atendimento e o relacionamento entre ambos. Um direcionamento prévio facilitaria a aproximação e o encaminhamento de novos projetos. Como se formasse uma conexão para o “start” da parceria, facilitando a compreensão e a realização do projeto, para tratar e atuar nos fatores envolvidos. O financiamento privado vem se mostrando como muito importante no Brasil para a pesquisa e tem necessidade de crescer, pois a tecnologia empregada nos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento geram custos à universidade, o que deve ser reposto e realimentado. Há modelos internacionais de financiamento privado que funcionam bem e há muito tempo. É uma questão de esclarecer a relação entre os participantes da parceria e seguir trabalhando.
RC Quais os principais ganhos, em sua opinião, para o setor, as empresas e a universidade?
PESQUISADORES Certamente o principal ganho é a expansão de limites da produção, com a solução de problemas reais e complexos. Imagine que as plantas são seres vivos. É muito comum que uma dona de casa leve um vasinho de flores para casa e, em menos de um ano, a planta acaba secando. Isto pode ser por problemas de falta de luz, de água, de nutrientes ou por alguma moléstia fitossanitária. Imagine que uma plantação de cana-de-açúcar é feita por muitas destas plantas que estão sujeitas aos mesmos problemas e desafios. Assim, manter estas plantas em produção, ano após ano e ainda com produtividades crescentes são ganhos tecnológicos expressivos da pesquisa, nas parcerias da universidade com o setor. Os principais ganhos para a comunidade, portanto, são o desenvolvimento de novos produtos e a solução dos problemas que ocorrem no sistema produtivo. Para a Universidade, a continuidade dos trabalhos e a contribuição em pesquisas e desenvolvimento devolve à sociedade o financiamento que lhe foi confiado. O aprimoramento constante dos estudantes nos trabalhos é outro ganho expressivo, pois colabora na preparação para o exercício profissional.
O financiamento privado vem se mostrando como muito importante no Brasil para a pesquisa e tem necessidade de crescer
RC Cite um caso de parceria de sucesso rea-lizada pela universidade, por favor.
PESQUISADORES Podemos citar um caso. Mas há muitos, pois é trabalho cotidiano e nem sempre alcançam espaço nos meios de comunicação. Então vai o exemplo da transição do plantio manual para o plantio mecanizado. Com a adoção das máquinas de plantio, há cerca de 15 anos, os rebolos de cana-de-açúcar passaram a ser colocados no solo durante o ano todo e não apenas no verão, quando as plantas crescem mais rápido por receberem mais sol e mais chuva. No inverno, com as temperaturas mais baixas, a cana cresce mais lentamente e fica mais sujeita à ação de fungos e insetos de solo. Com um agravante, no sistema mecanizado de plantio utilizam-se mudas cortadas ali mesmo em área próxima de onde o plantio será realizado e já se enterram os rebolos mecanicamente alguns momentos depois. Como a colheita causa ferimentos e no inverno as plantas crescem devagar, e porque a cana sai do campo no corte e colheita mecanizada e já é enterrada no plantio mecanizado, as plantas ficaram expostas a patógenos de solo que começaram a causar podridões e falhas nas brotações, arriscando o investimento na renovação das áreas e o próprio plantio mecanizado. Diante da dificuldade de proteção dos rebolos entre a colheita e o plantio (enterro), chegou a ser declarado em um evento do setor que o plantio mecanizado estaria condenado. Bem, não é preciso dizer que esta previsão não se concretizou, uma vez que quase a totalidade das áreas produtivas atualmente são plantadas mecanicamente. Isto se deu inicialmente pelo estudo das maneiras de proteção dos rebolos, com tratamentos fitossanitários que os protegessem no trajeto entre a colheita e o plantio. Foram adaptados sistemas de pulverização nas plantadoras, que passaram a tratar os rebolos e então plantá-los já protegidos (veja um dos artigos oriundos da pesquisa*). Com o desenvolvimento de variedades, o aprimoramento das máquinas e das práticas de cultivo para o novo sistema de plantio, a soma de técnicas fez com que o problema pudesse ser manejado de tal forma que não se chegou nem perto de uma inviabilização, como foi previsto na virada do século. Enfim, isto acontece o tempo todo. Tantos “males” já acometeram os cultivo, desde que este se iniciou no Brasil, e para cada um deles uma solução inovadora foi implementada.
Transporte de cana-de-açúcar em Jaboticabal, São Paulo, Brasil. (© Edrossini/Wikipédia)
RC Quais problemas do setor já foram solucionados através de parcerias?
PESQUISADORES Problemas no sistema produtivo, desde o plantio até o controle de pragas e doenças. Retomando a questão da mecanização, esta, por si, trouxe mais qualidade para o trabalhador rural, que passou a realizar um trabalho menos fatigante e até mesmo melhor remunerado. Por outro lado, devido à falta de tradição e costume com os componentes mecânicos e, no momento seguinte, com a eletrônica embarcada nos equipamentos, houve um período de adaptação, com algum trauma tanto para os trabalhadores quanto para as empresas. Alguns tiveram dificuldade em se adaptar às máquinas e houve situações de quebras decorrentes da utilização com menor preparo. Foi então que entraram em cena as instruções orientadas à habilitação interna das equipes. Isto trouxe mais preparo e confiança dos operadores, com ganhos de capacidade operacional, redução de quebras e melhoria da qualidade do trabalho pós-mecanização. É bom lembrar que o desenvolvimento técnico e científico e os treinamentos devem ser realizados de maneira continuada.
RC Há alguma resistência ou receio do setor em abrir suas portas para expor suas necessidades e problemas?
PESQUISADORES Entendo que não, por se tratar de um setor que há muito tempo incorpora tecnologias, desenvolvendo novas variedades a cada ano e cada vez mais resistentes às pragas e doenças, sempre buscando maior produtividade. Nos últimos anos, com o avanço da cana-de-açúcar para as outras regiões brasileiras em solos de Cerrado, por exemplo, com fertilidade e climas diferentes, cria-se a necessidade de parcerias com Universidades e outras instituições de pesquisa, ensino e extensão. Particularidades, ou individualidades existem. Mas nada que comprometa o setor.
RC As soluções viabilizadas pelas universidades vão desde o campo à indústria?
PESQUISADORES Sim. Estende-se desde a criação de novas técnicas agrícolas, envolvendo novos métodos de controle fitossanitário, agricultura de precisão, novas variedades, até os processos industriais com maiores rendimentos na produção de açúcar, álcool e energia, sempre buscando maior relação custo-benefício. Cada qual conta com especialistas que aprofundam estudos em seu foco de trabalho.
A universidade é geradora de conhecimento. Você acredita que ainda existe certa discriminação quanto a isso, ou seja, as pessoas ou o setor não querem testar ou experimentar ou cooperar, mas sim esperar por algo que chegará ao mercado, sem ter que correr riscos?
Pela abrangência do setor que se expande para todo o Brasil, bem como pela necessidade de tecnologias e ganhos de produtividade, percebe-se que a cada ano a busca por cooperação com Universidades tem sido maior. De modo geral, é de interesse comum e da sociedade, a busca de sinergias para se atingir os objetivos propostos para o setor.
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INFORMAÇÕES
Núcleo de Estudos e Desenv. Tec. Aplicação
Site: http://www.fcav.unesp.br/nedta>
Facebook: https://goo.gl/UepecV>
Endereço: Via de Acesso Prof. Paulo D. Castellane, s/n – CEP: 14.884-900 – Jaboticabal – São Paulo.
Foto de abertura: Usina São Martinho, Fábrica de Açúcar e Etanol – Pradópolis (© Marco Aurélio Esparza/Wikipédia)