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Parceria com a USP ajuda a formar centros de memória da educação paulista (1 notícias)

Publicado em 14 de fevereiro de 2023

Por Redação

Centro de Memória da Educação da Faculdade de Educação da USP completa 30 anos, atuando na organização e preservação de arquivos escolares a fim de salvaguardar a memória educacional no Estado de São Paulo

Desde os anos 90, o Centro de Memória da Educação (CME) da Faculdade de Educação (FE) da USP atua em parceria com o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (Ceeteps) em um projeto de preservação da memória educacional e cultural do Estado de São Paulo. “Foi um movimento protagonista, pioneiro na organização de arquivos escolares de centros de memória para preservação da memória educacional e institucional, num trabalho de salvaguarda das fontes que foram acumuladas e produzidas nas escolas desde o início da sua criação”, explicou a professora da FE Carmen Sylvia Vidigal de Moraes, durante o evento comemorativo de 30 anos do CME, ocorrido no final do ano passado, e que contou com a presença de representantes do Centro Paula Souza, que também comemorou 25 anos de existência.

Esse foi um dos projetos que deram origem ao Centro de Memória da Educação. “O CME é pioneiro no trabalho de organização de arquivos escolares nas escolas públicas, criando Centros de Memória da Educação nessas escolas e promovendo a organização dos acervos documentais, elaboração da memória escolar (índice analítico das fontes textuais, iconográficas e museológicas), trabalho conjunto com professores e alunos das escolas técnicas e de outras”, como lembra a professora, que coordenou o projeto. Intitulado Pesquisa sobre o ensino público no Estado de São Paulo: memória institucional e transformações histórico-espaciais e desenvolvido entre 1998 e 2001, possibilitou a criação dos primeiros oito Centros de Memória em escolas técnicas do Centro Paula Souza (CPS).

“As escolas técnicas estavam sendo incorporadas pelo CPS, entre elas escolas centenárias, e surgiu a questão de como preservar esses acervos. Então esse projeto entrou na hora certa”, afirma a professora Maria Lúcia Mendes de Carvalho, do CPS. Mas não parou por aí. Entre 2001 e 2007, sob a coordenação da professora Júlia Falivene Alves, ocorreram projetos de vitalização dos centros de memória, na tentativa de oficializar e organizar, inclusive com as secretarias acadêmicas, o acervo permanente, como informa Maria Lúcia, que substituiu em 2008 a professora Júlia. Ainda segundo ela, em 2008, os professores do projeto de Historiografia – que deu origem ao trabalho de memória institucional da CPS – se reuniram, alterando o nome para Memórias, “dando continuidade ao que havia começado lá na década de 1990”.

Em 2009, foi elaborado um site para divulgar as atividades do CPS e, segundo Maria Lúcia, foram criados os clubes de memória, com a intenção de reunir os professores em oficinas de leitura de referenciais sobre cultura escolar, cultura material e história oral. Em 2014, começaram a montar o primeiro centro de memória da Administração, com regimentos e procedimentos que poderiam ser encaminhados às escolas. Quatro anos depois, o número de centros de memória chegou a 18 e hoje existem 25 centros de memória em todo o Estado. Como diz Maria Lúcia, é importante conhecer esse passado para revê-lo no presente.

Todo o processo incluiu a participação dos professores e alunos das escolas, que organizaram toda a documentação, que estava dispersa, além de referenciar, higienizar e fazer todo o tratamento arquivístico, conservando o material de forma organizada em estantes deslizantes. Como lembra a professora Carmen, a Fapesp possui duas linhas especiais de projetos: Auxílio à Escola Pública e Políticas Públicas, “que vêm incentivar e confirmar um tipo de interpretação que sempre defendemos, de que as ações de intervenção social, academicamente chamadas de cultura e extensão, são também produção de conhecimento, realização de pesquisa”. Com essas duas linhas de projeto, continua a professora, “conseguiu iluminar essa questão, que é de fundo conceitual, fundo teórico importante, metodológico, e ao mesmo tempo criar a possibilidade, com recursos a bolsas para professores, que fizesse, enquanto academia, não um projeto para ou sobre as escolas, mas um projeto com as escolas, com as instituições públicas”.

O projeto resultou em duas publicações, um álbum fotográfico dos anos iniciais escolares e um inventário de fontes documentais. Há também um índice analítico, elaborado pelos professores coletivamente, reunindo artigos que tratam de questões relativas a esses documentos, como também sobre a história das disciplinas nas escolas e a relação da escola com o entorno, como destaca Carmen. Para mostrar a relevância desse projeto à sociedade, desde 2018, a USP, em parceria com o Centro Paula Souza, vem participando de eventos externos, apresentando através de palestras a importância e a necessidade da criação de políticas públicas para que se possa regulamentar essa proposta. “Somos apaixonadas pela preservação do patrimônio, mas é preciso que tenha permanência para que esse trabalho de anos e anos não se perca”, espera Maria Lúcia.

“Para manter viva uma memória escolar, que é individual e coletiva, para produzir e conhecer a história da escola onde se atua ou se estuda, pois ao compreender a história escolar é possível sentir-se pertencente a um lugar”, afirma Júlia. A professora cita uma frase sobre ser importante reconhecer o significado sociocultural da instituição como memória afetiva da experiência escolar, mas principalmente como ferramenta de reflexão sobre o significado da escola como instituição ao longo do tempo e sentidos de sua atuação no presente. “Em cada momento presente ocorre um diálogo com o passado”, reitera Júlia, afirmando que esse é um trabalho de persistência e resistência para que não ocorram o esquecimento e o apagamento do que viveu a escola historicamente.

Atualmente, não há políticas públicas acerca da preservação da memória escolar. Mas, segundo a professora, já houve um avanço com a inclusão de um artigo sobre a preservação da memória no Regimento das Escolas Técnicas. “Hoje nos apegamos nesse artigo que consta do Regimento para que as escolas elaborem suas atas de criação de centros de memória e levem para o conselho de classe. Esse é um documento que está regulamentando internamente, mas como é uma política da década de 1990, no nível do MEC (Ministério da Educação), também precisa ser revista”, informa. No Brasil, há alguns movimentos que vêm sendo realizados para a criação de uma política de guarda e preservação da documentação escolar. Em São Paulo, junto do Arquivo do Estado de São Paulo e da Secretaria Estadual da Educação, uma das iniciativas mais promissoras foi a de constituir uma comissão para elaborar uma Tabela de Temporalidade, indispensável para a constituição dos acervos documentais educacionais. Esse seria um passo importante para se criar uma normatização do descarte e conservação dos documentos escolares, mas, como informa Maria Lúcia, o processo foi interrompido com a entrada de um novo secretário da Educação. “É uma luta de uns 20 anos para se constituir um museu de educação, na Escola Normal e mesmo na Escola Politécnica do CPS.”

Há documentos que têm validade de dez anos e podem não interessar para o gestor, mas interessam para quem estuda a história da educação, como aponta Maria Lúcia. Entre eles, estão dados estatísticos, evasão escolar, educação especial e até listas de alunos dos anos iniciais, que podem originar pesquisas sobre como foram as primeiras atividades escolares. Há informações, por exemplo, de quantas meninas e meninos se formaram nas primeiras turmas de determinado curso. Maria Lúcia conta que foi durante a confecção do álbum que ela descobriu um documento da aula inaugural que dizia que o primeiro curso no campo da alimentação no Brasil tinha sido criado na Escola Estadual Dr. Carlos de Campos, atual Etec Carlos de Campos, localizada no Brás. “Como sou professora da Nutrição, acabei nunca me separando desse documento. Descobri que o criador do curso foi Francisco Pompeu do Amaral e em cima dessa aula inaugural e desses documentos iniciais do Centro de Memória acabei fazendo meu doutorado em 2013.”

A professora Júlia Naomi Kanazawa, que atua na Etec Cônego José Bento, em Jacareí, e também é coordenadora do Projeto Memórias, fala desse Centro de Memória, que foi inaugurado em dezembro de 2000. O centro preserva documentos e artefatos datados desde 1936, de livros de matrículas (mapeamento de alunos desde as primeiras turmas) até objetos de ensino, relacionados principalmente ao curso técnico em agropecuária. “É constituído por documentos e artefatos produzidos e/ou adquiridos pela escola, que foi criada em 1935 e foi uma das primeiras escolas agrícolas a ser implantadas pelo governo do Estado de São Paulo, mas que só pôde iniciar suas atividades administrativas em 1936 e escolares em 1937 por falta de instalações adequadas.”

O Centro de Memória da Educação da Faculdade de Educação da USP foi criado em junho de 1992, em sessão que aprovou a proposta encaminhada por um grupo de professores interessados em institucionalizar instâncias interdepartamentais sobre a pesquisa em história e historiografia da educação. Entre suas principais atribuições estavam, como Centro de Documentação, constituir e organizar acervos documentais já existentes na FE ou provenientes de outras instituições, como bibliotecas especiais, arquivos, fundos e coleções, além de acervos museológicos; e como Centro de Referências, acumular banco de dados, com informações provenientes de trabalhos de pesquisa realizados por seus pesquisadores, disponibilizados para consulta local ou remota. Além disso, o CME tinha como objetivo promover atividades de pesquisa, ensino e extensão, a partir de projetos articulados em torno de eixos temáticos, com destaque para História da Instituição Escolar e História das Práticas Escolares.

Nesses seus 30 anos de existência, a instituição acolheu a sede da Secretaria da Sociedade Brasileira de História da Educação, em 2000 e 2001, e, ainda foi sede da Comissão Editorial da Revista Brasileira de História da Educação. O CME foi incorporado como Laboratório Didático, pelas inúmeras atividades de ensino, e pode-se destacar pesquisas seminais que o consolidaram como referência em seu campo de atuação. Recebeu documentos provenientes da elaboração de teses e dissertações por professores da Faculdade de Educação e por alunos do programa de pós-graduação, como o arquivo das Escolas Experimentais (1954-1997). A partir de 1998, começou a organizar sua documentação com base nos princípios arquivísticos para conservação e guarda, e hoje conta com, aproximadamente, 167.426 documentos.

Nas parcerias com escolas públicas, além do projeto sobre memória institucional em parceria com as Etecs do Centro Paula Souza (descrito no início desta reportagem), o CME realizou vários projetos de relevo, entre eles, Lugares da memória: parceria com o Cefam de Santo André; e Preservando a memória do ensino público paulista: a Escola de Aplicação /FEUSP (1959- 1999), desenvolvido na Escola de Aplicação de Faculdade de Educação da USP, com o apoio de professores, funcionários e alunos, de modo similar ao trabalho realizado nas escolas técnicas, com o tratamento da documentação histórica, constituindo um Centro de Memória denominado MEMO, auxiliando na preservação da história escolar de São Paulo.

O CME também acolheu vários acervos, como o do educador João Penteado (1877-1965), tanto o institucional quanto o pessoal, que inclui a Escola Moderna n. 1, como cita a professora Carmen Sylvia Vidigal de Moraes, da FE, acrescentando que o acervo doado foi organizado “por nós, pesquisadores do CME, alunos bolsistas e professores da FE-USP”. Ela também destaca outro importante acervo, o do Centro Regional de Pesquisas Educacionais, que “foi projeto do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) nos anos 1950, cujo diretor, na época, era o professor Anísio Teixeira. “Uma preciosidade documental da história da USP, da educação paulista e brasileira”, afirma, lembrando que o primeiro diretor do CRPE de São Paulo, situado no prédio onde hoje está a FE-USP, foi o professor Fernando de Azevedo, então professor da Faculdade de Filosofia. Segundo ela, o acervo está quase todo organizado, mas ainda não digitalizado.

Entre outros importantes acervos, estão o arquivo institucional do Colégio de Aplicação (doado pela professora Maria de Lourdes Janotti, do Departamento de História) e outros arquivos pessoais, como os de Luis Contier – relacionados ao ensino renovado, à criação das classes experimentais no Estado de São Paulo, à Missão Pedagógica Francesa no Brasil e aos Ginásios Vocacionais; de Maria Nilde Mascellani, grande educadora popular, diretora do Serviço Vocacional e organizadora dos Ginásios Vocacionais; e de Laerte Ramos de Carvalho, além dos documentos de Celso de Rui Beisiegel e Lisete Arelaro (recentemente doados) e das inúmeras coleções provenientes de pesquisas de professores da FE-USP.

Há ainda o acervo bibliográfico – a organização da Biblioteca do Livro Didático, projeto da professora Circe Bittencourt, que se encontra hoje na Biblioteca Celso de Rui Beisiegel, da FE-USP, “um dos projetos que deram origem ao CME (projeto Finep), juntamente do projeto de organização do acervo das escolas técnicas”, como lembra a professora; e o acervo museológico, constituído por mobiliário e material escolar de diferentes épocas históricas (do final do século 19 e início do século 20), incluindo materiais de laboratório das escolas e animais taxidermizados, que compõem uma sala de aula. “Essas peças estão necessitando de higienização e restauro urgentes, e temos participado de editais para conseguirmos recursos”, comenta. Por fim, a professora informa que foi elaborado o Índice Analítico das Fontes do Acervo e escritos artigos sobre as fontes analisadas, que resultaram no livro Educação Anarquista no Brasil, publicado pela Adusp (Associação de Docentes da Universidade de São Paulo) e pela Editora da Unifesp.

Para a professora Carmen, é importante enfatizar a luta pela manutenção do acervo documental, de enorme importância para a historia e historiografia da educação brasileira, consultado por pesquisadores de todo o país, e a perspectiva de criação de um Museu de Educação na USP, visto que até hoje, como ela informa, não há nenhum Museu de Educação no Brasil. Há projetos para integração dos acervos do Centro de Memória da Educação e do Museu do Brinquedo, “enquanto Museu de Educação por meio de atividades conjuntas voltadas ao ensino e à preservação da memória educacional”, conta.

“Nossa luta para a manutenção do CME tem sido grande nesses 30 anos”, diz a professora, alertando que é preciso uma política institucional para garantir recursos. “Precisamos de um Museu de Educação na USP – como exemplo e estímulo para o desenvolvimento de iniciativas nos Estados e no plano nacional. Nunca foi tão importante preservar a memória da educação, da cultura do povo brasileiro. É parte indiscutível da luta pela democratização do acesso ao conhecimento, da democratização do nosso país.”

O Centro de Memória da Educação fica na ala B do prédio da FE-USP (Av. da Universidade, 308, salas 40 e 45, Cidade Universitária). O horário de funcionamento é das 9h às 17h, e a pesquisa no acervo deve ser agendada. Mais informações neste link, pelo telefone (11) 3091-3194 ou pelo e-mail cmeusp@usp.br.

Política de uso

A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.

Desde os anos 90, o Centro de Memória da Educação (CME) da Faculdade de Educação (FE) da USP atua em parceria com o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS) em um projeto de preservação da memória educacional e cultural do Estado de São Paulo. ‘Foi um movimento protagonista, pioneiro na organização de arquivos escolares de centros de memória para preservação da memória educacional e institucional num trabalho de salvaguarda das fontes que foram acumuladas e produzidas nas escolas desde o início da sua criação”, explicou a professora Carmen Sylvia Vidigal de Moraes (FE/USP), durante o evento comemorativo de 30 anos do CME, ocorrido no final do ano passado, e que contou com a presença de representantes do Centro Paula Souza, que também comemorou 25 anos de existência.

Esse foi um dos projetos que deu origem ao Centro de Memória da Educação. “O CME é pioneiro no trabalho de organização de arquivos escolares nas escolas públicas, criando Centros de Memória da Educação nessas escolas e promovendo a organização dos acervos documentais, elaboração da memória escolar (índice analítico das fontes textuais, iconográficas e museológicas), trabalho conjunto com professores e alunos das escolas técnicas e de outras”, como lembra a professora, que coordenou o projeto. Intitulado Pesquisa sobre o ensino público no Estado de São Paulo: memória institucional e transformações histórico espaciais, e desenvolvido entre 1998 e 2001, possibilitou a criação dos primeiros oito Centros de Memória em escolas técnicas do Centro Paula Souza.

“As escolas técnicas estavam sendo incorporadas pelo CPS, entre elas escolas centenárias, e surgiu a questão de como preservar esses acervos. Então esse projeto entrou na hora certa”, afirma a professora Maria Lúcia Mendes de Carvalho (CPS). Mas não parou por aí. Entre 2001 e 2007, sob a coordenação da professora Júlia Falivene Alves, ocorreram projetos de vitalização dos centros de memória, na tentativa de oficializar e organizar, inclusive com as secretarias acadêmicas, o acervo permanente, como informa Maria Lúcia, que substituiu em 2008 a professora Julia. Ainda segundo ela, em 2008, os professores do projeto de Historiografia – que deu origem ao trabalho de memória institucional da CPS – se reuniram, alterando o nome para Memórias, “dando continuidade ao que havia começado lá na década de 90”.

Em 2009, foi elaborado um site para divulgar as atividades do CPS, e, segundo Maria Lúcia, foram criados os clubes de memória, com a intenção de reunir os professores em oficinas de leitura de referenciais sobre cultura escolar, cultura material e história oral. Em 2014, começaram a montar o primeiro centro de memória da Administração, com regimentos e procedimentos que poderiam ser encaminhados às escolas. Quatro anos depois, o número de centros de memória chegou a 18 e hoje existem 25 centros de memória em todo o Estado. Como diz Maria Lúcia, é importante conhecer esse passado para revê-lo no presente. Trabalho coletivo Todo o processo incluiu a participação dos professores e alunos das escolas, que organizaram toda a documentação, que estava dispersa, além de referenciar, higienizar e fazer todo tratamento arquivístico, conservando o material de forma organizada em estantes deslizantes. Como lembra a professora Carmen, a Fapesp possui duas linhas especiais de projetos: Auxílio à Escola Pública e Políticas Públicas, “que vem incentivar e confirmar um tipo de interpretação que sempre defendemos, de que as ações de intervenção social, academicamente chamadas de cultura e extensão, são também produção de conhecimento, realização de pesquisa”. Com essas duas linhas de projeto, continua a professora, “conseguiu iluminar essa questão, que é de fundo conceitual, fundo teórico importante, metodológico, e ao mesmo tempo criar a possibilidade, com recursos a bolsas para professores, que fizesse, enquanto academia, não um projeto para ou sobre as escolas, mas um projeto com as escolas, com as instituições públicas”. O projeto resultou em duas publicações, um Álbum Fotogrático dos anos iniciais escolares e um Inventário de Fontes Documentais. Há também um índice analítico, elaborado pelos professores coletivamente, reunindo artigos que tratam de questões relativas a esses documentos como também sobre a história das disciplinas nas escolas e a relação da escola com o entorno, como destaca Carmen. Para mostrar a relevância desse projeto à sociedade, desde 2018, a USP em parceria com o Centro Paula Souza vem participando de eventos externos, apresentando através de palestras a importância e a necessidade da criação de políticas públicas para que se possa regulamentar essa proposta. “Somos apaixonadas pela preservação do patrimônio, mas é preciso que tenha permanência para que esse trabalho de anos e anos não se perca”, espera Maria Lúcia. Alguns exemplos Há documentos que têm validade de 10 anos e pode não interessar para o gestor mas interessa para quem estuda a história da educação, como aponta Maria Lúcia. Entre eles, estão dados estatísticos, evasão escolar, educação especial e até listas de alunos dos anos iniciais, que podem originar pesquisas sobre como foram as primeiras atividades escolares. Há informações, por exemplo, de quantas meninas e meninos se formaram nas primeiras turmas de determinado curso. Maria Lúcia conta que foi durante a confecção do álbum que ela descobriu um documento da aula inaugural que dizia que o primeiro curso no campo da alimentação no Brasil tinha sido criado na Escola Estadual Dr. Carlos de Campos, atual ETEC Carlos de Campos, localizada no Brás. “Como sou professora da Nutrição, acabei nunca me separando desse documento. Descobri que o criador do curso foi Francisco Pompeu do Amaral e em cima dessa aula inaugural e desses documentos iniciais do Centro de Memória acabei fazendo meu doutorado em 2013”. A professora Júlia Naomi Kanazawa, que atua na ETEC Cônego José Bento, em Jacareí, e também é coordenadora do Projeto Memórias, fala desse Centro de Memória, que foi inaugurado em dezembro de 2000. O centro preserva documentos e artefatos datados desde 1936, desde livros de matrículas (mapeamento de alunos desde as primeiras turmas) até objetos de ensino, relacionados principalmente ao curso técnico em agropecuária. “É constituído por documentos e artefatos produzidos e/ou adquiridos pela escola, que foi criada em 1935 e foi uma das primeiras escolas agrícolas a ser implantada pelo governo do Estado de São Paulo, mas que só pode iniciar suas atividades administrativas em 1936 e escolares em 1937 por falta de instalações adequadas. (box)Porque preservar documentos e artefatos escolares? “Para manter viva uma memória escolar, que é individual e coletiva, para produzir e conhecer a história da escola onde se atua ou se estuda, pois ao compreender a história escolar é possível sentir-se pertencente a um lugar”, afirma Júlia. A professora cita uma frase sobre ser importante reconhecer o significado sociocultural da instituição como memória afetiva da experiência escolar, mas principalmente como ferramenta de reflexão sobre o significado da escola como instituição ao longo do tempo e sentidos de sua atuação no presente. “Em cada momento presente ocorre um diálogo com o passado”, reitera Júlia, afirmando que esse é um trabalho de persistência e resistência para que não ocorra o esquecimento e o não apagamento do que viveu a escola historicamente. (box)Políticas públicas Atualmente, não há políticas públicas acerca da preservação da memória escolar. Mas, segundo a professora, já houve um avanço com a inclusão de um artigo sobre a preservação da memória no Regimento das Escolas Técnicas. “Hoje nos apegamos nesse artigo que consta do Regimento para que as escolas elaborem suas atas de criação de centros de memória e levem para o conselho de classe. Esse é um documento que está regulamentando internamente, mas como é uma política da década de 90, a nível de MEC (Ministério da Educação) também precisa ser revista”, informa. No Brasil, há alguns movimentos que vem sendo realizados para a criação de uma política de guarda e preservação da documentação escolar. Em São Paulo, junto do Arquivo do Estado de São Paulo e da Secretaria Estadual da Educação, uma das iniciativas mais promissoras foi a de constituir uma comissão para elaborar uma Tabela de Temporalidade, indispensável para a constituição dos acervos documentais educacionais. Esse seria um passo importante para se criar uma normatização do descarte e conservação dos documentos escolares, mas como informa Maria Lúcia, o processo foi interrompido com a entrada de um novo secretário da Educação. “É uma luta de uns 20 anos para se constituir um museu de Educação, na escola normal e mesmo na escola politécnica do CPS”. 30 Anos de História do CME O Centro de Memória da Educação da Faculdade de Educação da USP foi criado em junho de 1992, em sessão que aprovou a proposta encaminhada por um grupo de professores interessado em institucionalizar instâncias interdepartamentais sobre a pesquisa em história e historiografia da educação. Entre suas principais atribuições estavam, como Centro de Documentação, constituir e organizar acervos documentais já existentes na FE ou provenientes de outras instituições, como bibliotecas especiais, arquivos, fundos e coleções, além de acervos museológicos; e como Centro de Referências, acumular banco de dados, com informações provenientes de trabalhos de pesquisa realizados por seus pesquisadores, disponibilizados para consulta local ou remota. Além disso, o CME tinha como objetivo promover atividades de pesquisa, ensino e extensão, a partir de projetos articulados em torno de eixos temáticos, com destaque para História da instituição escolar e História das práticas escolares. Nesses seus 30 anos de existência, a instituição acolheu a sede da Secretaria da Sociedade Brasileira de História da Educação em 2000 e 2001, e, ainda foi sede da Comissão Editorial da Revista Brasileira de História da Educação. O CME foi incorporado como Laboratório Didático, pelas inúmeras atividades de ensino, e pode-se destacar pesquisas seminais que o consolidaram como referência em seu campo de atuação. Recebeu documentos provenientes da elaboração de teses e dissertações por professores da Faculdade de Educação e por alunos do programa de pós-graduação, como o arquivo das Escolas Experimentais (1954-1997). A partir de 1998, começou a organizar sua documentação com base nos princípios arquivísticos para conservação e guarda, e hoje conta com, aproximadamente, 167.426 documentos. Nas parcerias com escolas públicas, além do projeto sobre memória institucional em parceria com as ETECs do Centro Paula Souza (descrito no início desta reportagem), o CME realizou vários projetos de relevo, entre eles, Lugares da memória: parceria com o CEFAM de Santo André; e Preservando a memória do ensino público paulista: a Escola de Aplicação /FEUSP (1959- 1999), desenvolvido na Escola de Aplicação de Faculdade de Educação da USP, com o apoio de professores, funcionários e alunos, de modo similar ao trabalho realizado nas escolas técnicas, com o tratamento da documentação histórica, constituindo um Centro de Memória, denominado MEMO, auxiliando na preservação da história escolar de São Paulo. O CME também acolheu vários acervos, como do educador João Penteado (1877-1965), tanto o institucional quanto o pessoal, que inclui a Escola Moderna n. 1, como cita a professora Carmen Sylvia Vidigal de Moraes (FEUSP), acrescentando que o acervo doado foi organizado “por nós, pesquisadores do CME, alunos bolsistas e professores da FEUSP”. Ela também destaca outro importante acervo, o do Centro Regional de Pesquisas Educacionais, que “foi projeto do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) nos anos 1950, cujo diretor, na época, era o professor Anísio Teixeira. “Uma preciosidade documental da história da USP, da educação paulista e brasileira”, afirma, lembrando que o primeiro diretor do CRPE de São Paulo, situado no prédio onde hoje está a FEUSP, foi o professor Fernando de Azevedo, então professor da Faculdade de Filosofia. Segundo ela, o acervo está quase todo organizado, mas ainda não digitalizado. Entre outros importantes acervos, estão o arquivo institucional do Colégio de Aplicação (doado pela professora Maria de Lourde Janotti, do Departamento de História), e outros arquivos pessoais, como os de Luis Contier – relacionados ao ensino renovado, à criação das classes experimentais no estado de São Paulo, à Missão Pedagógica Francesa no Brasil e aos Ginásios Vocacionais); de Maria Nilde Mascellani, grande educadora popular e diretora do Serviço Vocacional e organizadora dos Ginásios Vocacionais; e de Laerte Ramos de Carvalho, além dos documentos de Celso de Rui Beisiegel e Lisete Arelaro (recentemente doados); e das inúmeras coleções provenientes de pesquisas de professores da FEUSP. Há ainda o acervo bibliográfico – a organização da Biblioteca do Livro Didático, projeto da professora Circe Bittencourt, que se encontra hoje na Biblioteca Celso de Rui Beisiegel, da FEUSP, “um dos projetos que deu origem ao CME (projeto Finep), juntamente do projeto de organização do acervo das escolas técnicas”, como lembra a professora; e o acervo museológico constituído por mobiliário e material escolar de diferentes épocas históricas (do final do século 19 e início do século 20), incluindo materiais de laboratório das escolas e animais taxidermizados, que compõem uma sala de aula. “Essas peças estão necessitando de higienização e restauro urgentes, e temos participado de editais para conseguirmos recursos”, comenta. Por fim, a professora informa que foi elaborado o Índice Analítico das Fontes do Acervo, e escritos artigos sobre as fontes analisadas, que resultaram no livro Educação Anarquista no Brasil, publicado pela ADUSP (Associação de Docentes da Universidade de São Paulo) e pela Editora da Unifesp.

Para a professora Carmem, é importante enfatizar a luta pela manutenção do acervo documental, de enorme importância para a historia e historiografia da educação brasileira, consultado por pesquisadores de todo o país, e a perspectiva de criação de um Museu de Educação na USP, visto que até hoje, como ela informa, não há nenhum Museu de Educação no Brasil. Há projetos para integração dos acervos do Centro de Memória da Educação e do Museu do Brinquedo, “enquanto Museu de Educação por meio de atividades conjuntas voltadas ao ensino e à preservação da memória educacional”, conta.

“Nossa luta para a manutenção do CME tem sido grande nesses 30 anos”, diz a professora, alertando que é preciso uma política institucional para garantir recursos. “Precisamos de um Museu de Educação na USP – como exemplo e estímulo para o desenvolvimento de iniciativas nos estados e no plano nacional. Nunca foi tão importante preservar a memória da educação, da cultura do povo brasileiro. É parte indiscutível da luta pela democratização do acesso ao conhecimento, da democratização do nosso país”.

O Centro de Memória da Educação fica na ala B do prédio da FEUSP (av. da Universidade, 308, salas 40 e 45, Cidade Universitária). O horário de funcionamento é das 9h às 17h, e a pesquisa no acervo deve ser agendada. Mais informações no site, pelo telefone (11) 3091-3194 ou pelo e-mail cmeusp@usp.br.

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A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.