Os indicadores e a classificação obtida pela Unicamp nos rankings do Times Higher Education (THE) e da Quacquarelli Symonds (QS) atestam a sua excelência e avalizam seu ingresso no seleto grupo das melhores universidades do mundo. Mas, na visão de três especialistas ouvidos pelo Jornal da Unicamp, ainda existem alguns desafios para que a instituição consolide sua projeção internacional.
Para Elizabeth Balbachevsky, professora-associada do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e integrante do Grupo de Estudos de Educação Superior do Centro de Estudos Avançados (CEAv) da Unicamp, um desses desafios é a internacionalização.
Segundo a pesquisadora, a internacionalização é uma questão bastante complexa, que transcende as iniciativas de enviar alunos para o estrangeiro e atrair excelentes estudantes de fora. “Implica, sobretudo, colocar a pós-graduação no cenário internacional, principalmente o doutorado”, afirma.
O doutorado, segundo a docente, já vem sendo considerado um mercado mundial. E, embora seja considerada de qualidade, a pós-graduação brasileira está fora deste mercado porque ocorre predominantemente na língua portuguesa. Isso estabelece, sugere Elizabeth, dificuldades para atrair pesquisadores e estudantes de primeiro nível. “Este é um fator importante, normalmente desconsiderado pelo governo nas suas políticas de pós-graduação”, diz.
Uma outra questão que a pesquisadora destaca é o fato de o mestrado no Brasil estar, muitas vezes, acoplado ao doutorado. “Essa articulação muito estreita faz com que, no país, não se consiga produzir um doutorado realmente competitivo internacionalmente”, afirma.
Elizabeth cita o segredo do que chamou de “milagre asiático”, quando se refere ao sucesso da política que colocou as universidades da Ásia entre as mais bem-avaliadas no mundo.
O topo do ranking do Times Higher Education, por exemplo, ficou com a Universidade de Ciência e Tecnologia de Pohang, na Coreia do Sul. Já a Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong figura em terceiro lugar. “Houve muito investimento para torná-las competitivas internacionalmente. A Universidade de Cingapura oferta doutorado em inglês para os mercados nacional e internacional. Na Coreia, o sistema de pós-graduação é voltado ao modelo de intercâmbio de professores e alunos. Aos poucos, eles estão criando uma rede que acelera o processo de internacionalização da ciência”, explica a professora.
Elizabeth avalia que as universidades paulistas, em particular a Unicamp, alcançaram uma grande visibilidade em razão do foco na pós-graduação. Conforme a pesquisadora, na experiência brasileira, a pós-graduação é a porta pela qual são atraídos professores com perfil mais competitivo do ponto de vista da produção acadêmica. “Ela é um lócus onde você articula grupos de pesquisa mais fortes, criando um ambiente coletivo de investigação”, expõe. Ela ainda ressalta que a pesquisa é a dimensão mais relevante nos rankings e, em última instância, nos debates acerca da universidade de padrão mundial.
Outro ponto destacado pela pesquisadora é a autonomia financeira das universidades paulistas, fator que tem possibilitado às instituições a implementação de ações que planejem o crescimento de longo prazo. “Esta é uma questão importante para dar à instituição o dinamismo necessário para se posicionar bem nos rankings e para se tornar uma universidade de classe mundial.”
Interação
O diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Carlos Henrique de Brito Cruz, também aponta que a maior integração internacional é um dos desafios da Unicamp para se tornar uma instituição de nível mundial. De acordo com ele, o progresso da ciência, em todas as áreas do conhecimento, depende muito da interação entre os pesquisadores mais originais e mais capazes.
Brito, que foi reitor e pró-reitor da Unicamp, e diretor do Instituto de Física da Universidade – onde atua como professor –, avalia que o que levou a Unicamp a ter uma posição vantajosa no mundo foi uma conjugação de fatores. Um deles foi o fato de a Universidade ter constituído um corpo docente que, desde a sua fundação, é muito comprometido com a pesquisa de categoria internacional, com a criação de conhecimento que seja relevante mundialmente e, portanto, também localmente. Para Brito, também contou a característica da Unicamp de atrair alunos muito capazes.
E é por isso mesmo que a Universidade, entre os desafios para se tornar uma universidade de classe mundial, necessita, a seu ver, conseguir manter a condição de atrair excelentes alunos na graduação e na pós-graduação e excelentes professores de qualquer lugar do mundo. “É preciso trazer os melhores cérebros para fazer parte desse desenvolvimento”, acredita.
Brito ressalta, ainda, que a Unicamp tem tido uma forma de financiamento muito positiva para o desenvolvimento da instituição acadêmica, que é a sistemática de autonomia com vinculação orçamentária. A Universidade é financiada com um percentual do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e tem autonomia completa para a gestão de recursos (leia matéria na página 10).
“Essa forma de atuação tem permitido estabelecer prioridades, fazer esforços e programas que durem muitos anos, até uma década ou mais. Ademais, tem possibilitado um compromisso da Unicamp com valores competitivos mundialmente”, comenta ele.
Flexibilidade
O sociólogo Simon Schwartzman, pesquisador e professor do Instituto de Trabalho e Sociedade do Rio de Janeiro, concorda com Brito. Em sua opinião, para que a Unicamp mantenha o nível de excelência e torne-se uma universidade de classe mundial, é necessário preservar as características que a marcaram desde o início. “A Unicamp se caracterizou pela flexibilidade, pela liberdade de poder buscar e atrair talentos e de proporcionar condições para eles trabalharem”, relata. Ele avalia que é necessário que a Universidade continue a atrair profissionais de primeira linha.
“Atualmente, a Universidade está mais constituída, tem um acervo de pessoas e recursos. Neste sentido, é natural que fique um pouco mais lenta do que uma instituição que está se formando. O desafio é manter ou recuperar a flexibilidade de ação, principalmente na área de recursos humanos, sem perder de vista sua vocação”, comenta o sociólogo.
Ele afirma que atualmente a universidade pública é “chamada” a fazer, entre outras atividades, pesquisa, pós-graduação e cursos de graduação de diferentes níveis. Também há uma grande pressão para admitir mais gente.
Por isso, assinala o pesquisador, é necessário ter clareza sobre qual é sua missão, concentrando-se nela. “Isso, evidentemente, tem que ser negociado com o Estado, que é o agente financiador. Existe o risco de perda de clareza das suas prioridades. A rigidez burocrática também pode afetar. Na medida em que a universidade conseguir enfrentar estas duas situações, terá condições de continuar numa posição importante, inclusive porque o que se espera é que não vá sofrer limitações de recursos.”
O professor Renato Pedrosa, do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) e coordenador do Grupo de Estudos em Educação Superior do CEAv também aponta a internacionalização como ponto fundamental para a universidade se manter em nível de excelência.
Em consonância com a professora Elizabeth, Pedrosa reforça que a internacionalização tem que ser entendida em um sentido bem amplo, para além do intercâmbio de estudantes, professores e pesquisadores. “A participação em grupos de universidades e em atividades internacionais é importante e faz com que a Unicamp passe a ter prestígio, a ser conhecida”, diz.
A Unicamp, junto com a USP e a Unesp, tem se destacado e tem promovido um projeto de internacionalização muito forte também na proposta de se projetar como interlocutora nos fóruns internacionais de educação superior, onde se discute política de acesso, de qualificação e de pesquisa em todas as áreas.
De acordo com o professor, além da internacionalização, há outros aspectos, ligados ao prestígio, voltados para como a universidade interage com interlocutores da sua região. Salienta-se o fato dela responder às demandas, principalmente de países como o Brasil, que estão em um nível de industrialização e desenvolvimento intermediários. Gradativamente, nesses países, aumenta a demanda por mais gente das universidades e de todos os níveis socioeconômicos. “Isto tem um forte impacto local para a economia e para a educação do país. É importante que universidades mais seletivas, como a Unicamp, mantenham este tipo de projeto, sem se descuidar do acesso e do investimento na qualificação dos estudantes.”