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Folha da Região (Araçatuba, SP) online

Para haver articulação, é preciso pesquisadores na empresa

Publicado em 14 setembro 2006

Por Edgar Godoy

Disponibilizar no mercado novos produtos, processos ou serviços criados a partir de idéias da ciência e da tecnologia. Essa é a definição de inovação tecnológica feita pelo professor Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que aponta a falta de integração entre universidades e empresas como o principal problema no Brasil.

Segundo ele, as recentes medidas do Governo Federal para o setor são esvaziadas pela política econômica, que desestimula as empresas a investirem em Pesquisa e Desenvolvimento.

Brito Cruz ressalta que algumas das providências recentes ainda demorarão para mostrar efeitos, como o programa de subvenção à P&D empresarial e a Lei 11.196, que prevê beneficios fiscais relevantes para investimentos nessa área:

Agenda São Paulo: Qual o papel das universidades na promoção de inovaçao?

Carlos Henrique de Brito Cruz: Formar pessoas capazes de criar inovação tecnológica para quando forem trabalhar como pesquisadoras nas empresas.

ASP: E o papel das empresas?

CHBC: Entender o mercado e aproveitar as oportunidades para criar inovação. Isso requer atividades internas de pesquisa e desenvolvimento.

ASP: Esse mecanismo funciona em São Paulo?

CHBC: Sim, mas há desafios importantes a resolver. Por causa de várias restrições da economia brasileira, as empresas não conseguem intensificar as atividades de pesquisa e desenvolvimento e garantir assim competitividade com as concorrentes do resto do mundo.

ASP: Quais os instrumentos de que dispõe o governo estadual para articular as ações de universidades, institutos e setor privado?

CHBC: São três iniciativas principais. A Fapesp tem o programa PITE, que apóia projetos de pesquisa em parceria entre universidades, institutos de pesquisa e empresas; e o PIPE, de apoio a projetos de pesquisa inovativa em pequenas empresas. O Governo do Estado tem o Programa Estadual de Parques Tecnológicos.

ASP: Quais as dificuldades enfrentadas para essa maior articulação?

CHBC: Sem pesquisadores nas companhias, torna-se quase impossível uma articulação efetiva com instituições acadêmicas. Essas políticas devem procurar atrelar a pesquisa acadêmica com a pesquisa industrial, e não substituir uma pela outra. Para promover articulação é preciso haver pesquisadores na empresa, capazes de dialogar e trabalhar em parceria com seus colegas na academia. Além disso, não é possível supor que o governo estadual compense as deficiências do Brasil com políticas próprias, por isso é preciso ter políticas articuladas entre Estados e União.

ASP: Quais as iniciativas da política de inovação paulista?

CHBC: Uma delas é o programa da Fapesp para financiar pesquisa inovativa em pequenas empresas, o PIPE. Já são 500 apoiadas pelo programa, que receberam até R$ 500 mil cada uma para produzir inovação. Algumas delas já conseguiram desenvolver projetos inovadores e crescer baseado nisso.

ASP: Existem outras formas de financiamento no Estado?

CHBC: Outro programa é o Sistema de Parques Tecnológicos, da Secretaria de Ciência e Tecnologia. Trata-se da organização de cinco parques tecnológicos e mais alguns arranjos produtivos, com o objetivo de criar ambientes favoráveis para atrair e viabilizar centros de pesquisa e desenvolvimento ligados a empresas nacionais ou estrangeiras. Um dos resultados pode ser observado em São José dos Campos, onde a parceria entre Embraer, Instituto de Pesquisa Tecnológica e Istituto Tecnológico da Aeronáutica desenvolveu um centro de pesquisa sobre estruturas leves, inaugurado há duas semanas. O Estado de São Paulo também investe em universidades de pesquisa, que atrai para as proximidades dessas instituições a instalação de empresas de base tecnológica e centros de pesquisa.

ASP: Como o senhor avalia a atual política de inovação?

CHBC: Algumas ações são positivas, mas ainda existem desafios importantes, como a necessidade de um sistema mais bem articulado entre universidades, Fapesp e Secretaria da Ciência e Tecnologia.

ASP: O BNDES cumpre seu papel no estímulo à inovação?

CHBC: A partir de 2006, mudou a política operacional para focalizar também a questão da inovação tecnológica. O novo programa oferece recursos para empréstimo com juros bem subsidiado para empresas desenvolverem atividades de pesquisa próprias. Tem também o Funtec, que oferece dinheiro não reembolsável para instituições públicas firmarem parcerias com empresas na á rea de pesquisa.

ASP: É possível utilizar as compras públicas pra promover inovação?

CHBC: Esse é um dos instrumentos que nem o Brasil nem o Estado de São Paulo utilizam com intensidade, mas é importante porque ajuda a viabilizar investimentos, principalmente em setores estratégicos. A Embraer, por exemplo, foi criada a partir de compras públicas e encomendas da Força Aérea.

ASP: Quais são os exemplos nacionais e internacionais?

CHBC: As três práticas mais comuns são o apoio estatal à P&D acadêmica e industrial, a busca das indústrias por mercados internacionais e o setor acadêmico com referenciais de qualidade internacionais. A melhor política estatal para inovaçãoé a da Bahia onde criaram uma Secretaria de Ciência e Tecnologia em 2001, uma fundação de amparo à pesquisa, a Fapesb, e desde então praticam uma estratégia bem dirigida.

ASP: Como São Paulo e a Fapesp vêem a nova aposta federal na biotecnologia e nanotecnologia? O que pode ser feito nessa área?

CHBC: Há muitas oportunidades em São Paulo na área de Biotecnologia. A Fapesp expôs isso quando organizou o programa Genoma em 1999 e desde então apóia muito a área. Mais da metade da produção científica em nanotecnologia no país vem da USP [Universidade de São Paulo] e da Unicamp. Esta última tem um dos melhores casos de licenciamento de patente na área de nanotecnologia jamais feito no Brasil, um pigmento para tinta branca desenvolvido pelo Instituto de Química.

ASP: Qual a situação atual do Sistema Nacional de Inovação (SNI)? Qual a influência direta em São Paulo?

CHBC: Esse Sistema está em desenvolvimento, mas em velocidade menor do que a de alguns de nossos competidores, como China e Índia. No Brasil, o investimento em P&D retrai levemente desde 2001, tendo caido de 1,1% do PIB (2001) para 0,92% do PIB (2004). Se na área de Ciência, Tecnologia e Inovação o Governo Federal tem criado políticas imaginativas e positivas, estes avanços são esvaziados pela política econômica que desestimula o investimento e torna o ambiente hostil à inovação. O resultado é que nem a nível nacional ou Estadual, as empresas conseguem aumentar seus esforços de P&D.

ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS: 1.800 EMPRESAS BENEFICIADAS

Parcerias ajudam interior a elevar produção e receita

Os Arranjos Produtivos Locais (APLs) são agrupamentos de empresas com a mesma atividade produtiva que interagem para promover e fortalecer o dinamismo socioeconômico de uma determinada região. A cooperação abrange Governos Estadual e municipal, associações empresariais, instituições de crédito e ensino, que fornecem consultoria na área empresarial e tecnológica, gestão ambiental, capacitação tecnológica e participação em feiras.

O Estado de São Paulo possui 21 APLs apoiados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), sendo 11 em parceria com a Secretaria de Ciência e Tecnologia. Atualmente, 1.800 empresas são beneficiadas direta ou indiretamente pela manutenção de mais de nove mil empregos. Após a implantação dos APLs, Jaú aumentou em 11,4% a comercialização de calçados. O faturamento em moda infanto-juvenil das cidades de Cerquilho e Tietê cresceu 15% e a receita bruta das empresas de móveis de Mirassol foi 15% maior do que o período anterior.

Na região de Araçatuba, zona oeste do Estado, o APL do setor calçadista de Birigüi possui 159 fábricas e emprega 17,5 mil pessoas. O projeto deve disponibilizar R$ 3,2 milhões nos próximos dois anos naquela região.

A formação e consolidação do APL exige um trabalho sistemático de instituições e governo. Na última gestão, de João Carlos Meirelles à frente da Secretaria de Ciência e Tecnolgia, foi anunciada a criação de muitos APLs. Mas a ação da pasta consistia em juntar empresas de um mesmo setor, montar uma solenidade, decretar a criação ao APL, sem definir as formas de apoio. Um dos desafios do próximo governador será institucionalizar as formas de atuação do Estado nessa área.