Há décadas um inimigo quase invisível atormenta a vida de milhões de brasileiros. E se tornou quase invencível com o avanço das mudanças climáticas, fortalecendo-se a cada temporada, principalmente no Brasil.
O combate ao mosquito Aedes aegypti, que transmite uma velha e conhecida doença dos brasileiros – a dengue, entre outras arboviroses que assustam, como zika, febre chikungunya e febre amarela urbana – mobiliza uma verdadeira indústria no mundo todo, especialmente no Brasil.
“A dengue é o exemplo mais drástico de uma doença infecciosa sensível ao clima. Seu aumento na expansão geográfica e maiores taxas de transmissão estão diretamente relacionados ao aumento das temperaturas e outras mudanças ambientais, e milhões de pessoas estão em risco”, afirmam os organizadores do Forecasting Healthy Futures, fórum global que acontece esta semana no Rio de Janeiro, para discutir os impactos das mudanças climáticas na saúde.
Diante deste cenário, a cada dia surgem novas ‘fábricas de mosquitos' com a bactéria Wolbachia (Wolbitos), capaz de combater a proliferação de insetos com o vírus da dengue e demais arbovirores. O objetivo é atender à demanda do Ministério da Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que elegeram o método como o mais eficiente e ambientalmente sustentável para combater a proliferação dos mosquitos no país.
Uma biofábrica está sendo implantada em Campinas, no interior de São Paulo, pela Oxitec , responsável por tecnologias como o ‘Aedes do Bem' e uma das patrocinadoras do FHF Global Summit. Presente no primeiro dia do evento, Vida e Ação conversou com Natália Ferreira , diretora executiva da Oxitec , que falou sobre as estratégias para 2025.
A empresa se prepara para atender e diz ter capacidade para beneficiar até 100 milhões de pessoas. Com este propósito, investe em Campinas, no interior de São Paulo, em uma moderna fábrica para produção de uma nova tecnologia para combater as arboviroses.
Outra biofábrica construída em Curitiba deve entrar em operação em 2025, com uma expectativa de produção de cerca de 100 milhões de ovos de mosquitos por semana, priorizando municípios com alto risco de dengue. De acordo com informações da , a nova unidade é considerada a maior do mundo e está localizada na área do Parque Tecnológico da Saúde, sob a responsabilidade do I nstituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) , vinculado à Fiocruz, e do World Mosquito Program (WMP).
A previsão é de que ao longo de 10 anos de atividade, aproximadamente 140 milhões de brasileiros possam ser beneficiados com a implementação do método em diversos municípios do país, só com esta fábrica. No Paraná, desde que as biofábricas para soltura inauguraram, em julho de 2024, já foram soltos mais de 20 milhões de Wolbitos em Londrina e Foz do Iguaçu. Atualmente, Joinville (SC), Presidente Prudente (SP), Uberlândia (MG) e Natal (RN), são os outros municípios selecionados pelo Ministério da Saúde onde o método é aplicado.
O mosquito da dengue, aliás, se tornou um dos ‘personagens' principais dos debates no Forecasting Healthy Futures Global Summit. A iniciativa, aliás, surgiu há quatro anos inicialmente para discutir soluções para o enfrentamento do mosquito e se expandiu para falar de doenças negligenciadas e tantos outros impactos da crise climática para a saúde humana nos países que sediam anualmente os encontros COP.
Não à toa, o evento global que acontece no Rio de Janeiro conta com apoio de empresas e instituições que desenvolvem novas tecnologias para prevenção e combate ao Aedes aegypti. Como a própria Oxitec, que expôs as formas de funcionamento do seu conhecido ‘Aedes do Bem' e também o
Vacina da dengue: desafios para prevenir a doença no Brasil
Entre elas, está a Takeda, farmacêutica japonesa que produz a vacina Qdenga.
Incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS) em 2023, o imunizante ainda não é oferecido em larga escala devido a capacidade restrita do laboratório em produzir doses para fornecimento ao SUS. Diante dessa dificuldade, o Ministério da Saúde vem investindo esforços para que a vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan, que é público, ligado à Secretaria de Estado de São Paulo, chegue mais rapidamente ao mercado – saiba mais aqui
Mas o que complicou o desenvolvimento de uma vacina ou terapia para a dengue e quais as principais diferenças entre os processos de desenvolvimento de produtos médicos dos setores público e privado? Quais desafios são previstos para dimensionar soluções e como a equidade está sendo abordada?
Para debater essas questões, além de Natália Ferreira , da Oxitec, o painel ‘Dengue: Escala de custo-efetividade para múltiplas intervenções preventivas' reuniu especialistas e executivos como Gabriel Sylvestre Ribeiro, gerente de Implementação da Wolbito do Brasil SA; José Alfredo de Souza Moreira , diretor de Desenvolvimento Clínico do Instituto Butantan Andre Siqueira, chefe do Programa Dengue da DNDi; além de representantes de organismos financiadores, como Vitor Pimentel, gerente do Departamento de Indústria da Saúde do BNDES, e Martin Edlund, diretor executivo da Health Finance Coalition, que moderou o debate.
Bactéria do bem: conheça o Método Wolbachia
Mosquitos com Wolbachia são soltos em diversos locais no Brasil e no mundo. A Wolbachia é uma bactéria presente em aproximadamente metade dos insetos no mundo, inclusive em alguns mosquitos. No entanto, não é encontrada naturalmente no Aedes aegypti . Quando presente neste mosquito, a Wolbachia impede que os vírus da dengue, Zika, chikungunya e febre amarela urbana se desenvolvam dentro dele, contribuindo para redução destas doenças.
Desenvolvido na Austrália em 2011 e presente desde 2014 no Brasil, o Método Wolbachia consiste na liberação de Aedes aegypti com Wolbachia para que se reproduzam com os Aedes aegypti locais estabelecendo, aos poucos, uma nova população destes mosquitos, todos com Wolbachia . Não há qualquer modificação genética no Método Wolbachia do WMP, nem no mosquito nem na Wolbachia
Programa Mundial de Mosquitos
O Brasil é um dos 14 países que compõem o Programa Mundial de Mosquitos – WMP (World Mosquito Program) uma iniciativa internacional sem fins lucrativos que trabalha para proteger a comunidade global das doenças transmitidas por mosquitos. Além de Austrália e Brasil, o método já foi implantado na Colômbia, El Salvador, México, Indonésia, Honduras, Laos, Sri Lanka, Vietnã, Kiribati, Fiji, Vanuatu e Nova Caledônia).
No Brasil, o Método Wolbachia é conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com financiamento do Ministério da Saúde, em parceria com os governos locais. Testada inicialmente em Niterói (RJ), com resultados positivos, metodologia está presente atualmente nas cidades do Rio de Janeiro (RJ), Campo Grande (MS), Petrolina (PE) e em parte do parte de Belo Horizonte (MG). Seis novos municípios estão em fase de implementação: Foz do Iguaçu (PR), Londrina (PR), Joinville (SC), Uberlândia (MG), Presidente Prudente (SP) e Natal (RN).
Método Wolbachia é ‘ambientalmente amigável'
De acordo com a WMP Brasil, o Método Wolbachia é “ambientalmente amigável”. Em laboratório, pesquisadores identificaram que a Wolbachia , que é intracelular, não pode ser transmitida para humanos ou outros mamíferos. A Wolbachia também está presente naturalmente em outras espécies de artrópodes. Ou seja, ao se criar uma população de Aedes aegypti com Wolbachia , não haverá alteração significativa nos sistemas ecológicos.
“Com o tempo, a porcentagem de mosquitos que carregam a Wolbachia aumenta, até que permaneça estável sem a necessidade de novas liberações. Este efeito torna o método autossustentável e uma intervenção acessível a longo prazo. Três avaliações de risco independentes foram realizadas e apresentaram uma classificação de risco global “insignificante” (a mais baixa possível) para a liberação de mosquitos com Wolbachia”, explicam os pesquisadores
Saiba mais – Para popularizar o método, foi criado o Wolbito, o Aedes aegypti com Wolbachia, mascote do WMP Brasil, que também é levado a comunidades e escolas. Acesse wolbitonaescola.org. Para mais informações sobre o Método Wolbachia, clique aqui.
Com informações da Oxitec e WMP Brasil e AEN (PR)
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