Um grupo de pesquisadores brasileiros desenvolveu um pão com potencial para prevenir a asma, doença respiratória responsável por cerca de 350 mil internações anuais no Sistema Único de Saúde (SUS).
Julia Moióli | Agência FAPESP
Uma das condições respiratórias mais comuns no mundo e com prevalência em alta, a asma afeta cerca de 20 milhões de brasileiros, de acordo com o Datasus (banco de dados coordenado pelo Ministério da Saúde). Ela se caracteriza pela inflamação e hiper-responsividade das vias aéreas e, embora suas causas exatas sejam desconhecidas, sabe-se que está associada a fatores como ambiente, dieta e composição da microbiota intestinal. Por conta deste último item, pacientes asmáticos podem se beneficiar do consumo de probióticos.
Atentos a isso, um grupo de pesquisadores brasileiros desenvolveu um pão funcional com potencial para prevenir a asma, doença respiratória responsável por cerca de 350 mil internações anuais no Sistema Único de Saúde (SUS).
Descrita na revista Current Developments in Nutrition e já patenteada (número de protocolo BR1020210266465), a formulação contém a levedura Saccharomyces cerevisiae UFMG A-905, probiótico que já se mostrou eficaz em atenuar os sintomas da doença em testes com camundongos (leia mais em: agencia.FAPESP.br/40748). Ainda serão necessários novos estudos com voluntários humanos.
Embora essas bactérias benéficas tradicionalmente sejam administradas puras ou por meio de produtos lácteos, como iogurte, leite, kefir e outros, não há empecilhos para o uso de outros veículos – o que, inclusive, pode favorecer pessoas alérgicas à proteína do leite ou com intolerância à lactose.
Neste estudo, financiado pela FAPESP, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) incorporaram, pela primeira vez, a levedura S. cerevisiae UFMG A-905 à produção de um pão de fermentação natural. O trabalho contou com a colaboração de grupos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Para avaliar seu potencial, foram testados e comparados três tipos de pães: o primeiro foi fermentado com levedura comercial; o segundo, com a levedura S. cerevisiae UFMG A-905 (pão UFMG -A905); e o terceiro, com S. cerevisiae UFMG A-905 e acrescido de microcápsulas contendo também S. cerevisiae UFMG A-905 vivas.
“Incorporamos a levedura viva encapsulada com o objetivo de manter a viabilidade e a atividade do probiótico em face das altas temperaturas atingidas durante o cozimento”, explica Marcos de Carvalho Borges, professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e orientador do estudo. “Essas microcápsulas também podem proteger compostos bioativos e probióticos, melhorando sua estabilidade, sobrevivência e biodisponibilidade.”
Por 27 dias, camundongos com asma foram alimentados com os pães. Ao final do experimento, aqueles que receberam os fermentados com a S. cerevisiae UFMG A-905 apresentaram menos inflamação das vias aéreas, com diminuição nos biomarcadores de asma (as interleucinas tipo 5 e tipo 13, ou IL5 e IL13, que são proteínas secretadas por células do sistema imune).
No caso do produto que também continha a levedura microencapsulada, houve ainda redução na hiper-responsividade das vias aéreas e nas concentrações da proteína interleucina 17A (IL17A), relacionada à asma. Tais resultados se assemelham a estudos anteriores, que confirmaram a ação da S. cerevisiae UFMG A-905 viva na prevenção da doença.
“Observamos que os dois pães fermentados com a S. cerevisiae UFMG A-905 preveniram o desenvolvimento da asma nos animais, o que revela, juntamente com resultados de outros experimentos, que essa levedura tem um efeito muito consistente e, ao que tudo indica, realmente pode combater o desenvolvimento da asma”, conta Borges.
Próxima etapa: teste em humanos
Embora reconheçam limitações do estudo, como a ausência de análise de um pão com fermento comercial adicionado de microcápsulas e de dados sobre a sobrevivência das microcápsulas de S. cerevisiae UFMG A-905 após o cozimento, os cientistas acreditam já ser possível dar o próximo passo: desenvolver um protocolo para avaliar os efeitos do pão com a levedura também em humanos.
“O potencial desse produto é extremamente interessante”, acredita Borges. “Pão é um alimento natural, que praticamente todo mundo consome, inclusive faz parte da dieta de crianças, e também apresenta fácil distribuição e boa meia-vida em prateleira.”
O estudo contou com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e com a atuação dos cientistas Ana Paula Carvalho Thiers Calazans e Thamires Melchiades Silva Milani, da FMRP-USP; Ana Silvia Prata e Maria Teresa Pedrosa Silva Clerici, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp; e Jacques Robert Nicoli e Flaviano Santos Martins, do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. O artigo A Functional Bread Fermented with Saccharomyces cerevisiae UFMG A-905 Prevents Allergic Asthma in Mice pode ser lido em: https://cdn.nutrition.org/article/S2475-2991(24)00076-3/fulltext.