O estudo brasileiro estudou 3.855 voluntários sobre a forma como eles perceberam o tempo durante o isolamento social.
sexta-feira, 29/04/2022, 13:49 - Atualizado em 29/04/2022, 13:48 - Autor: Agência FAPESP
A celebre frase do físico Albert Einst 'o tempo é relativo' refere-se a uma noção de que há uma variação no tempo, ou seja, ele é uma ilusão na medida em que pessoas vivem tempos distintos.
Um estudo brasileiro, publicado na revista cientifica Science Advances, mostrou que a pandemia de COVID-19 alterou a forma como as pessoas percebem a passagem do tempo.
Foram recrutados 3.855 voluntários para responderem um questionário on-line com dez perguntas, além de cumprirem uma pequena tarefa para avaliar a habilidade de estimar pequenos intervalos temporais (apertar um botão indicando a passagem de um tempo específico). Depois disso, os participantes foram questionados sobre a rotina da semana anterior e como se sentiram (felizes, tristes, solitários etc.).
Ao final do primeiro mês de isolamento social, 65% dos participantes afirmaram que começaram a sentir as horas passando mais devagar (classificado pelos pesquisadores como “expansão temporal”, que se mostrou associado à solidão e à falta de experiências positivas no período).
75% dos participantes, disseram que a sensação de “pressão temporal” diminuiu, que é quando o tempo parece andar mais rápido e falta tempo para realizar as tarefas do dia a dia e ter o lazer. A grande maioria dos entrevistados (90%) afirmou estar cumprindo o isolamento social durante aquele período.
“Observamos que essa sensação de expansão temporal foi diminuindo com o passar das semanas. Mas não notamos diferenças significativas em relação à pressão temporal”, contou o autor do artigo André Cravo, professor da Universidade Federal do ABC.
PESQUISA
Os pesquisadores analisavam as respostas e calculavam, semana a semana, se havia aumento ou queda nos parâmetros utilizados na avaliação: expansão e pressão temporal.
“Além desse aumento ou queda nas escalas, queríamos descobrir quais fatores acompanhavam as mudanças. E, ao longo dos cinco meses, observamos um padrão parecido: nas semanas em que o indivíduo se sentia mais sozinho e vivenciava menos afetos positivos, também sentia o tempo passar mais devagar. Já em situações com alto nível de estresse, sentia o tempo passar mais rapidamente”, disse o professor.
Os participantes também foram questionados sobre como percebiam a passagem do tempo antes da pandemia. Foi possível observar um aumento da expansão temporal e uma redução na pressão temporal.
Segundo os dados no artigo, os jovens foram os que mais sentiram o tempo parar no início da pandemia, quando se observou um maior número das medidas de distanciamento social. Tirando a idade, outros fatores, como o número de pessoas na residência, a profissão e o gênero, não tiveram impacto nos resultados.
PARTICIPANTES
O perfil dos participantes consistia principalmente por pessoas da região Sudeste (80,5%), de mulheres (74,32%), com alta escolaridade (71,78% com ensino superior), de classe média-alta (33,08%) e de trabalhadores dos setores de educação (19,43%) e saúde (15,36%). O que pode ter contribuído para se chegar naquele resultado.
“Essa é uma característica comum a muitos estudos on-line: maior participação de mulheres, da região Sudeste e com alta escolaridade. Talvez com uma amostra mais representativa da população brasileira conseguiríamos ver a influência de fatores demográficos”, disse Raymundo Machado, pesquisador do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein e coautor do artigo.
Embora a forma de sentir a passagem do tempo tenha sido alterada, a pandemia não mudou a habilidade dos participantes em estimar pequenos intervalos temporais (medida na tarefa de apertar o botão).
Na literatura científica existem indicativo que a sensação de o tempo passar mais depressa ou mais devagar é influenciada pela relevância do tempo em um determinado contexto e a imprevisibilidade.
“Por exemplo, se estamos atrasados para o trabalho [o que torna o tempo relevante no contexto] e precisamos esperar o ônibus passar no ponto [algo incerto], temos a percepção extrema de que os minutos não passam. Já quando estamos viajando e nos divertindo, não damos relevância para o tempo e ele parece voar”, desse Machado.
Para ele, ainda é um mistério como vamos nos lembrar desta passagem do tempo durante a pandemia.
A pesquisa divulgada na revista Science Advances teve apoio da FAPESP por meio de cinco projetos ( 17/25161-8 , 19/25572-3 , 17/24575-3 , 19/06423-7 e 16/24951-2 ).
O artigo Time experience during social distancing: A longitudinal study during the first months of COVID-19 pandemic in Brazil pode ser acessado AQUI .