O mais completo fóssil de um réptil pertencente ao grupo dos dirossaurídeos já identificado em toda a América do Sul foi apresentado nesta quarta-feira (26/03) no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na cidade do Rio de Janeiro. A descoberta foi feita por um grupo de paleontólogos brasileiros no norte do Recife (PE).
Trata-se de uma nova espécie de crocodiliforme marinho, nomeado pelos pesquisadores de Guarinisuchus munizi, que viveu durante o período conhecido como Paleoceno, há 62 milhões de anos. Os crocodiliformes reúnem os gaviais, jacarés e crocodilos recentes. O animal descoberto, que tinha três metros de comprimento, cujo nome descrito reúne o termo"guarini" (tupi para "guerreiro") e a latinização do último nome do paleontólogo Geraldo da Costa Barros Muniz, professor da Universidade Federal de Pernambuco.
"Anteriormente, em regiões como Bolívia, Colômbia e até mesmo no Brasil, haviam sido coletados outros fragmentos de dirossaurídeos, como dentes e pedaços de vértebras, mas nada que pudesse diagnosticar uma espécie nova", disse Alexander Kellner, professor do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional, à Agência Fapesp (Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
"Esse é o mais completo dirossaurídeo descoberto na América do Sul. Apesar de não estar 100% completo, ele tem a maior parte de seu esqueleto representada. É composto de um crânio inteiro, de uma mandíbula sem a parte posterior, vértebras, escudos hérnicos, costelas, dentes e alguns fragmentos dos membros anteriores", explicou.
A identificação do esqueleto do animal, no entanto, não é o ganho mais importante. Para Kellner, o grande avanço ocasionado pela descoberta da espécie está na elaboração de duas teorias inéditas. A primeira é sobre a possível substituição de dois grupos distintos de répteis no Nordeste brasileiro, os dirossaurídeos e os mosassauros. A outra diz respeito à provável rota de dispersão dos crocodiliformes pelos continentes.
A Mina Poty, em Pernambuco, uma pedreira de calcário para a fabricação de cimento, onde o material foi coletado, abriga sedimentos que marcam a transição do período Cretáceo para o Paleoceno. "Os sedimentos na região variam de 68 milhões a 62 milhões de anos, mesma época em que ocorreu a grande extinção da maioria dos dinossauros (por volta de 65 milhões de anos atrás) e, conseqüentemente, uma crise na diversidade da vida no planeta", contou Kellner.
Segundo ele, em sedimentos mais antigos da Mina Poty, com mais de 65 milhões de anos, podem ser encontrados restos de répteis marinhos chamados de mosassauros, considerados os grandes predadores dos mares durante o Cretáceo.
"Nos sedimentos acima desse limite de tempo não é mais possível encontrar mosassauros. Isso nos leva a concluir que, pelo menos na costa brasileira, após a extinção dos grandes dinossauros os mosassauros desaparecerem e deram lugar justamente aos dirossaurídeos, como o Guarinisuchus munizi. Essa substituição faunística é mais do que uma questão teórica. Ela é prática e nós a documentamos por meio de observações e coletas locais", disse o paleontólogo.
Origem africana
A nova espécie de crocodiliforme e as duas teorias foram descritas em artigo publicado nesta terça-feira (25/3) na Proceedings of the Royal Society B. "Esse artigo serve como uma grande pergunta à comunidade científica internacional para saber se essa substituição faunística também ocorreu em outros continentes. Ainda estamos aguardando essa comprovação", apontou Kellner.
A partir dessa premissa, os pesquisadores brasileiros conseguiram estabelecer relações de parentesco para determinar a origem desses animais. "Os dados nos mostram que os dirossaurídeos mais primitivos têm um possível centro de origem no oeste da África, de onde migraram para a América do Sul e, depois, para a América do Norte. Com o Guarinisuchus encontrado em Pernambuco, pela primeira vez tivemos condições de estabelecer uma rota de dispersão para os crocodiliformes dirossaurídeos", disse Kellner.
O primeiro paleontólogo a ter contato com os fósseis originais do Guarinisuchus munizi no Nordeste brasileiro foi José Antonio Barbosa, do Departamento de Geologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
"Visitamos o sítio paleontológico da Mina Poty regularmente para fazer a coleta de material fóssil, seja de organismos vertebrados ou de invertebrados. Em 2002, quando coletava amostras para um estudo geoquímico, deparei com um grande bloco de calcário com ossos à mostra. Com o auxílio de uma escavadeira removemos todo o bloco para ter acesso ao material", disse Barbosa à Agência Fapesp.
"Tivemos uma fase inicial de preparação e logo percebemos que se tratava de um material raro e que merecia cuidados especiais. Fiz contato com o Museu Nacional e, em 2005, soubemos que o material era de um crocodiliforme dirossaurídeo", contou.
O trabalho foi realizado em parceria com a professora Maria Somália Sales Viana, da Universidade Estadual Vale do Acaraú, no Ceará. A pesquisa teve apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Uma réplica em tamanho natural do Guarinisuchus munizi ficará, a partir desta sexta-feira (28), em exposição no Museu Nacional, situado no parque da Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. (Agência Fapesp)