Em meados do começo do milênio, os Estados Unidos decidiram realizar investimentos estratégicos em nanotecnologia. Estudos mostravam que ela poderia ter enormes impactos em diversos segmentos da atividade humana, e o país inseriu no rol de suas prioridades um forte investimento nesse campo do conhecimento.
No rastro dessa medida, outros países, inclusive o Brasil, atentaram para a importância de esforços para dominar a nanotecnologia. Por aqui, houve a inclusão da nanotecnologia em programas públicos de fomento e a formação de redes nacionais de pesquisa dedicadas à nanociência. Até pouco tempo, porém, era impossível encontrar empresas privadas que se dedicassem ao tema, aparentemente restrito à pesquisa financiada exclusivamente com recursos públicos. Essa situação, entretanto, está se alterando e já existem competidores nacionais fornecendo produtos nanotecnológicos ao mercado brasileiro, com aplicações em diversos segmentos, inclusive o de plásticos.
Um dos rebentos dessas iniciativas consiste no único laboratório de nanotecnologia aplicada ao agronegócio do Brasil, e quiçá do mundo, inaugurado recentemente pela Embrapa Instrumentação Agropecuária, de São Carlos-SP. O investimento totaliza cerca de R$ 10 milhões e conta com recursos oriundos da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e da própria Embrapa.
O aparato do laboratório que o credencia à pesquisa da nanotecnologia em plásticos, nas palavras de José Manuel Marconcini, pesquisador da Embrapa Instrumentação Agropecuária, é composto por equipamentos de microscopia de força atômica (para a análise de superfícies e a detecção de algumas estruturas nanométricas), um laboratório de síntese e caracterização de nanoestruturas, dotado de equipamentos de caracterização de partículas e análises de potencial zeta e de área superficial, medidores de ângulo de contato, reômetros rotacionais e equipamentos de caracterização de materiais (para a realização de ensaios mecânicos, ensaios de impacto e HDT Vicat, entre outros). Além de todo esse maquinário, o novo laboratório da Embrapa Instrumentação Agropecuária possui, como suporte, instrumentos de análise térmica DFC, termogravimetria e DMA, bem como equipamentos de análises espectroscópicas, incluindo ressonância magnético-nuclear, IR e UV.
A unidade de São Carlos ainda possui um laboratório voltado ao processamento de polímeros termoplásticos em geral, com extrusora dupla-rosca, uma injetora de 40 t de fechamento, para a injeção de corpos-de-prova e protótipos pequenos, uma extrusora de filmes e um reômetro de torque, para estudar o comportamento de compostos em misturadores de câmara interna (simulando o comportamento de equipamentos de processo, como extrusoras). Completa o arsenal uma linha de revestimento e laminação, incomum em laboratórios de pesquisa. "A ideia por trás desse conjunto de equipamentos é sintetizar nanoestruturas, caracterizá-las, obter novos materiais nanocompósitos e protótipos adequados para a aplicação no agronegócio, ou cujas fontes venham do agronegócio", explica o pesquisador.
Mas o que resulta da intersecção de nanotecnologia, agronegócio e plásticos? O objetivo do novo laboratório é pesquisar a utilização de nanocompósitos em embalagens para aumentar a vida útil dos produtos agrícolas embalados. Esse escopo é amplo e engloba algumas frentes, como o incremento de propriedades de barreira, a mitigação da atividade microbiana e a elevação da resistência mecânica.
A Embrapa já desenvolve pesquisas relacionadas aos candidatos usuais a aplicações de nanotecnologia em plásticos, como as argilas (para melhorar a barreira e as propriedades mecânicas da embalagem) e a prata (que tem poder antimicrobiano), mas, armada com seu novo laboratório, também está tentando fugir do lugar comum. No campo dos antimicrobianos, Marconcini revela uma linha de pesquisa em que o protagonista é a quitosana, um polímero natural e biodegradável obtido de cascas de camarão. No mais, o pesquisador se mantém reticente, e se recusa até a comparar as propriedades da quitosana com as da prata. "Ainda estamos em desenvolvimento, e fazendo uma série de coisas diferentes do que está no mercado", diz, enigmático e sorridente.
As incursões pela nanotecnologia também apontam para a extração de nanoestruturas de celulose, os famosos whiskers de celulose, assim denominadas as porções cristalinas do polímero natural. A "nanocelulose" tem diâmetro e comprimento nanométricos - respectivamente, de 5 a 30 nanômetros, e de 100 a 500 nanômetros - e pode ser incorporada a plásticos e elastômeros, dotando-os de maior resistência mecânica. O algodão é uma das culturas que oferece um produto rico em celulose. In natura, ele fornece um polímero com cerca de 70% de cristalinidade, que pode ser elevada a 90% no processo de obtenção da nanoestrutura.
Compatibilidade desafiadora - Com a carga nanoestruturada em mãos, entra em cena a etapa de estudo da incorporação à matriz plástica, que promete consumir boas horas da dedicação dos pesquisadores da Embrapa. "São muitas situações inéditas e de difícil comparação com o que está disponível na literatura, pois as pesquisas existentes não têm se direcionado a processos convencionais de transformação, como a extrusão e a injeção. De modo geral, ainda é um desafio obter produtos", explica Marconcini.
Apesar de ser um material orgânico, a celulose é bastante hidrofílica e polar, o que torna sua compatibilização e dispersão na matriz termoplástica uma dificuldade específica para cada tipo de resina. O mercado pode esperar novidades, pois a empresa pública investiga ainda outras substâncias pouco empregadas na obtenção de cargas nanoestruturadas para plásticos, mas o segredo, novamente, é necessário.
Por estar muito ligada à produção de alimentos, uma outra linha de pesquisa é essencial para a Embrapa: a determinação da nanotoxicologia, isto é, os efeitos adversos dos nanocompósitos em organismos vivos. Uma das preocupações mais óbvias recai sobre a possibilidade de migração das nanopartículas, principalmente no caso das embalagens. Sempre há um coeficiente de difusão e permeação das partículas para a superfície da matriz, seja ela polimérica, metálica ou cerâmica. Esse coeficiente é característico de cada combinação plástico versus nanopartícula e deve ser conhecido, para fornecer duas informações básicas: a ocorrência ou não de migração das nanopartículas para os produtos embalados, e, no caso de migração, a máxima concentração de nanopartículas segura para a saúde humana, presumida a ingestão do embalado.
Dos mais de quarenta centros de pesquisa da Embrapa, dezessete desenvolvem pesquisas dedicadas à nanotecnologia. Na companhia de outras 13 universidades, formam uma rede de nanotecnologia financiada pela Embrapa, voltada ao agronegócio e que conta com 90 pesquisadores. Esse esforço conjunto já rendeu resultados, um dos mais conhecidos, talvez, o do sensor polimérico conhecido como língua eletrônica. Mas o grande diferencial da empresa pública, na visão de Henrique Carparelli Mattoso, coordenador da Rede de Nanotecnologia para o Agronegócio, é a obtenção de produtos derivados de biopolímeros, em resposta à busca por alternativas ao petróleo. Nesse contexto, e somados à liderança do país na agricultura, materiais como o amido, a celulose, a quitosana e as fibras naturais ganham importância. Além disso, a Embrapa desenvolve novas
variedades de muitos desses materiais oriundos de fontes renováveis. Os biopolímeros, entretanto, costumam apresentar muitas limitações no desempenho mecânico e nas propriedades de barreira, mas, juntando o nano com o bio, Mattoso acredita que é possível chegar a biopolímeros com propriedades melhoradas pela nanotecnologia.
O coordenador também crê no potencial das biorrefinarias, instalações industriais que usam biomassa para a fabricação de produtos tradicionalmente obtidos de combustíveis fósseis pela indústria petroquímica. Muitos coprodutos de biorrefinarias contêm biopolímeros e fibras naturais, e poderiam se tornar bons substitutos para produtos de origem fóssil, como já acontece, seguindo conceito similar, com a alcoolquímica e o plástico derivado de cana-de-açúcar.