Exemplo promissor entre as chamadas terapias avançadas, tratamento com células CAR-T fica em torno de R$ 2 milhões
Em setembro deste ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a pesquisa clínica com medicamentos à base de células imunologicamente modificadas, chamadas de CAR-T. Essa terapia altera, geneticamente, células de defesa de um paciente (linfócitos T) e as devolve ao corpo em grande quantidade para que elas ataquem as células cancerosas. O estudo é conduzido pela Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto (Fundherp), da Universidade de São Paulo (USP), em uma parceria com o Instituto Butantan.
A técnica, que foi tema de um dos painéis do Summit Saúde e Bem-Estar 2023 , evento organizado pelo Estadão , tem se mostrado eficiente para tratamentos contra certos tipos de câncer no sangue - e, em fase preliminar, já foi responsável pela remissão completa de alguns pacientes brasileiros. Um caso notório foi o do publicitário fluminense Paulo Peregrino, que após 13 anos tratando linfomas, viu as células cancerosas desaparecerem de seus exames após 30 dias de tratamento com terapia CAR-T.
Agora, 81 pessoas terão a mesma oportunidade por meio do estudo. "Estamos vivendo uma revolução. Os resultados efetivos para alguns tipos de câncer podem se expandir para o tratamento de todos os tipos", comemora Dimas Covas, diretor da Fundherp.
"Combater tumores sólidos ainda não é uma realidade, mas é uma grande promessa a partir dessa modificação celular", projeta José Mauro Kutner, gerente médico da Hemoterapia e Terapia Celular do Hospital Israelita Albert Einstein, que também realiza ensaios com CAR-T.
Dezenas desses ensaios clínicos estão em andamento no Brasil com apoio de verbas públicas. A expectativa é que, no futuro, a terapia CAR-T esteja incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Hoje, o custo do tratamento por paciente gira em torno de R$ 2 milhões, o que dificulta sua aplicação em larga escala - além de ser um valor impeditivo na esfera privada. "O caminho para baratear passa por unir forças entre o público e o privado"
Mais recursos e queda de patentes, somados ao crescimento da indústria de biotecnologia nacional, fatalmente diminuirão os custos, considerando o maior volume de produção", avalia Kutner, citando a atuação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Ebrapii), organização social que faz a ponte financeira entre diversas pastas do governo federal e instituições de pesquisa tecnológica que visam a inovação na indústria.
Essa fusão entre ciência e indústria requer a retenção de talentos no País, mas com uma formação híbrida. "Como não conseguimos desenvolver integralmente as tecnologias, temos de tomar atalhos - incentivar que trabalhem nos Estados Unidos, na Europa, absorvam esse conhecimento e retornem", sugere Covas.
Ele acredita que somente o investimento maciço em tecnologia diminuirá a grande dependência da indústria farmacêutica em relação às importações. "O primeiro registro comercial de um CAR-T foi em 2017, nos Estados Unidos. No Brasil, o primeiro tratamento foi já em 2019. Nós dominamos o ciclo tecnológico; o problema é transformar isso em produto", explica.
"Precisamos discutir o que fazer para que uma inovação não fique na prateleira. É importante que todos os brasileiros tenham acesso. A indústria tem o papel social de garantir que o progresso da ciência seja revertido em benefício para o paciente", pondera Lenio Alvarenga, diretor médico da Novartis Brasil.
A preocupação financeira se justifica, pois as chamadas terapias avançadas estão se desenvolvendo em várias frentes, para além das doenças oncológicas, e com custos ainda maiores que os da CAR-T. Promessas de cura não apenas para doenças raras, mas para problemas crônicos como Alzheimer e Parkinson. Outra frente que anima uma parcela significativa dos especialistas é a engenharia de tecidos, que regenera órgãos e tecidos a partir de biomateriais desenvolvidos fora do corpo.
Um diferencial do Brasil nesse cenário de terapias avançadas é a diversidade genética de sua população. "É um foco de pesquisas muito promissor", diz Kutner, do Einstein. "Nossa participação tem aumentado em estudos globais e nossos dados são considerados, pelas agências internacionais, como bem adequados e com qualidade", destaca Alvarenga.