BRASÍLIA - O decreto que prevê cortes nas despesas com as bolsas de mestrado e doutorado concedidas pelos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia não vai afetar o programa previsto pelo MEC para 1998, mas deverá ter reflexos nas bolsas concedidas pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), ligado à Ciência e Tecnologia.
O decreto estabelece que as despesas com novas bolsas de estudo e pesquisas, e com a manutenção ou renovação das atuais, não poderão ultrapassar 90% dos gastos feitos este ano. Além disso, determina que a quantidade de novas bolsas não poderá passar, no ano que vem, de 50% do que foi liberado em 1997.
O ministro da Educação, Paulo Renato Souza, não quis comentar o decreto. Já o presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), lidada ao MEC, Abílio Baeta Neves, garantiu que em sua área as medidas não terão um reflexo maior.
"A Secretaria de Orçamento e Finanças (SOF) já havia cortado em mais de 11% as despesas previstas com as bolsas a serem concedidas pela Capes em 1998", afirmou Baeta Neves. Já o CNPq só hoje deverá ter uma posição sobre as conseqüências das novas medidas. Técnicos do governo adiantaram que o impacto será maior porque o corte orçamentário previsto para o CNPq, em 1998,chegava a apenas 4%.
Alívio - O presidente da Capes disse que ficou "aliviado" com a publicação do decreto no Diário Oficial da União de ontem. Logo após a divulgação do pacote, segunda-feira, houve interpretações de que haveria um corte de 12,5%, além do que já havia sido eliminado do orçamento.
"Se a intenção fosse esta, realmente seria um desastre para as instituições de pesquisa", afirmou Baeta Neves. Antes da divulgação do pacote, o MEC vinha tentando reverter no Congresso o corte previsto para o ano que vem.
A Capes, com 21 mil bolsas de estudos no país e no exterior, terá os recursos reduzidos, segundo a proposta orçamentária, de R$ 390 milhões para R$ 350 milhões. "Os R$ 40 milhões que iríamos perder de qualquer forma já iriam diminuir a oferta de novas bolsas", explicou o presidente da Capes.
Já o CNPq recebeu, este ano, um total de R$ 490 milhões para bolsas de pesquisa. De acordo com a proposta orçamentária, o conselho perderia R$ 24 milhões. Mas o órgão já havia conseguido a aprovação da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara para manter em 1998 o mesmo orçamento de 1997.
Valores - O CNPq é responsável pela manutenção de 50 mil bolsistas: a bolsa para mestrado é de R$ 725 por mês e a de doutorado chega a R$ 1.070. Os bolsistas que fazem doutorado no exterior recebem R$ 1.300 mensais.
Segundo o presidente da Capes, o aumento excessivo no número de bolsas concedidas entre 1994 e 1997 vinha preocupando o Ministério da Educação. Nesse período houve um aumento de 18% no número de bolsas concedidas pela instituição. No entanto, a intenção não é diminuir, mas manter o número atual. "A taxa de liberação de bolsas fica em tomo de 15% ao ano. Um bolsista de mestrado gasta entre dois e dois anos e meio para terminar sua tese. Já no caso do doutorado, a bolsa chega a ser concedida por quatro anos", explicou Baeta Neves.
Reitor da PUC-Rio vê ameaça
FRANCISCO LUIZ NOEL
SALVADOR - O corte de 12,5% nas dotações federais para bolsas de ensino e pesquisa foi considerado "gravíssimo" pelo reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), padre Jesus Hortal. Além de pôr em risco a conclusão da pós-graduação pelos atuais bolsistas, o aperto nos gastos da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) dificultará o cumprimento das exigências da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que determina às universidades o aumento do número de professores com mestrado e doutorado nos próximos oito anos.
"Isso me parece gravíssimo, porque, no momento em que a nova LDB exige aumento de mestres e doutores, o corte nas bolsas passa a inviabilizar isso", disse Jesus Hortal. De acordo com o reitor, a medida terá pouco impacto no corpo docente da PUC-Rio, que dispõe de grande quantidade de professores com mestrado e doutorado. Mas, em muitas universidades, o desaquecimento da pós-graduação criará obstáculos para que alcancem o número mínimo, imposto pela lei, de um terço de doutores no quadro docente. "Só com os cursos de pós-graduação existentes é praticamente impossível formar todos os professores de que se precisa", afirmou Hortal. O reitor, que participa na capital baiana do 10° Congresso da Organização Universitária Interamericana, previu que muitos mestrandos e doutorandos serão obrigados a interromper os cursos se forem cortadas as verbas para as bolsas da Capes e do CNPq.
Bolsistas não vão desistir
Quem depende das bolsas já está se preocupando com os cortei nas verbas de pós-graduação. Impedidos por lei e por contrato com o Capes e o CNPq de ter outra fonte de renda, pesquisadores ligados as duas entidades imaginam mil maneiras de se manter no curso, nem que seja através de empréstimo.
"Eu faço qualquer coisa para não perder o investimento que fiz no meu curso", afirma o bolsista do CNPq Luiz Haroldo Figueiredo, de 29 anos, que está no meio do curso de mestrado em Administração de Empresas da Coordenadoria de Programas de Pós-Graduação em Administração (Coppead), vinculada à UFJRJ e considerada núcleo de excelência na universidade. "Pediria dinheiro emprestado, daria aulas por fora, correria atrás mesmo ganhando micharia. Fiz metade do curso, não tem sentido parar no meio."
Luiz, que recebe bolsa de R$ 724, deixou um emprego em que ganhava R$ 2 mil. "O mestrado já é um corte violento. Mas quando você entra sabe que está arriscando, vai pelo investimento que faz em si mesmo."
Outra que terminaria custasse o que custasse seria Cláudia Freire, colega de classe e de bolsa de Luiz Haroldo. "No meu caso, teria que rebolar para conseguir manter os gastos, mas terminaria o meu curso", afirmou. E que gastos. Segundo cálculos do próprio Luiz, somente no início de cada semestre o aluno gasta cerca de R$ 200 em livros e apostilas e a cada mês mais R$ 40 com material extra.
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Jornal do Brasil