Pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP) catalogaram ossos em perfeito estado de uma preguiça-gigante Catonyx cuvieri ) de 10 mil anos que caiu e ficou presa no Abismo Iguatemi, no Vale do Ribeira de Iguape, no sul do estado de São Paulo.
A descoberta, divulgada pelo Portal do Governo do Estado de São Paulo nesta segunda-feira (20), fornece dados sobre a anatomia da espécie e sobre o meio ambiente do Pleistoceno (entre 2,5 milhões e 11 mil anos atrás). Os resultados foram publicados em 1º de janeiro na revista Open Journal Systems
Ao todo, o Laboratório da USP trabalhou com ossos de três espécies de preguiças-gigantes. Os restos fósseis da C.cuvieri, da família Scelidotheriidae, foram encontrados em 1999 na primeira expedição ao Abismo Iguatemi. O úmero completo (braço), um rádio (parte do antebraço) e uma falange intermédia (osso do dedo) do animal estavam no acervo do Laboratório de Paleontologia Sistemática do Instituto de Geociências (IGc) da USP.
O indivíduo encontrado era um jovem adulto saudável e robusto, de acordo com medidas dos ossos. Essa espécie da megafauna deixou vestígios na região oriental da América do Sul, incluindo Brasil e Uruguai, e provavelmente conviveu com humanos.
Essas preguiças terrestres, por serem animais grandes, provavelmente viviam em ambientes típicos de Cerrado em transição com florestas densas, chamados de ecótonos.
“Há hipóteses de que nos últimos 14 mil anos já houvesse floresta na região, porém se ela estivesse consolidada dificilmente esses animais a habitavam", afirma Artur Chahud, pesquisador do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos (LEEH) do IB e autor do artigo, segundo o Portal do Governo de SP. "O que dá a entender que o bioma estaria em fase transicional de floresta com o Cerrado , favorecendo a entrada desses animais maiores, que se alimentam de vegetações típicas do Cerrado.”
O pesquisador Artur Chahud e a estudante Gabriella Pereira observando os fósseis de preguiça-gigante — Foto: Governo de São Paulo
Os ossos coletados da Catonyx são considerados padrão devido ao seu bom estado de conservação até serem descobertos. “O Abismo Iguatemi é uma caverna vertical. Ele (o animal) caiu, mas ficou muito protegido, apesar de não estar inteiro. É um abismo que favoreceu a preservação das peças”, explica Chahud.
Outra descoberta importante foi um fêmur da preguiça terrestre argentina, da família Nothrotherium , encontrado com incrustações e fraturas superficiais e identificado após 40 anos. A ossada foi descoberta em 1980, no Abismo Ponta de Flecha, São Paulo.
O LEEH requisitou o material e o identificou como o primeiro indivíduo da espécie encontrado no Brasil. Embora outras espécies da mesma família, como o Nothrotherium maquinense , já tenham sido descobertas no país, este fóssil apresenta semelhanças com espécies antigas de Megalonychidae da Argentina.
“Imagine a nossa surpresa ao pegarmos o material e encontrar uma preguiça que só existia na Argentina e que nunca tinha sido vista aqui, guardada em uma gaveta por tantos anos”, conta o pesquisador.
Embora a datação por carbono-14 não tenha sido realizada, estima-se que o Nothrotherium sp . tenha vivido entre o Pleistoceno e o Holoceno (de 11 mil anos atrás até o presente). Este jovem adulto robusto tinha em média 2 metros de altura.
No Abismo Ponta de Flecha também foram encontrados fósseis de um Eremotherium , outra espécie de preguiça-gigante terrestre que tinha cerca de 4 metros de altura. O material analisado foi um calcâneo (calcanhar) de um indivíduo em fase de crescimento, e o artigo sobre essa descoberta foi aprovado e aguarda publicação.
Os pesquisadores contam que as espécies de Catonyx, Nothrotherium e Eremotherium não eram arborícolas, diferentemente das preguiças atuais, devido ao seu tamanho. Isso tornava eles improváveis de se manterem em árvores por muito tempo.
A análise desses fósseis ajuda a entender a fauna e os biomas antigos da região. “A implicação que tiramos dos materiais é que é inviável um animal desse vivendo em uma floresta densa , o que é típico de animais muito grandes”, afirma Gabriella Pereira, estudante de graduação do IB e uma das autoras do artigo.
Se não fosse a existência do acervo com as ossadas, esse estudo não seria possível em laboratório. “Muita gente pensa que museu é um depósito de ‘coisa velha que não serve para nada', mas essas coleções podem e devem ser estudadas, sob diferentes abordagens, e podem servir para criar conhecimento novo”, diz Mercedes Okumura, pesquisadora e coordenadora do projeto.
Por Redação Galileu