Doenças genéticas atingem entre 2% e 3% das crianças nascidas de pais sadios. Um “erro” em um único gene, mutações inesperadas ou genes que, de acordo com o ambiente, aumentam nossa predisposição a doenças complexas podem resultar em mais de 20 mil condições como distrofias musculares, mal de Parkinson, Alzheimer, cardiopatias, autismo, nanismo, entre outras.
O Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células Tronco (HUG-CELL, da sigla em inglês), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela Fapesp, já identificou mais de uma dúzia de genes responsáveis por algumas dessas doenças, desenvolveu testes para 45 delas e, por meio de aconselhamento genético, permite que milhares de famílias planejem a sua prole.
Essa trajetória de pesquisa e de atendimento à população começou há pouco mais de dez anos, quando a investigação do mecanismo genético desencadeador de doenças exigia, além de muita pesquisa, uma certa dose de sorte: identificada uma família com pelo menos seis indivíduos afetados, os pesquisadores extraíam o DNA – molécula com cerca de 2 metros de comprimento e 2 nanômetros de espessura – de células de cada uma dessas pessoas, separavam-no em pedaços por meio de eletroforese, transportavam esses pedaços para filmes fotográficos e imprimiam os fragmentos em acetato antes de, meio às cegas, iniciar a investigação de seus milhões de pares de base.
“Era como chegar a uma cidade sobre a qual não se tinha qualquer informação e tentar localizar uma casa específica”, costuma comparar Mayana Zatz, coordenadora do Centro, sediado no Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP).
Ciência e sorte
Entre 1995 e 1997, ciência e sorte ajudaram a equipe do IB, coordenada por Zatz, a identificar dois genes ligados a uma forma grave de Distrofia de Cintura e a uma mutação genética no cromossomo 21, responsável por uma cegueira progressiva conhecida como sindrome de Knoblock, que acometia membros de uma família do município de Euclides da Cunha, no estado da Bahia.
A descoberta, realizada no âmbito do Projeto Temático Correlações gene-fenótipo: a nossa contribuição ao projeto genoma humano, apoiado pela FAPESP, foi das primeiras contribuiçôes do Brasil ao Projeto Genoma Humano (PGH), iniciativa internacional que sequenciou cerca de 21 mil genes que codificam as proteínas em seres humanos, entre 1990 e 2003 (leia mais em http://revistapesquisa.fapesp.br/1997/07/01/usp-identifica-novos-genes-causadores-de-doencas/). Reunidas em um banco de dados, essas informações foram disponibilizadas a pesquisadores de todo o mundo como uma espécie de “lista de endereços” da investigação genética.
Pouco antes da conclusão do Projeto Genoma, e já antecipando as perspectivas que se abririam para a biologia molecular, os pesquisadores do IB propuseram a constituição de um CEPID para o estudo do Genorna Humano, aprovado no primeiro edital do Programa lançado pela Fapesp. O objetivo era o de mapear e identificar novos genes relacionados a doenças e entender a variabilidade das doenças genéticas. “Descobrimos mais de uma dúzia de genes”, lembra Zatz.
Nova doença em Serrinha dos Pintos
Muitas vezes o gene relacionado à doença pode ficar “escondido” numa família por várias gerações. Só se manifesta em dose dupla, ou seja, para ser afetada, a pessoa precisa receber uma cópia defeituosa de sua mãe e outra de seu pai. Foi o que ocorreu na pesquisa realizada pelo CEPID sobre um conjunto de sintomas que confinava à cadeira de rodas 26 pessoas, todos aparentados, moradores de Serrinha dos Pintos, munícipio rural com pouco mais de 4 mil habitantes, no Rio Grande do Norte.
Os pesquisadores constataram tratar-se de uma nova doença neurodegenerativa, que batizaram com o nome de síndrome de Spoan (de Spastic paraplegia, optic atrophy and neuropathy) e descreveram em artigo publicado em Annals of Neurology.
A equipe acaba de descobrir qual é o gene responsável pela doença: sabe que ele se encontra em uma região do cromossomo 11 onde existem pelo menos 143 genes, dentre os quais 96 eram fortes candidatos, por serem ativados em tecido nervoso. “Determinar qual deles está por trás da síndrome de Spoan não foi tarefa fácil”, afirma Zatz. O difícil, agora, é entender como ele atua.
Descoberto o gene responsável pela Spoan, talvez seja possível desenvolver um teste diagnóstico para identificar pessoas portadoras da doença e doentes sem sintomas – mas com uma cópia anormal do gene e, portanto, potenciais transmissores da mutação.